sexta-feira, 1 de maio de 2015

PALAVRAS DIFÍCEIS

Aluno 56
Reescrita


Desde o início da adolescência, cultivo um profundo gosto pelas palavras, sobretudo aquelas que, de tão raras, soam profundas sem que sequer se entenda o sentido que elas trazem. Tudo começou no ano de dois mil e nove, em uma tarde de outubro, quando, ao chegar a casa depois da escola, fui recebido por um belíssimo, enorme, pesado e laranja dicionário Houaiss da língua portuguesa, que guardava, em algum lugar entre a citação do Livro das Aves que ilustra sua primeira página e os itens enciclopédicos que lhe servem de fechamento, a satisfação de meu interesse pelos vocábulos mais complicados. Mal podia esperar para mergulhar naquele monstro e retirar dele as mais obscuras entradas, somente para poder, com elas, tornar meus textos ilegíveis.
Para mim, naquela época, escrever bem era esconder o conteúdo do texto atrás de palavras grandes, eruditas e pouco usadas. Já as primeiras incursões que fiz aos confins do meu enorme dicionário transformaram a forma como eu me expressava. Passei a me esforçar para incluir aqueles vocábulos misteriosos em qualquer contexto, dizendo, por exemplo, que a estrutura da célula humana é simplesmente “hipocrênica”, que a idade média havia sido um período “prenhe de prélios” e que “o imo telúrico é de formação pristina”. No entanto, o trato com o dicionário fez mais por mim que congestionar meus textos. Ao prestar atenção à forma, ao conteúdo e à origem das raridades com que lidava, desenvolvi interesse por áreas como a linguística e a filologia. Notei, então, que a língua portuguesa era como uma rica e ativa colmeia de que saía o mel que eram aquelas palavras enigmáticas.
Essa expansão de interesses acompanhou a percepção de que textos herméticos não eram o melhor que as “abelhas” da língua portuguesa poderiam produzir. Aprendi que, em termos práticos, a expressão com que até o mais comum dos leitores é capaz de interagir, mesmo que não tão impressionante em sua superfície, é no fundo muito mais poderosa e muito mais difícil de dominar. Essa feliz descoberta, no entanto, não suprimiu aqueles interesses que minha “verborrágica ignorância” havia trazido consigo, de modo que, aproximando-se o vestibular, quis contemplar minhas afinidades e decidi cursar letras na UFRGS e direito na PUCRS, de modo a poder aprender cada vez mais sobre meu idioma. Assim me apresento, “ledo”, digo, feliz por poder dizer-me inteiro, sem precisar de termos obscuros que me ocultem.  

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