quarta-feira, 28 de setembro de 2016

PROCESSO DE LEITURA, PRODUÇÃO E ANÁLISE DE TEXTOS: UM OLHAR SOBRE A CONCRETUDE EM TEXTOS PRODUZIDOS POR ALUNOS DO CURSO DE LETRAS

Aluno 109 e Aluno 113

RESUMO

Uma premissa básica deste artigo é o conceito de produção textual, que consiste em escrever sob uma perspectiva interacional, levando-se em conta noções de interação leitor-autor, qualidades discursivas, conhecimentos prévios, entre outras. Este trabalho relata uma pesquisa acerca dos textos produzidos por dois alunos do curso de Letras na disciplina de Leitura e Produção Textual, no período letivo de 2016/1. O processo desenvolvido ao longo da disciplina é explorado, inicialmente, a partir dos referenciais teóricos expostos e discutidos em sala de aula. Em seguida, a concretude é analisada, sob uma perspectiva qualitativa, nos textos produzidos pelos alunos. Os resultados da pesquisa indicam que o processo deu-se satisfatoriamente, uma vez que há modificações assertivas entre a primeira versão e a reescrita de cada tarefa.
PALAVRAS-CHAVE: leitura e produção textual; concretude; processo; texto.

INTRODUÇÃO

A disciplina de Leitura e Produção Textual apresenta uma noção distinta de leitura, texto e produção de texto, da que grande parte dos alunos, se não todos, tiveram na educação básica. Ler não significa mais somente decodificar mensagens e a lógica da redação escolar ou de simplesmente redigir um texto gramaticalmente correto dá lugar ao processo de produção textual, que é baseado em uma concepção interacional da escrita. Interacional porque considera tanto leitor como autor como partes atuantes e importantes na produção de um texto. Sob esse ponto de vista, segundo Koch e Elias (2009), “a escrita não é compreendida em relação apenas à apropriação das regras da língua, nem tampouco ao pensamento e intenções do escritor, mas, sim, em relação à interação escritor-leitor [...]” (KOCH E ELIAS, 2009, p. 34). Os alunos estão constantemente transitando entre essas duas posições: quando leem textos teóricos, discutem e fazem associações são leitores. Quando produzem seus próprios textos e os rescrevem posteriormente, apropriando-se de conceitos, como as qualidades discursivas, são escritores. Essa transitoriedade é que determina o processo.
O presente trabalho tem como objetivo avaliar como se deu o processo de leitura e produção textos pelos alunos do primeiro semestre do curso de Letras, analisando comparativamente versões das tarefas propostas ao longo da disciplina. A pesquisa de natureza qualitativa traça um panorama geral da disciplina de Leitura e Produção Textual, cursada no período letivo de 2016/1.
O relatório da pesquisa está dividido entre a metodologia utilizada, a revisão bibliográfica, que dá conta de revisitar o caminho da disciplina através das bases teóricas utilizadas na produção dos textos e discutidas em sala de aula; a análise dos dados coletados a partir dos textos produzidos pelos alunos, focando em uma variável comum a todas as produções e as considerações finais, que discutem o trabalho de pesquisa e o processo da disciplina.

O PROCESSO DA DISCIPLINA DE LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL

As discussões teóricas da disciplina partem de um conceito aparentemente simples, mas que pode ser múltiplo e diverso: texto. Nos termos de Platão e Fiorin (2006), pode-se definir texto como uma unidade de sentido. Dentro dessa definição, não são considerados somente textos escritos, mas também orais e os multimodais, que podem compilar mais de uma variável, além da linguagem verbal, como por exemplo, uma charge, que é composta por imagens e enunciados escritos. Nesse cenário, as partes que o compõem devem convergir, uma vez que “o significado global de um texto não é resultado de mera soma de suas partes, mas de uma certa combinação geradora de sentidos.” (PLATÃO E FIORIN, 2006, p. 23). Combinações essas que são dadas a partir da coerência, que é “a harmonia de sentido de modo que não haja nada ilógico, nada contraditório, nada desconexo, que nenhuma parte não se solidarize com as demais.” (PLATÃO E FIORIN, 2006, p. 25).
Apresentada a noção de texto e suas variáveis, faz-se um recorte nesse conceito e fica estabelecida a produção textual escrita, como alvo dos estudos, incluindo também a leitura como parte fundamental nesse processo. Estabelecido o objeto da disciplina, é necessário compreender a ideia de produção textual para que ela possa se dar na prática ao longo das aulas. Conforme Guedes (2004), a produção textual
não se trata de compor, isto é, de juntar com brilho, nem de redigir, isto é, organizar, mas de produzir, isto é, transformar, mudar, mediante uma ação humana, o estado da natureza com vistas a um interesse humano. (GUEDES, 2004, p. 87).
Ou seja, produzir textos não ter a ver somente com a correção gramatical e linguística ou com a estrutura e organização e sim com uma compilação de vários elementos, dada em um processo contínuo a ser desenvolvido. Esse processo depende de uma concepção específica de escrita, focada na interação. Para Koch e Elias (2009),
isso significa dizer que o produtor, de forma não linear, “pensa” no que vai escrever e em seu leitor, depois escreve, lê o que escreveu, revê ou reescreve o que julga necessário em movimento constante e on-line guiado pelo princípio interacional. (KOCH E ELIAS, 2009, p. 34).
Nesse sentido, Guedes (2004) coloca que a produção de texto “pressupõe leitores que vão dialogar com o texto produzido: concordar e aprofundar ou discordar e argumentar, tornando o texto como matéria-prima de seu trabalho.” (GUEDES, 2004, p. 88).
Compreendida a noção de produzir textos e sua concepção de escrita, a disciplina de Leitura e Produção Textual parte para a análise das qualidades discursivas, que
são um conjunto de características que determinam a relação que o texto vai estabelecer com seus leitores por meio do diálogo que trava não só diretamente com eles mas também com os demais textos que o antecederam na história dessa relação.(GUEDES, 2004, p. 91).
Haja vista a definição de qualidades discursivas dadas por Guedes (2004) é necessário compreender que essas características serão desenvolvidas ao longo do processo, a partir de análises, leituras, reescritas, tendo em vista que essas qualidades não são uma fórmula pronta a ser seguida, mas uma compilação de fatores disponíveis aos que pretendem trabalhar com textos, como é o caso dos estudantes de Leitura e Produção Textual.
As qualidades discursivas que embasaram o processo de produção de textos durante a disciplina são as seguintes: (1) Unidade temática, que consiste em estabelecer uma questão norteadora para o texto, em torno da qual as demais informações colocadas devem convergir. Guedes (2004) alerta que “é importante que a unidade possa ser percebida pelo leitor, que não tem nenhuma obrigação com o autor que o convocou a lê-lo.” (GUEDES, 2004, p. 93). (2) Concretude, que deve estar colocada no texto com o objetivo de dar parâmetros ao leitor; permitir que ele possa identificar, contrastar, comparar informações. Para essa qualidade discursiva, é importante que o autor priorize especificidades e ideias/conceitos concretos para que possa ativar a intertextualidade do leitor com sua exemplificação. (3) Questionamento, que tem a função de convocar o leitor para equacionar um problema. É importante que o texto levante uma hipótese que solicite a participação daquele lê para chegar-se ao seu desenlace. Por fim, (4) objetividade, que está intimamente ligada com a concretude. Para Guedes (2004), “texto objetivo é o texto capaz de perceber e mostrar objetos, ou melhor, de perceber os objetos como objetos.” (GUEDES, 2004, p. 104). Nesse cenário, o autor deve colocar-se como leitor, para assim deixar de lado sua subjetividade e tornar-se objetivo.
A noção de texto, o conceito de produção textual e o conhecimento das qualidades discursivas subsidiam agora as produções textuais ao longo da disciplina. Produzindo cinco textos com naturezas distintas, os alunos traçam o caminho de uma escrita de cunho mais livre e voltado ao pessoal, para uma forma de escrita formalizada e de padrões acadêmicos. As propostas a serem trabalhadas são as seguintes: (1) Apresentação pessoal, que para Guedes (2004) “tem a utilidade, do ponto de vista de quem escreve, de fixar a auto-imagem momentânea, que pode funcionar como ponto de partida de um maior autoconhecimento.” (GUEDES, 2004, p. 90). (2) Uma experiência ou um fato que gerou um aprendizado, tendo como base o gênero narrativo, que consiste em narrar acontecimentos. Espaço, tempo, narrador e personagens ganham destaque nesse tipo de texto. (3) Descrição de um processo, onde Guedes (2009) atenta para a importância de selecionar-se o que será descrito, afinal “falar de tudo um pouco equivale geralmente a falar de tudo um nada [...]” (GUEDES, 2009, p. 178). (4) Memorial de leitura, que traz um elemento distinto: a necessidade de uma articulação teórico-prática entre relatos dos discentes e textos teóricos.  Arcoverde e Arcoverde (2007) apontam que o memorial é um “gênero que oportuniza as pessoas expressarem a construção de sua identidade.” (ARCOVERDE E ARCOVERDE, 2007, p. 2). A leitura aparece conceitualmente nessa proposta, com um apanhado de textos teóricos que discorrem sobre diferentes concepções de leitura relacionadas ao desenvolvimento da linguística. (5) Artigo de opinião, que já tem uma natureza mais formalizada e acadêmica e apresenta a necessidade de argumentação, característica da tipologia textual dissertativa.
Cada uma das cinco propostas foi desenvolvida em um processo que se constitui por etapas. A primeira delas é a escrita de uma primeira versão do texto (V1). Após a V1, são balizados em aula quais serão os critérios de análise para determinada proposta. Além das qualidades discursivas, há também critérios que dão conta dos aspectos formais, como estruturação dos parágrafos, coesão e coerência, morfossintaxe, semântica e léxico. São feitas discussões teóricas embasadas nos textos teóricos disponibilizados pela professora. Depois de estabelecidos os critérios, é emitido um parecer sobre cada um dos textos pelas monitoras da disciplina, que desempenham um papel fundamental no processo, pois são elas que fazem a primeira avaliação dos textos. Emitido o parecer, os alunos partem para a reescrita (RE) de seus textos, podendo seguir ou não as indicações feitas pelo parecer. Para que os alunos possam fazer uma reflexão teórico-prática de suas V1 e RE, produzem o diário dialogado, que é direcionado diretamente para a professora. Esse texto é livre e permite aos escritores que possam refletir sobre seus textos, comparar as duas versões dele, analisar a aplicação das qualidades discursivas e dos demais critérios de avaliação. É um espaço também de diálogo entre os discentes e a docente, uma vez que o processo interacional inclui também a participação da professora, sabendo quais estão sendo as principais dificuldades e pensando de que maneira solucioná-las.

METODOLOGIA

A pesquisa realizada é de natureza qualitativa, que consiste no entendimento de que “[...] o estudo da experiência humana deve ser feito, entendendo que as pessoas interagem, interpretam e constroem sentidos.” (OLIVEIRA, 2008, p. 3). Dentro da pesquisa qualitativa, há uma subdivisão denominada Estudo de caso, que “deve ser aplicado quando o pesquisador tiver interesse em pesquisar uma situação particular, singular.” (OLIVEIRA, 2008, p. 5).
A situação particular pesquisada aqui é a produção de textos pelos alunos A e B na disciplina de Leitura e Produção Textual, no período letivo de 2016/1. Esses textos foram escritos em uma primeira versão (V1) e reescritos (RE) após parecer feito pelas monitoras da disciplina. Nesse processo, foram disponibilizados textos teóricos para o estudo de cada proposta, além de aulas expositivas, para discussões dos mesmos. As tabelas abaixo compilam as informações acerca dos dados coletados para a pesquisa:
TAREFA
PROPOSTA
ENTREGA
BASES                     TEÓRICAS
V1
RE
1
Apresentação pessoal
10/03
18/03
Guedes (2004)

2
Fato/experiência que revelou um aprendizado
18/04
16/05
Guedes (2009)
Gancho (2006)
3
Descrição de um processo
05/05
23/05
Guedes (2009)
4
Memorial de Leitura
13/06
20/06
Rottava (1998)
Rottava (2000)
Kleiman (1995)
Kleiman (2004)
Britto (2012)
Rottava (2012)
Arcoverde e Arcoverde (2007)
5
Artigo de opinião
20/06
27/06
Guedes (2009)
Toulmin (2001)
Cunha (2009)

Tabela 1: Proposta de texto solicitada em cada tarefa, datas de entrega da 1ª versão (V1) e da Reescrita (RE) e textos teóricos discutidos em aula relacionados a cada proposta.

TAREFA
OBSERVAÇÃO DO PARECER
Aluno A
Aluno B
1
Delinear a unidade temática.
Delinear a unidade temática e ter mais objetividade.
2
Melhorar a objetividade e trabalhar a concretude.
Delinear a unidade temática, trabalhar melhor a concretude e melhorar a objetividade.
3
Melhorar a objetividade e trabalhar a concretude.
Delinear a unidade temática, ter mais objetividade e trabalhar a concretude.
4
Buscar mais referências e trabalhar a concretude.
Articular melhor paráfrases e citações com o texto.
5
Desenvolver mais o texto e trazer outros argumentos.
Organizar melhor o argumento concreto no texto.

Tabela 2: Principais observações feitas nos pareceres quanto às qualidades discursivas nos textos dos alunos A e B.

ANÁLISE DE DADOS

A partir do processo de Leitura e Produção Textual que dá nome e é posto em prática pela disciplina, propõe-se analisar agora o percurso dos alunos A e B ao longo do período de aulas. Para isso, selecionou-se uma das qualidades discursivas: a concretude. Observem-se as análises:
Aluno A – Proposta 1: Apresentação pessoal
(V1)Na adolescência sofri do clichê do bullyng. Estando acima do peso e sendo homossexual [...]”.
O termo adolescência é compreendido socialmente. Qualquer leitor entende o que se entende por adolescência. Entretanto, essa ideia poderia ser transmitida de outra maneira, trazendo mais elementos para o leitor. A ideia de estar acima do peso está inexplorada nesse contexto. Para o leitor, “acima do peso” pode variar muito.
(RE) Na época onde os hormônios afloram, os desejos aparecem e os pelos começam a crescer em lugares cabulosos – leia-se adolescência –, foi-me lembrado quanto os trinta quilos a mais que possuía na época [...]”.
Observa-se agora a mudança ao tratar do termo “adolescência”. O autor agora cria uma imagem para o leitor, trazendo elementos com os quais ele provavelmente irá se identificar e criar uma imagem muito mais viva. A ideia de “acima do peso” também está explicitada agora porque é quantificada, o peso do qual estava acima era de 30 kg.
Aluno B – Proposta 1: Apresentação pessoal
(V1) Nasci numa noite fria de outono, dez dias antes do previsto pelos médicos. Feriado nacional. Seria esse um prenúncio de que minha vida seria um eterno feriado? Antes fosse, mas não é o meu caso. A inquietação desde o momento de vir ao mundo só corrobora minha ansiedade e desassossego diante de situações que precisam de alguma solução, nos dias de hoje.”.
Na V1, o aluno B não faz uma delimitação clara do tema, a princípio. A narração do seu nascimento é o que dá o primeiro parâmetro concreto para o locutor identificar o que parece ser o tema da sua apresentação, a inquietação. Porém, essa delimitação se perde quando inserida uma citação que parece deslocar-se dentro do tema que parecia estar estabelecendo-se.
(V1) “O problema é que essa solução nem sempre vem tão rápido assim. Diante do dia e hora que nasci, acabei sob um mapa astral decadente, que me coloca com sol em touro e lua em câncer, ou seja, os processos são sempre lentos e graduais e às vezes, nem processam.”.
O aluno parece estar preocupado em estabelecer uma relação concreta entre as características que deseja apresentar e a sua história de vida, mas é prejudicado pela não delimitação do tema central de seu texto e pela inserção de informações que podem não ser de conhecimento geral, que qualquer leitor possa se identificar.
(RE) “Nasci numa noite fria de outono, dez dias antes do previsto pelos médicos. Dia de feriado nacional. Seria esse um prenúncio de que minha vida seria um eterno feriado? Antes fosse, mas não é o caso. A inquietação desde o momento de vir ao mundo só demonstra minha ansiedade e desassossego diante de situações que precisam de alguma solução, nos dias de hoje. O problema é que essa solução nem sempre vem tão rápido assim, me deparo diversas vezes com o medo de errar, com a insegurança fazer uma escolha da qual possa me arrepender depois e por isso acabo pensando e repensando um pouco além da conta.”.
Na reescrita, o aluno subtrai os trechos que desviam do tema estabelecido no segundo parágrafo e mantêm as descrições que dão concretude ao texto.
Aluno A – Proposta 2: Um fato/experiência que revelou um aprendizado
(V1) Se tivesse escolhido não gastar aqueles R$10,90 naquele livrinho ilustrado, com uma capa bem suspeita, diga-se de passagem, nunca teria conhecido aquele mundo que já acompanho há quase dez anos [...]”.
O autor não dá muitas informações sobre os aspectos físicos do livro. Menciona que continha ilustrações e define sua capa como suspeita, mas não dá subsídios para que o leitor entenda a razão pela qual considerou assim. Além disso, a escolha do livro pela capa parecer ser uma informação importante para o texto e está colocada somente ao final.
(RE) Estava andando na rua quando passei na frente de uma banca de jornais e reparei na capa daquele tomo, uma capa um tanto suspeita. O desenho da capa estava num fundo preto, uma menina de cabelos azuis sentada em cima de uma cabeça gigante, haviam também alguns detalhes em roxo e vermelho.”
Na RE, o autor insere a informação sobre a justificativa para a escolha do livro nos primeiros parágrafos, o que deixa as informações mais bem organizadas, afinal, o que é mais importante deve ser apresentado logo no início. É interessante perceber também, como o autor constrói a imagem da capa do livro e explora muito melhor o conceito de “suspeita”. Além disso, com a descrição do passar pela frente da banca e avistar a capa com tais caraterísticas, o autor enriquece sua narração, fazendo que a cena seja plenamente concreta e imaginável.
Aluno B – Proposta 2: Um fato/experiência que revelou um aprendizado
(V1) Chegando à empresa, eu olhava para os lados e não via quase ninguém da mesma idade que eu. Um ou dois colegas também aprendizes, mas ainda assim me sentia sozinho, sem saber o que fazer, como agir, como me comportar, que palavras usar. Bastava que alguém mencionasse meu nome pra que eu pensasse logo em sair correndo gritando “eu quero a minha mãe!”, mas não havia essa opção. Meu trabalho concentrava-se sempre ao telefone, atendendo muitos clientes por dia, gente de vários lugares, várias idades, várias vidas. Meu trabalho concentrava-se sempre ao telefone, atendendo muitos clientes por dia, gente de vários lugares, várias idades, várias vidas.”
O trecho V1 mostra a cena de uma maneira mais interna da perspectiva do personagem/narrador, não há muita descrição de elementos externos (O que ele falava ao telefone? Como era o ambiente em que ele tralhava?).
(RE) “Chegando à empresa, vi aquelas salas separadas por vidros, padronizadas, com mesas, computadores e telefones para todos, pessoas compenetradas em suas tarefas. Meu trabalho concentrava-se sempre ao telefone, atendendo muitos clientes por dia, às vezes cinquenta ou sessenta pessoas em uma única tarde. Gente de cidades diferentes, idades diferentes, rotinas diferentes. Houve dias em que eu só esperava pelas seis da tarde, hora de ir embora, cansado de tanto falar, de ouvir respostas como “eu quero cancelar”, “não quero mais o serviço de vocês.”.
O trecho da RE traz elementos mais palpáveis e diretos, descrevendo o ambiente e o os acontecimentos sem utilizar-se de construções com “sentir”, preferindo trazer a ação que ocorria com o narrador/personagem.
Aluno A – Proposta 3: Descrição de um processo
(V1) “Sempre dói no começo. Pode parecer que não vai caber ou o que não vai ser bom [...]”.
O autor inicia seu texto sem dar para o leitor a mínima noção do que se trata e de onde ocorre a ação. É bem verdade que o título do texto ajuda nesse sentido, ainda assim é necessário que se explique que assunto será tratado e, especificamente nessa proposta, criar uma ambientação para o que está sendo descrito.
(RE) “Dois seres humanos sentem atração um pelo outro. Estão em comum acordo em realizar o sexo anal. Sozinhos num quarto, em uma cama. Sempre dói no começo. Pode parecer que não vai caber ou o que não vai ser bom”.
O autor cria o ambiente e deixa claro para o leitor que processo irá descrever ao longo do texto. Além disso, a ambientação da cama cria uma imagem concreta para o leitor.
Aluno B – Proposta 3: Descrição de um processo
(V1) “A primeira parte não é você que determina. Os olhos fazem a primeira parte: avistá-la. Dos olhos a mensagem é emitida diretamente ao coração – há quem diga que é transmitida para o cérebro, o que torna o processo racional –, que passará a bater intensamente sinalizando ter recebido o estímulo e pronto. Você está apaixonado.”
O texto já inicia descrevendo um processo, que por estar no campo subjetivo dos sentimentos, dificulta para os leitores a visualização de algo concreto. Fica subjetivo ao entendimento de cada um sobre o que é apaixonar-se e que processo conduz a esse ato.
(RE) “Quando você se apaixona por alguém, sempre espera reciprocidade, que o sentimento possa ser retribuído de igual forma, porém, muitas vezes não é. Ou porque a pessoa não o conhece, ou porque você não se fez perceber, ou não se mostrou atraente, enfim. Para que você atinja o objetivo e faça com que ela também se apaixone por você, irá precisar de algumas táticas, que não são tão imediatas, mas que em longo prazo dão certo. Vamos a elas.”.
Como escolha para sua reescrita, o aluno decide discorrer sobre a reciprocidade entre as pessoas quando se apaixonam, algo um pouco menos livre das interpretações que podem ser feitas pelos leitores, já que supõe-se que para duas pessoas estarem em uma relação apaixonada, deve haver reciprocidade.
Aluno A – Proposta 4: Memorial de Leitura
(V1) “Numa primeira leitura nos capítulos iniciais do Curso de Linguística Geral (CLG) de Saussure, indicados pelo professor, me deparei com uma das leituras mais difíceis que fiz até hoje.”.
No trecho da V1 da quarta proposta, o autor coloca a leitura do Curso de Linguística Geral sem explicar em que contexto foi lido e quem é Saussure. Para um leitor leigo, que não curse Letras ou conheça a teoria Saussuriana, pode ser muito complicado ou até impossível entender o que o autor está querendo relatar.
(RE) “No primeiro semestre do curso de letras, há uma cadeira de introdução à linguística, em que são apresentados os primeiros conceitos teóricos dessa ciência e que serão aprofundados ao longo do curso. Uma das últimas leituras realizadas no semestre é de capítulos selecionados do “Curso de Linguística Geral” (CLG) de Ferdinand de Saussure, o principal colaborador que tornou a linguística uma ciência propriamente dita, definindo o seu principal objeto de pesquisa.”.
Na RE, o autor dedica um parágrafo inteiro parar situar o leitor quanto ao contexto em que leu a obra e quem foi Saussure. Agora há subsídios concretos para que qualquer leitor, independente se é um estudante de Letras ou não, compreender do que se trata e seguir adiante na leitura do texto.
(V1) (RE) Já com certa idade, por vias de terminar o ensino fundamental, integrei-me ao grupo de contação de histórias que se iniciava na escola. Mesmo não tendo um contato marcante com a leitura em um primeiro momento da vida, intuí que seria algo interessante, que me propiciaria aprendizados, já que as atividades seriam desenvolvidas dentro da biblioteca, célebre espaço no ambiente escolar, onde os alunos tem convívio com os livros e a leitura de maneira mais próxima.”.
Ambos os parágrafos selecionados da V1 e RE, entre os quais não houve mudança significativa, apresentam a situação em que a experiência de leitura é trazida de maneira concisa e objetiva. Na quarta proposta, feita durante o período de avaliação, o aluno já apresenta um domínio da capacidade de colocar em seus textos elementos que deem subsídios aos interlocutores para criarem o cenário onde houve a experiência de leitura, sendo a quarta proposta um memorial de leitura. Fica claro o cenário que os leitores que devem ter em mente quando fizerem a leitura.
Aluno A – Proposta 5: Artigo de opinião
Ao escrever a V1 da quinta proposta, o autor não utiliza um argumento de autoridade, como solicitado, para embasar aquilo que está defendendo em seu artigo de opinião. Por esse motivo, não há um trecho selecionado desse texto. Entretanto, para tornar sua argumentação mais concreta, o autor busca para sua RE um argumento de autoridade, baseado em um estudo. Ao utilizar-se desse artifício, o texto que, incialmente, continha apenas percepções do autor, ganham também dados reais que vão ao encontro do que estava sendo defendido.
(RE) O estudo realizado por Oliveira et al. (2016) mostrou que, as condições de falta de organização de horários para estudo, não se limitam a apenas estudantes universitários, muito menos a alunos do curso de letras, mas também entre estudantes de ensino médio, pós-graduandos, doutorando etc. Os dados obtidos, perante oficinas de gestão do tempo, realizadas para o estudo, também mostraram que existe uma grande disposição nos universitários para elaborar horários de estudos eficientes, e que não deixem de fora os momentos de recreação.”.
Não foram considerados os dados da V1 e da RE da quinta proposta do aluno B, uma vez que não houve alterações significativas no texto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo por objetivo avaliar a evolução dos textos no processo, a partir dos dados coletados, com enfoque na qualidade discursiva concretude, pode-se apurar que os alunos de letras conseguem apresentar em seus textos essa qualidade de maneira totalmente satisfatória, ainda que as demais qualidades – questionamento, unidade temática e objetividade – possam ter deixado a desejar. A disciplina promoveu experiência de produção textos de diversos gêneros – havendo sempre uma primeira versão, um parecer sobre o que deveriam melhorar, e uma reescrita – o que possibilitou aos alunos o aprimoramento das suas habilidades de escrita, além da aplicação do projeto de produção textual, que é essencial no meio acadêmico, já que são constantes os textos a serem elaborados nas disciplinas do curso. Vale ressaltar que, no decorrer do curso, essas habilidades serão aprimoradas, visto que ainda faltam certas adequações pelas quais os alunos devem passar, como a ampliação de seus conhecimentos linguísticos – léxico, semântico, ortográfico, entre outros –, textuais e enciclopédicos, também essenciais para a produção textual.
 A metodologia aplicada nas aulas demonstrou-se eficiente por trazer conceitos teóricos como subsídio para cada proposta de produção de texto e também por proporcionar a leitura de textos aos colegas. Um exercício de oralidade, que auxiliou na identificação das dificuldades nos textos e no trabalho quanto à recepção de textos e diferentes interlocutores. Como saldo final dos trabalhos desenvolvidos na disciplina de leitura e produção textual, os alunos estão mais bem preparados e com certo domínio de textos acadêmicos que virão a produzir.

REFERÊNCIAS

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. “Escrita e interação”. In: Ler e Escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009. P. 31-52.
ARCOVERDE, Maria Divanira de Lima; ARCOVERDE, Rossana Delmar de Lima. “Produzindo gêneros textuais: o memorial”. In: Leitura, interpretação e produção textual. Campina Grande; Natal: UEPB/UFRN, 2007. P. 1-16.
PLATÃO, Francisco; FIORIN, José Luiz. “Lição 1: Considerações sobre a noção de texto”. In: Lições de texto: Leitura e Redação. São Paulo: Ática, 2006. P. 24-41.
OLIVEIRA, Cristiano Lessa. Um apanhado teórico-conceitual sobre a pesquisa qualitativa: tipos, técnicas e características. Travessias, Cascavel, Editora UNIOESTE, a.2, n.3, 2008. P. 1-16. Disponível em < http://e-revista.unioeste.br/index.php/travessias/article/view/3122/2459>  Acesso em 03/07/2016.
GUEDES, Paulo Coimbra. “Narração”. In: Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola editorial, 2009. P. 124-170.
GUEDES, Paulo Coimbra. “Descrição”. In: Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola editorial, 2009. P. 171-225.
GUEDES, Paulo Coimbra. “Olhar, imaginar, organizar, escrever”. In: Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola editorial, 2004. P. 85-116.
ANEXOS


ANÁLISE DA CONCRETUDE NO PROCESSO DE EVOLUÇÃO EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE DIFERENTES GÊNEROS

Aluno 85 e Aluno 82


RESUMO
O processo de leitura e escrita em contexto acadêmico é uma ferramenta de extrema importância no que concerne a linguagem acadêmica e o processo envolto na construção de sentidos. Este artigo objetiva analisar de forma qualitativa o processo de desenvolvimento em produções textuais de diferentes gêneros elaborados por estudantes da graduação do curso de Letras. Essa análise possui como aporte teórico, a definição de textos e qualidades discursivas, principalmente a concretude. Os dados que compõem o corpus da pesquisa resultam de um apanhado de produções textuais realizadas por alunos do primeiro ano do curso de Letras. Os resultados a seguir, sugerem que processo de desenvolvimento dos alunos-autores, depende do gênero textual abordado, qualidades discursivas e experiências anteriores.

Palavras-chave: Produção textual; Processo de escrita; Leitura; Concretude.

INTRODUÇÃO


No presente trabalho será apresentado o processo de escrita e reescrita que envolve a produção textual de diferentes gêneros, elaborados por estudantes do curso de Letras da UFRGS ao longo do primeiro semestre de 2016 na disciplina de Leitura e Produção textual. O artigo preocupa-se com o processo de aprendizagem cujos textos, autores e interlocutores estão interligados. Para tal análise, é necessário elucidar posteriormente, a diferença entre tipologia textual e gênero textual.


Sob esse ângulo, este trabalho irá descrever e discutir as qualidades textuais que devem ser observadas durante a leitura de um texto. Essas qualidades discursivas são unidade temática, objetividade, concretude e questionamento. Nessa perspectiva, o escopo do trabalho será a observação e análise da concretude contida nos textos, pois é por meio dessa que é possível visualizar de forma imagética os cenários e situações descritas nos textos.
            Nesse sentido, o artigo está organizado em seis seções. Sendo essas após a presente introdução, a segunda seção, que esclarece os conceitos e teorias utilizados para dar embasamento à pesquisa. A terceira parte se refere à metodologia utilizada para elaborar a quarta seção que trata da análise dos dados obtidos ao longo das propostas. A quinta parte, trata das referências utilizadas ao longo do trabalho e por fim, encontram-se as considerações finais acerca desta pesquisa e da disciplina em contexto geral.

REVISÃO TEÓRICA

O processo de escrita e reescrita das produções textuais possui como escopo tornar os autores (alunos) cientes de seu próprio processo e desenvolvimento, no que tange à produção textual de diferentes gêneros, além de levantar discussões acerca das habilidades e qualidades nos textos lidos e criticados (de forma construtiva), as produções dos colegas, tendo em vista a busca da textualidade ou seja, fazer com que a sequência de frases constitua um todo significativo. Durante as aulas de produção textual, foram abordados, diferentes gêneros textuais, todos eles, com relevância para o meio acadêmico, são esses: apresentação pessoal, narrativa, descrição, memorial e artigo de opinião.
Nesse cenário, é fundamental que se observe o texto como um processo, pois ao produzir um texto, estamos sempre reorganizando nosso conhecimento de mundo. Koch (2009) afirma que, ao produzir um discurso, o homem se apropria da língua, não só com o fim de transmitir mensagens, mas principalmente com o objetivo de agir no mundo, de interagir socialmente, de se constituir como ‘eu’ (e como interlocutor ao mesmo tempo) de um outro que é, por sua vez, constituído do próprio ‘eu’. Essa ação ocorre por meio do jogo de representações e de imagens recíprocas que os agentes estabelecem. Dessa forma, o interlocutor também faz a diferença, e o processo de construção do texto acontece como um ato de interação que pressupõe fatores pragmáticos e cognitivos. Com isso, os interlocutores processam o mundo e o organizam linguisticamente, de acordo com as intenções dessa construção chamada texto.

Na primeira tarefa, os alunos deveriam elaborar uma apresentação pessoal. O cerne dessa tarefa, era que os estudantes aprendessem a se descrever, de forma clara, concisa e com pouca subjetividade, além disso, o texto também deveria despertar o interesse do leitor. De forma geral, poucos alunos atingiram completude solicitada pelo gênero logo na escrita, isso ocorreu talvez por falta de conhecimento prévio sobre o gênero textual. Essa proposta, serviu para que os estudantes tivessem um primeiro contato com a escrita acadêmica e também fazer com que a professora tomasse ciência do nível em que os mesmos se encontravam.
A apresentação pessoal é um tema com relevância no que se refere ao processo de aprendizagem, pois o autor (aluno) torna-se o centro de sua produção, fazendo assim, com que a tarefa seja algo difícil, visto que esse, é o primeiro contato com a produção textual acadêmica. Sob esse ângulo, nessa primeira tarefa, os alunos percebem a necessidade de uma unidade temática nos textos, a fim de que sua leitura possa ser seguida de forma linear. Guedes (2009, p. 94) ressalta que se um texto não possui unidade temática, ele pode conter de tudo um pouco, mas certamente contém de tudo muito pouco.
Nesse sentido, surge a concretude que é um dos aspectos mais importantes dentro de um texto, uma vez que eleva um texto totalmente abstrato a algo que todos possam compreender o sentimento do autor, fazendo uso de exemplos concretos, o leitor cria a imagem acerca do que o autor que retratar. A concretude é o que torna um texto peculiar, isso porque cada pessoa tem sua forma de imaginar e sentir.
Nessa ótica, a questão imagética do texto está atrelada a concretude, pois o mesmo texto pode ter infinitas interpretações para cada leitor levando em consideração suas experiências e conhecimento prévio de mundo. O texto que possui imagem, permite ao cérebro do leitor a experimentação dos sentidos e imagens descritas. Nas ocorrências em que a concretude não é bem desenvolvida, a leitura torna-se algo muito abstrato e maçante, afastando o interesse do leitor sobre aquele texto. Além disso, é preciso que a produção textual levante um questionamento que gire em torno da unidade temática do texto, pois caso contrário, autor e leitor não terão interesse na problemática. De acordo com Guedes,

“A construção de um texto gira em torno de chamar a atenção do leitor e, por consequência, provocar o que há de mais profundo nele, o que termina em interesse mútuo. Não faz sentido construir algo para não ser visto, para não ser lembrado.”.
A segunda tarefa consistia na construção da narração de um fato que, posteriormente, gerara algum aprendizado para o autor (aluno). Além das qualidades discursivas supracitadas, a narrativa necessita de um fato que permeie o texto, pois esse fato está entre o comportamento existente antes de sua ocorrência e o comportamento diferente após essa ocorrência durante o texto, isso é o que torna a narração um gênero textual intrínseco.
Na terceira tarefa, a proposta discutida em aula era sobre a elaboração da descrição de um processo do cotidiano. Essa proposta, requer dos autores de forma direta e concisa, a concretude, fazendo com que o leitor criasse a imagem do que está ocorrendo e a vontade de continuar a leitura. Nesse âmbito, situar o leitor no espaço e no tempo da descrição é algo crucial para manter o interesse e a unidade textual.
Durante a penúltima tarefa, o memorial, o objetivo era fazer com que o autor conseguisse retratar uma trajetória sua dentro de um momento de leitura. Essa trajetória, teria como escopo relembrar o primeiro contato, ou o mais marcante com a leitura de alguma obra. A didática por trás dessa tarefa era passar aos estudantes o relato de experiências vividas, que estruturam o estilo do autor na atualidade.
A última tarefa, tem como propósito, o processo de formação da argumentação. O tema abordado era para que o aluno treinasse o seu ponto de vista sobre o tema decidido em aula "O tempo na vida dos estudantes universitários". Com isso, o texto deveria trazer em seu corpo, argumentos a favor e contra a teoria do autor. Nesse sentido, o aluno deveria buscar seus argumentos por meio de citações, pesquisas e teorias para que assim, pudesse formular um problema e respondê-lo embasado na defesa de seu ponto de vista. Além desses pontos, há outro elemento fundamental que deve ser analisado ao construir um texto dissertativo-argumentativo, a coesão. Segundo Fávero “ ... há certos itens na língua que têm a função de estabelecer referência, isto é, não são interpretados semanticamente por seu sentido próprio, mas fazem referência a alguma coisa necessária à sua interpretação” (FÁVERO, 2009:18).







METODOLOGIA DE PESQUISA

A presente pesquisa possui o corpus composto pelas produções textuais realizadas ao longo do primeiro semestre de 2016 na disciplina de Leitura e Produção Textual e como embasamento o material disponibilizado pela professora. A disciplina tem como objetivo a elaboração e leitura de textos pelos alunos para que, munidos de autonomia e criticidade, os estudantes possam elaborar críticas construtivas no que se refere aos textos lidos e ouvidos em aula. Esses comentários, possuem o intuito de nortear o autor rumo à melhor adequação de seu texto dentro dos gêneros abordados. Além disso, também há a criação de um parecer por parte da professora juntamente com as bolsistas da disciplina. Ao término da disciplina, foi proposto aos alunos a realização de um artigo de análise comparativa dos textos, dando razão a pesquisa envolta neste trabalho.
Durante a realização das aulas foram produzidos os gêneros apresentação pessoal, narração, descrição, memorial e dissertação (artigo de opinião), cada um desses, sendo corroborados com leituras em sala que continham os conceitos teóricos com relação aos gêneros. A sistemática das aulas funcionava da seguinte maneira, em primeiro momento, era entregue a primeira versão do texto, que em seguida era corrigida. Após isso, era enviado aos alunos um parecer sobre seu texto, que explicava como o mesmo poderia se adequar melhor ao gênero textual discutido. Em seguida, os alunos entregavam uma reescrita do texto e um “diário dialogado”, que servia como um resumo dos aspectos teóricos vistos em aula. A seguir, para melhor entendimento, um esquema ilustrativo dessa didática.

Figura 1 - Fluxograma da didática das aulas



Nessas perspectivas, a pesquisa apresentada é de natureza qualitativa interpretativa em linguística. Segundo Minayo (1995, p.21-22):

“a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.”.

Nesse sentido, percebe-se que a pesquisa qualitativa desse estudo envolveu a obtenção de dados por meio dos textos realizados. Assim, é enfatizado mais o processo de que o produto e, portanto, a preocupação está em retratar a evolução dos participantes em cada etapa do proposto na disciplina. O corpus a ser analisado compreende no total de 20 (vinte) produções textuais elaboradas pelos alunos do primeiro semestre do curso de Letras no ano de 2016 da UFRGS.
Sob essa ótica, o principal tema do presente trabalho é analisar por meio de exemplos, o contraste entre a primeira e a segunda versão dos textos, destacando suas evoluções (ou involuções) no que compete aos gêneros discursivos e qualidades textuais, principalmente, concretude. Na tabela abaixo, se encontram os gêneros trabalhados e seus respectivos títulos, de dois autores (estudantes), A e B, respectivamente.














Proposta nº
Gênero Textual
Título do Autor A
Título do Autor B
I
Apresentação pessoal
Escrita: Prazer, eu!

Reescrita: Prazer, eu!
Escrita: Um misto de paixão, explosão, insegurança e o elemento X.

Reescrita: Duas paixões, meu elemento X.
II
Narração
Escrita: A vida vive.

Reescrita: A vida é bela.
Escrita: Tarefa 2.

Reescrita: REESCRITA PROPOSTA 2.
III
Descrição
Escrita: O dia do nascimento.

Reescrita: O dia do nascimento.
Escrita: A missão de almoçar no Restaurante Universitário (RU)

Reescrita: A missão de almoçar no Restaurante Universitário (RU) para carnívoros.
IV
Memorial
Escrita: Memorial de leituras.

Reescrita: Memorial de leituras.
Escrita: Primeiro contato literário com Alice.

Reescrita: Primeiro contato literário com Alice.
V
Dissertação (Artigo)
Escrita e Reescrita: Falta de tempo na vida universitária.
Tabela 1 - Gêneros textuais e suas respectivas versões.






ANÁLISE DOS DADOS

Para perpassar todas as unidades discursivas em um texto, esse deve ter um fio condutor que deve percorrer todo o texto; deve ser um texto claro, o autor deve expressar suas ideias de forma objetiva, para que seu interlocutor possa entender aonde se quer chegar com este texto; deve ter se um questionamento e uma resposta para este e envolvendo tudo isto, o texto deve apresentar exemplos para que não fique abstrato. Essa unidade discursiva é denominada concretude.
Nesse item será analisada a unidade discursiva referente à concretude, com exemplos dos autores (alunos) A e B na disciplina de Leitura e Produção Textual, em cinco propostas, a apresentação pessoal, narrativa, descrição de um processo e um artigo de opinião envolvendo o tempo dos estudantes universitários.
Exemplo I- Autor A.
Escrita da proposta I - Autor A
Reescrita da Proposta I - Autor A

"A única forma que encontrei de fazer uma autoanalise é lendo meus textos, não são feitos com o intuito de me descrever a cada linha, mas minha escrita é o espelho da minha personalidade, o espelho da minha alma. Em meu blog, sem ao menos notar exponho meus sentimentos e uma parte de mim maior do que eu queria, nas palavras que escrevo está expresso meu amadurecimento, minha teimosia, insegurança e meu desejo constante de abraçar o mundo".


“Existem duas personagens que me descrevem muito bem. Uma é intitulada como ‘Principesca’, uma moça romântica, corajosa, dona de um mundo no qual ela é a princesa e ajuda a todos.
A outra personagem é intitulada como ‘Morta-viva’, de ‘Confissões de uma morta-viva’. Esta escreve suas experiências, está ciente de sua realidade, sabe que a morte lhe é próxima.”

Esse exemplo é o texto da proposta I que trata de uma apresentação pessoal. Nota-se que o autor A, no primeiro trecho, relata ter um blog e diz que a única forma de fazer uma autoanalise é lendo seus textos, mas não se encontra um exemplo concreto que afirme isso, o autor não consegue expressar suas características em algo palpável. Assim, o interlocutor não pode identificar que aquelas características são especificas dessa pessoa, pois não existem exemplos suficientes para fortalecê-las.
Já em sua reescrita encontram-se exemplos de por que ele podia se autoanalisar, nesse trecho, o autor consegue comparar suas personagens com suas próprias características pessoais, fornecendo peculiaridade para o texto.
Exemplo II - Autor B
Escrita Proposta II - Autor B
Reescrita proposta II - Autor B
 “Eu estava com muita pressa (como sempre) e não queria ter todo o trabalho de trocar as bolachas de pote.”.
 “Eu estava com muita pressa (como sempre), pois logo iria escurecer e carros começariam a circular com mais constância pela rua além disso, não queria ter todo o trabalho de trocar as bolachas de pote...”.

Este texto relata a proposta II, que consiste em uma narrativa sobre uma experiência que se tornou um aprendizado. No primeiro trecho, o autor diz que está com pressa, mas não desenvolve argumentos para fortalecer essa ideia. No segundo, o autor consegue criar uma imagem e dizer o motivo de sua pressa, a criação de imagem que faz parte da concretude já pode ser encontrada.
Exemplo III - Autor A
  Escrita da proposta III - Autor A
Reescrita da proposta III - Autor A
“Estou sentada, olho algumas revistas, vejo bebes nas fotos, me pergunto quando chegará o meu.”.
“Estou sentada em meu sofá, olho em volta, a casa já está toda adaptada para a chegada do bebê. Na mesa de centro, pego uma das várias revistas feitas para mães de primeira viagem. Vejo bebês nas fotos, me pergunto quando chegará o meu”.
 

Esse exemplo relata a proposta III, que consiste em uma descrição de um processo, no qual o autor A descreve o processo antes do nascimento de um bebê. O primeiro trecho possui pouca concretude, descreve sua casa de forma rápida, sem que o interlocutor possa imaginar como é a casa, ou seja, o aluno não consegue criar imagens suficientes que possam dar consistência para seu texto.  No segundo trecho, o autor consegue apresentar imagens suficientes para que seu interlocutor consiga criar em seu imaginário o cenário de uma casa adaptada para a chegada de um bebê.

Exemplo IV - Autor B
Escrita Proposta IV - Autor B
Reescrita Proposta IV - Autor B
“Sob essa perspectiva, ao longo da leitura percebi semelhanças entre o livro e o filme da Disney. Meu conhecimento prévio sobre a história por trás do filme foi de grande valia para o entendimento de alguns acontecimentos ao longo da obra”.
“Sob essa perspectiva, ao longo da leitura percebi semelhanças entre o livro e o filme da Disney. Tais semelhanças são mais evidentes no que se permeia às características físicas e psicológicas dos personagens como, por exemplo, o chapeleiro maluco que em ambas as obras é retratado como um homem baixo, com uma cartola grande, além de ser um personagem cortês e carinhoso, estando sempre acompanhado da Lebre Maluca.”
           
Esse texto retrata a quarta proposta que consiste em um memorial de leitura. No primeiro trecho, o aluno diz que depois de ter lido o livro “Alice no país das maravilhas”, notou características semelhantes entre livro e uma versão em filme da Disney, mas não diz quais são elas.
No segundo trecho o aluno consegue descrever as semelhanças por ele encontradas entre as duas obras, dos exemplos de características físicas e psicológicas que permeiam tanto o livro quanto o filme, de modo que nesse segundo trecho já existe uma concretude antes inexistente.





Exemplo V - Autor A
Escrita da proposta V - Autor A
Reescrita da Proposta V - Autor A
“Deste modo, um estudante de renda baixa vê se obrigado a estagiar, porém a universidade federal disponibiliza muitas cadeiras obrigatórias com horários difíceis de se manejar.
“Em uma entrevista realizada pela Gazeta do Povo, uma aluna entrevistada diz quase ter desistido do curso diversas vezes para poder trabalhar, “Pensei várias vezes em largar, por causa do trabalho” – Neli Gomes da Rocha.

Este exemplo mostra a proposta V, que consiste em um artigo de opinião delimitado pelo tema: “Tempo em relação aos estudantes universitários”. Neste primeiro trecho, o autor mostra a dificuldade de permanência de um estudante de uma universidade federal que possui renda baixa, porém não se baseia em nenhum dado concreto que possa exemplificar e fortalecer essa ideia.
Em sua reescrita, o autor tenta elucidar essa dificuldade de permanência, com um exemplo de uma estudante cotista em uma entrevista, porém não foi um exemplo consistente o suficiente para esclarecer a ideia que queria expressar. Abaixo, dois gráficos que exibem de forma quantitativa a evolução (ou involução) dos casos vistos ao longo dessa pesquisa.
 
Figura 2- Gráfico de desempenho do Autores A e B
 
RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Durante o semestre da cadeira de Leitura e Produção textual, os alunos familiarizaram-se com as unidades discursivas que um texto deve conter, os alunos também aprenderam como adequar a linguagem textual para cada produção, considerando para cada uma delas o interlocutor. A tarefa de escrever para um interlocutor não era conhecida até então, e, portanto, os estudantes tiveram grandes dificuldades, pois tal tarefa requer a construção imagens, dados que possam fortalecer as ideias dos textos, peculiaridades, características essenciais para situar o leitor, a fim de que o mesmo possa identificar o objetivo do texto, identificar que tais características eram peculiares deste autor e não de outro.
            O aprendizado de tais conceitos não foi feito apenas com a leitura de textos de apoio disponibilizados pela professora, mas também com o método por ela usado. A leitura em voz alta das escritas e a recepção de críticas construtivas dadas pelos colegas foram de extrema importância para que o aluno pudesse visualizar de outra forma o que estava ausente em seu texto e enxergando o que estava ausente no texto do outro poderia beneficiar em sua reescrita. O parecer dado posteriormente pela professora junto das monitoras reforçava as ideias dadas pelos colegas, fazendo com que o aluno recebesse uma boa base de como construir sua segunda versão. Tal método ajudou muitos alunos a constituir e aprimorar as unidades discursivas em suas produções textuais, principalmente a concretude, que foi a maior dificuldade dos alunos A e B deste presente artigo. Por fim, é factível ressaltar que uma aula interativa juntamente com a leitura de textos de apoio e livros relacionados a cadeira de Leitura e Produção Textual, faz com que os alunos possam criticar seus colegas de forma relevante, fortalecendo o entendimento desses em relação ao conteúdo da escrita.



REFERÊNCIAS

KOCH, Ingedore. Ler e Escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Editora Contexto, 2009.

FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. 11. ed. São Paulo: Ática, 2009. v. 1.

GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula: leitura e produção. 5. ed. São Paulo: Ática, 2011.

GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação à Produção Textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola, 2009.

MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. Petrópolis: Vozes, 1995.