Aluno
66 e Aluno 74
RESUMO
O presente artigo analisa textos produzidos na disciplina de Leitura e
Produção Textual do primeiro semestre do curso de Letras. O artigo tem como
objetivo identificar as possíveis causas para as dificuldades encontradas pelos
alunos para cumprir o quesito de unidade temática em suas produções. Os dados
da análise são comparações de trechos das produções de duas alunas nas cinco
diferentes propostas realizadas, incluindo a primeira versão, pareceres,
diários e reescritas. Os resultados indicam que a falta de conhecimento prévio
e a falta de aporte adequado na educação básica podem dificultar a produção
textual, ao passo que sua prática, mesmo que tardia, pode trazer considerável
progresso para os alunos.
Palavras-chave: Unidade temática. Produção
textual. Escrita acadêmica.
INTRODUÇÃO
Este trabalho analisa, em
textos universitários realizados na disciplina de Leitura e Produção Textual do
curso de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o desempenho dos
estudantes no desenvolvimento de unidade temática na produção de textos. Este
conceito, apropriado ao longo do semestre, pertencente às qualidades
discursivas apresentadas por Guedes (2009) e consiste na habilidade do escritor
de delimitar um tema, identificar suas partes e das relações que essas partes
mantêm entre si, para que seja estabelecida uma ordem racional na ocorrência
dos fatos, guiando o leitor.
O presente artigo é uma
tentativa de identificar a presença ou ausência desta qualidade discursiva nos
textos desenvolvidos ao longo do semestre por duas alunas da disciplina. São
também analisados os progressos da turma em relação ao critério, os meios que
foram utilizados para revisar este critério nas diferentes versões geradas para
o mesmo texto e a percepção pessoal de cada uma das alunas sobre essa qualidade
em seus textos, com base em seus diários.
Este estudo organiza-se em
seis partes: a primeira trata da revisão da literatura onde se destacam os
conceitos trabalhados para embasar este artigo; a segunda trata da metodologia
utilizada para a apresentação deste relatório; a terceira trata da apresentação
da análise de dados levantados; a quarta trata das considerações finais, onde constam
as possíveis respostas à questão levantada e outras observações sobre a
andamento da disciplina e do próprio artigo; e na quinta estão os anexos que
incluem todas as propostas realizadas pelas duas alunas e suas devidas
reescritas, pareceres, diários e critérios de avaliação.
FUNDAMENTAÇÃO
TEÓRICA
A escrita e a criação de
textos estão presentes em nossas vidas a partir do momento em que se inicia a
alfabetização. Composição, redação, produção de texto: todas essas atividades
descrevem “a ação de produzir textos” (GUEDES, 2009, p.88), e não existe aluno
que tenha concluído seus estudos que não tenha feito uma quantidade relevante
de atividades de escrita.
No cotidiano também lidamos
frequentemente com situações de produção textual, tais como enviar um e-mail,
fazer um currículo ou redigir documentos administrativos. Atualmente, muito em
função das redes sociais, a tarefa de escrever tornou-se para muitos uma atividade
diária.
O ensino de língua
portuguesa, no que diz respeito às diretrizes curriculares para o ensino médio,
deve “propiciar ao aluno o refinamento de habilidades de leitura e de escrita,
de fala e de escuta” (MEC, 2006, p.19). Disso depreendemos que o aluno, ao
concluir o ensino médio, deve ser capaz de se expressar apropriadamente em seu
idioma e ser capaz de compreender o que lhe é transmitido, seja de forma oral,
seja de forma escrita. Nas demais áreas do conhecimento, principalmente nas
áreas humanas, também trabalhamos frequentemente com esta habilidade na medida
em que precisamos, por exemplo, dissertar sobre determinado assunto ou
responder a perguntas; sendo o ensino da escrita, neste contexto, portanto,
responsabilidade de todos os professores (cf. Guedes, 2009, p.81)
Com base no exposto,
tendemos a crer que a produção de texto é algo simples, que é feito por todos
com facilidade, pois entendemos que algo tão presente em nossas vidas deveria
ser natural. Porém, mesmo lidando cotidianamente com a prática da escrita, muitas
pessoas apresentam dificuldades na produção textual, mesmo após a conclusão do
ensino básico.
As dificuldades associadas à
escrita são certamente de muitas naturezas, e uma das principais causas está
relacionada com a maneira como nos familiarizamos com a escrita ao longo da
vida e com a forma aprendemos a escrever.
Neste contexto, é de extrema importância entender como o processo de letramento interfere na maneira como
lidamos com a leitura e a escrita. Rottava (2000, p.12) nos descreve o processo
de letramento conforme segue:
[...] diz respeito à
condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva (dedica-se a
atividades de leitura e escrita) e exerce (responde às demandas sociais também
dessas mesmas habilidades) as práticas sociais que usam a escrita.
A autora explica que o
letramento se difere do processo de alfabetização, aprendizado que se restringe
a um processo de decodificação. No letramento, a escrita e a leitura caminham
juntas, são bases de um mesmo processo que permite ao aluno uma compreensão
mais ampla de ambas as atividades, ou seja, não se aprende a escrever sem ler e
vice-versa. Freire (1989, p.28) nos traz uma concepção bastante parecida ao
afirmar que “ler e escrever [são] momentos inseparáveis de um mesmo processo - o
da compreensão e o do domínio da língua e da linguagem.” O autor defendia uma
compreensão crítica do ato de ler, o que inclui uma abrangência muito maior do
conceito, considerando o ato como indissociável do social, onde ler é também
uma maneira de compreender o mundo.
No entanto, sabemos que nem
sempre o processo de letramento ocorre durante o ensino básico e muitos alunos
acabam por não exercitar de maneira constante práticas de leitura e escrita
contextualizadas com a sua realidade, o que pode gerar a dificuldade tanto na
compreensão de textos, quanto na produção de textos com sentido. Ensinar
leitura e escrita de forma artificial, com objetivo meramente instrumental,
pode fazer com que esses processos sejam encarados como algo mecânico e
desconectado da realidade daquele que lê e escreve.
Kleiman (1995) também aborda
questões relacionadas ao contexto na prática de leitura e escrita ao nos
esclarecer como o conhecimento prévio pode interferir no processo de
compreensão textual. Muitas vezes o leitor não é capaz de compreender o que o
autor diz por não estar familiarizado com a estrutura textual utilizada, por
não conhecer os conceitos trabalhados ou mesmo por seus conhecimentos genéricos
não serem suficientes. É também por isso importante dar especial atenção ao
tipo de processo de escrita que será adotado. O conceito que utilizamos na
disciplina, e que consideramos mais inclusivo e coerente com a visão de escrita
como um processo social, é o que descreve a escrita como um processo de
interação, nos moldes delineados por Koch e Elias (2009). Neste contexto, o
conjunto de conhecimentos daquele que escreve deve necessariamente incluir
informações sobre o seu interlocutor. Em outras palavras, quem escreve deve
considerar que escreve para alguém e esse alguém é parte fundamental do
processo.
A esse respeito também
Rottava (2012) ajuda a compreender algumas dificuldades em um artigo de análise
de compreensão leitora, nos trazendo algumas informações do processo de leitura
de alunos universitários. O trabalho mostra que, mesmo estando no ensino
superior, boa parte dos alunos apresentou dificuldade na compreensão adequada
de textos. A autora destacou nas suas conclusões alguns dos principais motivos
encontrados para a dificuldade de leitura desses alunos. Foram eles “pouca
familiaridade com textos que circulam em contexto acadêmico; práticas de
leitura variadas; a não neutralidade dos leitores (e escritores); e a
necessidade para transitar teoricamente entre conceitos não conhecidos durante
uma leitura.” (ROTTAVA, 2012, p. 163). O primeiro e o último motivos citados
pela autora descrevem dificuldades que pode se estender para o processo de
escrita, visto nesses casos a dificuldade reflete um problema que os alunos
encontram no processo de construção de sentido, o que pode se dar tanto em
relação à leitura como em relação à escrita.
Em uma tentativa de se
afastar dos processos pedagógicos tradicionais de produção de textos, Guedes
(2009) com base em sua experiência como professor, tentou buscar outras
maneiras de ensinar a escrever e, para isso, estabeleceu também novos critérios
para avaliar os textos. A proposta do autor é valorizar mais o sentido da
escrita e não apenas aspectos meramente técnicos; seu objetivo é se afastar do
tipo de ensino que faz com que os alunos apenas reproduzam padrões textuais,
tendo como foco principal que o ato de escrever é o ato de apresentar ao mundo
sua leitura pessoal de um determinado assunto.
Com base nessa visão sobre a
escrita – que foi utilizada para como guia na produção de textos da disciplina
e será a mesma nos guiará em nossa proposta de análise – o autor postula quais
seriam as qualidades discursivas necessárias a uma produção de texto
satisfatória, a saber: unidade temática (definir e manter o tema), objetividade
(ser direto e claro), concretude (ser preciso, evitar generalizações) e o
questionamento (apresentar ao leitor um problema). Cada uma dessas qualidades
deve ser observada ao longo da escrita, para que o texto possa cumprir
adequadamente a sua função comunicativa, traduzindo ao público alvo de maneira
satisfatória aquilo que o autor pretende. Importante ressaltar que a escrita
neste contexto é vista como processo, o que significa tomá-la como algo em
constante construção e aperfeiçoamento.
A unidade temática pode ser
considerada como a principal qualidade a ser observada em um texto escrito,
visto que é ela que “dá ao leitor uma chave e um rumo que o oriente no trabalho
de atribuir sentido a cada uma das palavras que lê e de estabelecer uma relação
entre elas.” (GUEDES, 2009, p.59) Em outras palavras, a unidade temática é o
que confere sentido ao texto, na medida em que, sem ela, o texto pode ser
apenas um amontoado de frases ou palavras desconexas do todo, ou mesmo ser uma
produção sem foco, daquelas em que o leitor passa a se perguntar se compreendeu
de fato do que autor está falando.
As considerações prévias
acerca do processo de escrita, ou mesmo da relação entre os processos de
leitura e escrita, nos indicam que as dificuldades encontradas pelos alunos em
cumprir certos critérios na produção textual podem ter inúmeras origens.
Especificamente no caso da unidade temática, que nos interessa diretamente,
podemos relacionar com questões associadas tanto com dificuldades no processo
de aprendizado de leitura e escrita, quanto a dificuldades em cumprir critérios
previamente estipulados.
METODOLOGIA
Para o estudo do tema
escolhido utilizamos como base os textos produzidos na disciplina de Leitura e
Produção Textual do primeiro semestre do curso de Letras da UFRGS, da qual as autoras
participaram como alunas no semestre de 2016/1. A metodologia utilizada
baseava-se na solicitação de uma produção de texto por vez, com um tema e
objetivo específicos, sem muitas orientações prévias sobre os critérios de
produção do texto. Como a disciplina já havia ocorrido em semestres anteriores
nos mesmos moldes, os alunos tinham acesso a um blog com as produções anteriores que poderiam consultar para se
orientar caso desejassem. Foram solicitadas 5 (cinco) tarefas: apresentação
pessoal, relato de uma experiência, descrição de um processo, memorial de
leitura e um artigo acadêmico. Após a entrega da tarefa, eram feitas discussões
teóricas sobre os critérios de produção do texto e também sobre as concepções
envolvidas na produção em
questão. A etapa seguinte era a da avaliação da professora,
que tinha como base os critérios disponíveis nos anexos, de acordo com cada
proposta, e que eram compostos pelas qualidades discursivas de unidade
temática, objetividade, concretude e questionamento. Após a avaliação os textos
eram lidos para os colegas, que também contribuíam com considerações e em
seguida os alunos recebiam os pareceres com sugestões de adequação do texto
para atender às qualidades discursivas.
Os pareceres de todos os textos ficavam disponíveis para todos os
alunos. Os textos eram reescritos e entregues para nova avaliação, junto com um
diário dialogado, a primeira versão do texto e a lista de critérios previamente
disponibilizada. O diário servia para que os alunos pudessem colocar abertamente
e de maneira menos formal as dificuldades e aprendizados adquiridos durante o
processo.
Para fins de análise das
dificuldades associadas à unidade temática, são utilizados exclusivamente os
textos produzidos pelas autoras da pesquisa, bem como suas reescritas, diários,
pareceres e a lista de critérios de cada produção. Inicialmente analisamos o
grau de cumprimento do critério da unidade temática nas primeiras versões, com
base nos pareceres, e após comparamos com a reescrita para medir o grau de
melhora. Nos diários mapeamos as principais dificuldades registradas pelas
alunas no cumprimento do critério. E por fim utilizamos também os pareceres de
todos os alunos apenas para mensurar o percentual dos que conseguiram cumprir o
quesito antes das orientações para reescrita. Consideramos também na análise
dos textos das autoras a diferença no nível acadêmico, visto que a aluna A é
caloura e a aluna B já possui nível superior.
ANÁLISE
DE DADOS
Quadro
1 – Unidade Temática (UT) entre as Versões
Tarefas
|
Aluna
A
|
Aluna
B
|
||
1º
Versão
|
2º
Versão
|
1º
Versão
|
2º
Versão
|
|
Texto
1
|
Sem
título
|
“As
letras e eu”
|
“O
amigo acaso”
|
“O
amigo acaso”
|
UT
|
SIM
|
SIM
|
NÃO
|
SIM
|
Texto
2
|
“As
reflexões da adolescência”
|
“Mudando
de colégio”
|
“Do
amor como vontade”
|
“Do
amor como vontade”
|
UT
|
NÃO
|
NÃO
|
NÃO
|
SIM
|
Texto
3
|
“A
fazenda de um animal só”
|
“A
fazenda de um animal só”
|
“Como
fazer amor”
|
Fazer
amor: orientações gerais”
|
UT
|
NÃO
|
PARCIALMENTE
|
SIM
|
SIM
|
Texto
4
|
“O
processo de letramento”
|
“O
desafio”
|
“A
importância do letramento”
|
“A
importância do letramento”
|
UT
|
NÃO
|
SIM
|
SIM
|
SIM
|
Texto
5
|
“A
causa da falta de tempo na vida universitária”
|
“A
causa da falta de tempo na vida universitária”
|
“A
natureza sócio-histórica do tempo para universitários”
|
“A
natureza sócio-histórica do tempo para universitários”
|
UT
|
SIM
|
SIM
|
SIM
|
SIM
|
Quadro
2 – Unidade Temática nos Diários
Aluna
A
|
|
Tarefas
|
Trechos
do Diário
|
Texto
1
|
Foi
sem duvida uma experiência ótima já que para muitos, como eu, não costumo
mostrar meus textos para outras pessoas a não quem for me avaliar. Pude então
perceber como o meu texto e a forma como eu transmito o seu conteúdo deste
são interpretados e entendidos pelos leitores.
|
Texto
2
|
Ao
escutar os textos dos colegas nas aulas expositivas já consigo perceber se o
texto possui unidade temática (mantem o mesmo assunto central ao longo do
texto) [...] a prática de escrever e reescrever está me possibilitando uma
analise mais detalhada do meu texto[...]
|
Texto
3
|
As
dinâmicas de sala de aula estão se tornando cada vez mais fundamentais para o
momento de reescrita, auxiliando no direcionamento do texto e nas futuras
alterações de pontos com excesso de informações ou informações mal
compreendidas.
|
Texto
4
|
Nada
consta.
|
Texto
5
|
Nada
consta.
|
Aluna
B
|
|
Tarefas
|
Trechos
dos Diários
|
Texto
1
|
Trabalho
bem com parâmetros, me sinto mais segura com eles e produzo melhor, então
procurei ler os textos do blog e os pareceres. Li todos. Isso me ajudou
bastante, pois pude ver os erros mais comuns e creio que consegui fugir da
maior parte deles. [...] Em relação ao parecer, achei que me deu o norte que
precisava para ajustar o texto. As colocações foram bem claras e não tive
dificuldade em seguir as orientações.
|
Texto
2
|
Inicialmente
achei que não tinha compreendido bem a proposta, mas creio que me aproximei
bastante do solicitado. [...] Quanto ao parecer foi bem específico e direto,
não tenho nada a acrescentar ou discordar. A segunda reescrita foi
consideravelmente mais fácil pra mim, talvez por já entender os mecanismos e
também por já estar mais familiarizada com os critérios, no sentido de
compreender mais adequadamente como eles se expressam no texto.
|
Texto
3
|
Nesta
atividade consegui me aproximar mais facilmente da proposta talvez por ter a
possibilidade de fazer um texto mais próximo de algo “técnico” ou “teórico”
como é a descrição de um processo.
|
Texto
4
|
Nada
consta.
|
Texto
5
|
Nada
consta.
|
Quadro
3 – Unidade Temática nos Pareceres
Aluna
A
|
|
Tarefas
|
Trechos
dos Pareceres
|
Texto
1
|
No
seu caso, a unidade temática parece bem clara: a paixão pela letras. Como
sugestão e, apenas sugestão, você poderia manter essa unidade temática,
investindo mais ainda nela.
|
Texto
2
|
O
título já possibilita uma ampla interpretação, quando você utiliza a palavra
“reflexões”, e essa subjetividade perpassa o seu texto, prejudicando a
concretude e, por conseguinte, a unidade temática.
|
Texto
3
|
É
importante relembrar a ideia de unidade temática. Nessa proposta ela é um
reflexo daquilo que você escolheu descrever, seja um processo ou uma coisa.
No seu texto há uma oscilação de unidade temática [...]
|
Texto
4
|
A
temática do seu texto parece, em primeiro lugar, ser sobre aprender a ler,
[...]. Contudo, você desenvolve a temática sendo a respeito do seu processo
de começar a ler livros. Eu sugeriria que você debatesse o termo antes de
desenvolver o tema; pois dessa forma seu texto fica mais objetivo e,
consequentemente, mais claro ao seu leitor.
|
Texto
5
|
Nada
consta.
|
Aluna
B
|
|
Tarefas
|
Trechos
dos Pareceres
|
Texto
1
|
O
que parecia ser uma unidade temática clara, [...] torna-se questionável
[...]. Seria importante, para manter a unidade temática, optar por uma dessas
características capazes de te descrever.
|
Texto
2
|
As
informações anteriores sem dúvida colaboram para essa informação, mas ao
mesmo tempo elas parecem tirar o foco do momento que seria a unidade temática
propriamente dita. Ou seja, você
poderia ter muitos textos em função desse primeiro [...]
|
Texto
3
|
[...]a
unidade temática se mantém, o texto é bem objetivo, o pressuposto
estabelecido de que o leitor não sabe muito sobre o processo é muito bem adequado
devido a proposta de escrita.
|
Texto
4
|
Seu
texto parece cumprir muito bem com a proposta de escrita. Você escreveu sobre
sua lembrança marcante de leitura mantendo unidade temática e sendo objetiva.
|
Texto
5
|
Nada
consta.
|
Quadro
4 – Unidade Temática na Produção Geral
Textos
|
Total
de Alunos
|
Problemas
Unidade Temática
|
Percentual
|
1
|
14
|
12
|
85%
|
2
|
14
|
11
|
78%
|
3
|
14
|
5
|
35%
|
4
|
15
|
3
|
20%
|
5
|
13
|
3
|
23%
|
Com base na comparação entre
as primeiras versões e suas reescritas, percebe-se que o parecer e o diário
dialogado auxiliaram muito na construção do conhecimento do aluno. Na primeira
proposta foi solicitada uma apresentação pessoal para ser lida em sala de aula
e, seguindo a estrutura didática da professora, nenhuma grande orientação foi
dada até ser realizada a primeira versão.
De forma geral, a turma não
conseguiu ter uma unidade temática clara nas suas primeiras versões, conforme
se pode observar no Quadro 4. A
Aluna A, por exemplo, consegue manter a interlocução do texto por ter feito uma
mera listagem de característica sem grandes explicações, o que torna o texto
apenas um bloco de informações, porém com unidade temática. Já a Aluna B não
contempla esta qualidade na sua primeira versão, mas após o parecer a unidade
temática é desenvolvida com êxito, conforme se pode observar no exemplo 01:
(01)“Nascida e criada na cidade de Porto
Alegre, sou uma jovem mulher de apenas 20 anos que descobriu a paixão pelas
letras observando bons exemplos de professores que lecionavam com dedicação,
com inovação e principalmente com prazer.”
O terceiro e o último parágrafo retornam ao
assunto central que é “a paixão pelas letras”. Após o parecer, a unidade
temática é ampliada e desenvolvida, mas acaba perdendo a sua qualidade por
possuir um excesso de informações.
A Aluna B começa seu texto
descrevendo a relação que ela tem com o acaso e como o acaso interfere na sua
vida, conforme o trecho abaixo:
(02) “Então, para resolver a questão, ponderaram
que a melhor solução seria fazer um sorteio entre os possíveis nomes. Eles
consideraram razoável o fato de que o nome que eu carregaria para o resto da
vida fosse fruto de nada mais do que mero acaso.”.
No entanto, no terceiro
parágrafo é inserido um novo tópico, a indecisão. Apesar de sua participação
ser pequena, este novo tópico abre uma possibilidade para um novo tema central,
dividindo o leitor entre os conceitos de “acaso” e “indecisão”. O que podemos
observar na reescrita da Aluna B é que ela soube acatar muito bem a
recomendação da professora para solucionar o problema da unidade temática. A
sua segunda versão apresenta ideias claras, retirando a “indecisão” como
segundo aspecto de caracterização e colocando a segurança, a confiança e a
experiência como contrapontos, como é demonstrado neste trecho:
(03) “Tanto é assim que hoje, dando uma rasteira no
acaso, inicio uma nova graduação por nenhum outro motivo que não seja a minha
própria vontade.”.
Na segunda proposta, que tinha como objetivo
relatar uma experiência que causou um aprendizado, tanto a Aluna A quanto a
Aluna B não conseguiram obter a unidade temática nas suas primeiras versões.
A Aluna A desenvolveu uma
segunda apresentação pessoal, logo, não cumpriu com a proposta do texto. O
texto se mostrou muito subjetivo e com muitas palavras abstratas, o que
prejudicou a identificação da unidade temática, que deveria ser a aprendizagem
adquirida da convivência com pessoas de diferentes classes sociais, conforme
mostra o exemplo 04:
(04) “A
quantidade de dinheiro que você tem ou deixa de ter não define o seu caráter.”
Essa conclusão aparece
somente no penúltimo parágrafo e de forma pouco desenvolvida. Mesmo após o
parecer a Aluna A não consegue definir sua unidade temática, faltando
selecionar melhor os elementos com os quais deseja trabalhar.
Já a Aluna B, obteve um
problema mais especifico que foi devidamente corrigido após o parecer. Seu
texto traz um questionamento seguido do aprendizado adquirido, mas não tem
unidade temática, pois proporciona mais de um caminho a ser seguido, como pode
ser visto no exemplo 05:
(05) “Minha mãe fuma, meu pai não. Não sei se há
uma explicação psicanalítica pra isso, mas o fato é que eu e minha irmã
começamos a fumar, enquanto meus dois irmãos jamais tiveram qualquer interesse
em cigarro, chegando a ter, inclusive, verdadeira ojeriza.”
Com base neste trecho
pode-se supor que o assunto central será o momento em que a autora começou a
fumar, já que ele se estende até o terceiro parágrafo. Entretanto, o assunto é
modificado para outro acontecimento, a gravidez da irmã e a convivência com a
sobrinha, o que acaba por abrir um terceiro tópico, que seria a decisão de para
de fumar. Esse tópico acaba revelando-se ser o aprendizado adquirido. Após as
orientações a Aluna B consegue definir sua unidade temática, optando pelo
tópico “parar de fumar”, destacando como motivo principal o amor que cultiva
por sua sobrinha, como fica claro no exemplo 06:
(06) “No
dia em que parei de fumar não tive a real proporção daquele acontecimento;
agora eu sei o quanto ele foi importante pra ela. Eu cresci vendo minha mãe
fumar, não tive outro parâmetro. Ela está crescendo vendo a mãe e avó fumando,
mas a dinda parou.”
Na terceira proposta foi
solicitada a descrição de um processo, podendo ser uma atividade cotidiana ou
um tutorial (modo de fazer algo).
A Aluna A descreveu uma atividade
cotidiana com boas imagens, o que ajuda o leitor a visualizar a cena, mas não
manteve uma unidade temática. Seu texto
inicia com uma listagem de tarefas, dentre as quais qualquer uma teria
potencial para se tornar a tópico central do texto, e é neste ponto que o
leitor se perde. O interessante do texto é o mistério de descobrir de quem a
autora estaria falando, já que no título temos uma dica do que se trata: “A
fazenda de um animal só”.
O texto apresenta duas possíveis
unidades temáticas: (a) o cotidiano de acordar cedo e seus rituais; ou (b) como
devemos limpar e alimentar um bichinho. Após sugestões constantes no parecer, a
Aluna A opta por manter como unidade temática o processo de limpar e alimentar
o bichinho, mas ainda assim acaba por deixar pontos abstratos que desviam o
leitor, como no exemplo 07:
(07) “Faço um sinal para que ele espere mais um
pouco, “já vou te limpar!” É a mesma coisa todo dia.”
Como a autora manteve um segundo
tópico, relacionado à rotina, foi atingido apenas parcialmente o conceito de
unidade temática.
A
Aluna B já na sua primeira versão consegue estabelecer a unidade temática, o
que reflete em um parecer com pequenas observações e solicitando poucas
mudanças. Seu texto segue mais o modelo de tutorial e tem como objetivo ensinar
“Como fazer amor”. Talvez por ser um tema ainda polêmico, a autora não quis
estender-se em descrições de imagens, o que interferiu um pouco na concretude,
mas não atrapalhou a unidade temática. O que prejudicou a leitura foi o excesso
de contextualização, que transformou o texto em algo diferente do que o titulo
propunha. No primeiro parágrafo temos uma tentativa de definir o “fazer amor”:
(08) “Quanto ao limite máximo, alguns argumentam
que havendo mais de duas pessoas o processo seria descaracterizado, passando a
se chamar ménage ou suruba, mas não há um consenso quanto a isso. Para
tratarmos do assunto de maneira mais plural, o mais prudente é estabelecer que
não há um limite máximo de pessoas, sendo apenas importante ressaltar que
quanto maior o número de envolvidos, mais complexo se tornará o processo.”
Como sugestão da professora, o
mais indicado seria alterar o título para adequá-lo à proposta do texto, que
trazia mais orientações do que propriamente dizia “como” algo deveria ser
feito. A sugestão foi aceita e o título foi alterado para “Fazer amor:
orientações gerais”; com a sugestão acatada pela autora, a unidade temática foi
contemplada.
Para a
quarta proposta foi estabelecida um assunto mais acadêmico, a elaboração de um
memorial de leitura.
A Aluna A não obtém uma unidade
temática na sua primeira versão, pois em primeiro lugar a temática parece ser
sobre aprender a ler, pois é usado o termo “letramento”, como mostra o trecho:
(09) “Não demorei muito para tornar-me uma pessoa
alfabetizada, mas o processo de Letramento só foi começar a ser desenvolvido
por volta dos meus quinze anos.”.
Entretanto, o tópico desenvolvido
pela autora reverte-se para o processo de começar a ler livros. No seu parecer
sugere-se que além de utilizar citações e paráfrases para fundamentar seu
artigo, que seja antecipada para o primeiro parágrafo a unidade temática
escolhida. Na reescrita percebe-se que a unidade é estabelecida como um “relato
da primeira experiência com um livro em outro idioma”, mas ainda necessitaria
de um parágrafo de conclusão que retomasse a unidade do texto.
A Aluna B desenvolveu o seu texto
definindo a sua unidade temática já na sua primeira versão, portanto não
precisou realizar uma reescrita ou nenhum ajuste. Desde seu primeiro parágrafo,
identifica-se a relação que existe entre a autora e a leitura, o que é seu
ponto central durante todo o texto.
Na quinta e última tarefa a
proposta era esboçar um artigo, com o auxilio de toda a turma. Em sala de aula
foi estabelecido qual seria o tema, como ele seria delimitado, qual o objetivo
que texto deveria apresentar seu problema, suas hipóteses, deixando os
argumentos e contra argumentos como uma decisão individual. O tema escolhido
foi “O tempo”, mais precisamente “A natureza socioistórica de tempo para universitários”.
Tanto a Aluna A quanto a Aluna B obtiverem na sua primeira versão uma unidade
temática bem estabelecida, sendo também a segunda proposta com menos erros de
unidade temática da turma inteira, conforme se pode observar no Quadro 4.
Para a Aluna A foi solicitada
alterações em outros pontos, tais como coerência e coesão, pois as ideias
estavam mal formuladas, o que prejudica a unidade temática do texto, conforme
pode-se observar no exemplo 10:
(10) “Antes mesmo de o aluno ingressar na vida
acadêmica, a situação de como as suas tarefas irão ser organizadas de qualquer
forma ou melhor dizendo, não terá muita organização, já é de seu conhecimento”.
Mesmo após o parecer o texto não
foi alterado satisfatoriamente, apresentando ainda informações mal colocadas no
texto. Já a Aluna B fez alterações somente na formatação do texto e alguns
aspectos formais, nada que atrapalhasse ou comprometesse a unidade temática.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Buscamos com esta pesquisa
identificar e analisar as dificuldades associadas ao cumprimento do critério de
unidade temática na produção textual. Os resultados mostram que a maior parte
dos alunos, mesmo em nível universitário, ainda encontram dificuldades em
cumprir todos os critérios de uma produção textual satisfatória, o que é indicado
principalmente pelo percentual de alunos que não conseguiu atingir o critério
de unidade temática na primeira versão de seu texto. Esse resultado leva a crer
que, de fato, não há um trabalho satisfatório de produção textual no ensino
básico, possivelmente associado à ausência ou pouco desenvolvimento do processo
de letramento. No entanto, como os alunos tiveram um progresso ao longo da
disciplina, aumentando consideravelmente seu grau de cumprimento do quesito, é
possível que a falta de conhecimento prévio seja também um dos fatores que
contribuem para a dificuldade, pois após apropriarem-se dos conceitos e
orientações, seu desempenho foi drasticamente alterado.
A influência do conhecimento
prévio no desempenho do aluno pode também ser observada na diferença entre as
dificuldades apresentadas pelas alunas A e B. A aluna B, que possui formação
universitária, apresentou maior facilidade em se apropriar das orientações para
a reescrita, enquanto a aluna A em alguns casos não conseguiu atender às
solicitações dos pareceres. Isso nos mostra que a familiaridade com a escrita
acadêmica pode influenciar diretamente a produção de textos nesse contexto. Os
trechos dos diários corroboram essa análise, quando observamos que a aluna A
apresenta em seus relatos aspectos mais gerais de um primeiro contato com a
escrita formal e como está se relacionando com ela, enquanto a aluna B busca
parâmetros para iniciar o processo e consegue verificar as falhas e corrigi-las
com base nos critérios oferecidos.
De maneira geral, pode-se
observar que a prática de escrita formal não é algo simples para a maioria dos
alunos. A qualidade discursiva de unidade temática, conforme já mencionado, é a
que dá sentido ao texto; é, portanto, de suma importância notar que a maior
parte dos alunos não foi capaz de cumprir esse critério, o que demonstra que
mesmo alunos em nível superior não possuem a habilidade de escrever um texto
preciso e coerente. Em contrapartida, as evidências apontam que a prática na
produção textual, mesmo que desenvolvida tardiamente, pode propiciar bons
resultados.
A pesquisa foi especialmente
interessante para nos ajudar a compreender as dificuldades envolvidas no
processo de criação de sentido através da escrita e que escrever é um ato de
compartilhar, onde o outro deve ser considerado. Observamos que conhecer os critérios
nem sempre é o mesmo que apropriar-se deles e que, mesmo que se consiga fazer
isso, nem sempre é o suficiente. Entendemos que as dificuldades relacionadas à
escrita dificilmente estão dissociadas da prática de leitura e que leitura e
escrita são duas faces inseparáveis de um mesmo processo. E, finalmente, nos foi
possível observar que a forma como a língua portuguesa vem sendo trabalhada em
sala de aula não propicia aos alunos condições para uma comunicação
satisfatória, principalmente no que diz respeito à escrita, e que, enquanto
professores, temos grandes desafios na mudança deste quadro.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.SP:
Autores Associados: Cortez, 1989.
GUEDES, Paulo C. Da redação à produção textual: o ensino da escrita. SP: Parábola
Editorial, 2009.
KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria e prática. 9ª. ed. Campinas, SP: Pontes,
2002.
KOCK, I.V. & ELIAS, V.M. da S. Ler e compreender – os sentidos do texto.
SP: Contexto, 2006.
MEC. Ministério da Educação. Orientações Curriculares para o Ensino Médio.
Brasília: Secretaria de Educação Básica, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf>
Acesso em: 07 jul. 2016.
ROTTAVA, Lucia. A importância da leitura na construção do
conhecimento. Espaços da escola. Editora Injuí. ano 9. n 35, p. 11-16,
jan./mar. 2000.
ROTTAVA, Lucia. A leitura em contexto acadêmico: o processo de construção de sentido de
alunos do primeiro semestre do curso de letras. Signo. V. 37, nº63,
p.160-179, 2012.
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