Aluno 90
1 Versão
Antes de ler a série de ficção
científica The Book of the New Sun,
havia ouvido que se tratava de livros cuja prosa era bem complicada, com uma
maneira enigmática de revelar a sua história, tal qual um Ulysses da ficção científica. Comprei-os após alguns meses, minha
expectativa multiplicada pelo “tempo de fermentação” que teve. Isso fez com que
minhas aproximações inicias de leitura fossem cautelosas; minhas primeiras
páginas da série New Sun foram
marcadas pela atenção à minúcia, pela busca de significados ocultos em cada
parágrafo. Cheguei até a manter um micro-diário de anotações, anotando nomes e
supondo possibilidades de desenvolvimento de trama.
Não durou muito. Não sou um
leitor metódico: meu maior prazer na leitura tende a ser o “perder-me” no
conteúdo enquanto fluo junto com a leitura, quase como num estado de comunhão,
durante o qual eu não deixava de lançar indagações sobre o que lia, apenas não
parava para registrá-las em papel. Logo cheguei a um estado no qual aceitava
automaticamente as idiossincrasias do Book
of the New Sun, mas também trabalhava para entendê-las. Cada detalhe
oblíquo, cada implicação recebia uma atenção investigatória minha, na qual
lançava hipóteses e esperava outras informações do livro que as corroborassem.
Destas obliquidades, a mais importante foi o fato de que o seu narrador não é
confiável, à maneira de um Dom Casmurro. Isso em particular fazia o meu coração
palpitar: sempre achara que a ficção científica era um gênero criativo, embora
só no campo das ideias, dificilmente inovando o texto em sua narrativa e
artifícios literários.
Portanto, embora compenetrado num
fluxo de leitura, mantinha uma posição detetivesca quanto ao conteúdo lido,
procurando, além da confirmação de hipóteses, incoerências no discurso do
narrador. Nesse sentido, posso afirmar que essa leitura não foi inteiramente um
captar passivo de informações sob a ótica de “a informação está no texto”, porque, se aceitasse o texto na sua
estrutura natural, sem indagar e hipotetizar, não entenderia o que faz dele uma
obra notável; para a compreensão de suas nuances, tive de trazer esse estado
natural do texto para dentro de mim e realinhá-lo mentalmente, formando uma
nova narrativa para The Book of the New
Sun dentro de mim mesmo. Ou seja, absorvi o conteúdo do livro, embora sem
confiar nele como a maneira intendida de se compreender a mensagem do autor,
portanto modifiquei-o internamente.
No fim, valeu a pena. Não haviam
mentido para mim: a série tornou-se um gigante no meu cânone pessoal, deu-me
aquela sensação de felicidade por estar vivo que temos quando lemos livros
realmente bons. Foi até mesmo uma leitura de importância social para mim:
participo de discussões online de
ficção científica e logo compartilhei minhas impressões com outros fãs do
gênero, recomendando The Book of the New
Sun de maneira similar às impressões que havia ouvido antes de sua leitura,
enfatizando quão implícito e denso o livro era, como um passar da “tocha” que
havia recebido das outras pessoas que haviam me contado sobre o livro.
É claro, na minha interação
social amplamente dita, a comunidade da ficção científica é na verdade uma
fração um pouco pequena, mas, acima disso, há a supracitada sensação de estar
vivo que se suscita pela leitura de livros significantes: quando compartilho
minhas impressões com outros leitores, por mais poucos que sejam, tenho
reprises dessa sensação, que me preenche de uma maneira que às vezes parece ser
ligada a algo mais profundo que o social; é como uma ligação direta com algo
mais inerente de nós seres humanos, talvez similar ao que os religiosos sentem
ao ler seus livros sagrados. O fato é que uma pessoa geograficamente e
cronologicamente remota de mim me capturou com uma das criações mais
importantes de nossa raça, a literatura, a qual permite esse contato distante,
mas não menos significativo. Talvez a sensação que os religiosos têm seja de,
na verdade, terem esse contato com um autor distante; a única coisa que difere
entre nós é que o texto que leio é sobre um mentiroso pouco confiável de outro
planeta.
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