RESUMO
Uma premissa básica deste artigo é o conceito
de produção textual, que consiste em escrever sob uma perspectiva interacional,
levando-se em conta noções de interação leitor-autor, qualidades discursivas,
conhecimentos prévios, entre outras. Este trabalho relata uma pesquisa acerca
dos textos produzidos por dois alunos do curso de Letras na disciplina de
Leitura e Produção Textual, no período letivo de 2016/1. O processo
desenvolvido ao longo da disciplina é explorado, inicialmente, a partir dos
referenciais teóricos expostos e discutidos em sala de aula. Em seguida, a
concretude é analisada, sob uma perspectiva qualitativa, nos textos produzidos
pelos alunos. Os resultados da pesquisa indicam que o processo deu-se
satisfatoriamente, uma vez que há modificações assertivas entre a primeira
versão e a reescrita de cada tarefa.
PALAVRAS-CHAVE: leitura e produção textual; concretude; processo; texto.
INTRODUÇÃO
A disciplina de Leitura e Produção Textual
apresenta uma noção distinta de leitura, texto e produção de texto, da que
grande parte dos alunos, se não todos, tiveram na educação básica. Ler não
significa mais somente decodificar mensagens e a lógica da redação escolar ou
de simplesmente redigir um texto gramaticalmente correto dá lugar ao processo
de produção textual, que é baseado em uma concepção interacional da escrita.
Interacional porque considera tanto leitor como autor como partes atuantes e
importantes na produção de um texto. Sob esse ponto de vista, segundo Koch e
Elias (2009), “a escrita não é compreendida em relação apenas à apropriação das
regras da língua, nem tampouco ao pensamento e intenções do escritor, mas, sim,
em relação à interação escritor-leitor [...]” (KOCH E ELIAS, 2009, p. 34). Os
alunos estão constantemente transitando entre essas duas posições: quando leem
textos teóricos, discutem e fazem associações são leitores. Quando produzem
seus próprios textos e os rescrevem posteriormente, apropriando-se de
conceitos, como as qualidades discursivas, são escritores. Essa transitoriedade
é que determina o processo.
O presente trabalho tem como objetivo avaliar
como se deu o processo de leitura e produção textos pelos alunos do primeiro
semestre do curso de Letras, analisando comparativamente versões das tarefas
propostas ao longo da disciplina. A pesquisa de natureza qualitativa traça um
panorama geral da disciplina de Leitura e Produção Textual, cursada no período
letivo de 2016/1.
O relatório da pesquisa está dividido entre a
metodologia utilizada, a revisão bibliográfica, que dá conta de revisitar o
caminho da disciplina através das bases teóricas utilizadas na produção dos
textos e discutidas em sala de aula; a análise dos dados coletados a partir dos
textos produzidos pelos alunos, focando em uma variável comum a todas as
produções e as considerações finais, que discutem o trabalho de pesquisa e o
processo da disciplina.
O PROCESSO DA DISCIPLINA DE LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL
As discussões teóricas da disciplina partem
de um conceito aparentemente simples, mas que pode ser múltiplo e diverso:
texto. Nos termos de Platão e Fiorin (2006), pode-se definir texto como uma
unidade de sentido. Dentro dessa definição, não são considerados somente textos
escritos, mas também orais e os multimodais, que podem compilar mais de uma
variável, além da linguagem verbal, como por exemplo, uma charge, que é
composta por imagens e enunciados escritos. Nesse cenário, as partes que o
compõem devem convergir, uma vez que “o significado global de um texto não é
resultado de mera soma de suas partes, mas de uma certa combinação geradora de
sentidos.” (PLATÃO E FIORIN, 2006, p. 23). Combinações essas que são dadas a
partir da coerência, que é “a harmonia de sentido de modo que não haja nada
ilógico, nada contraditório, nada desconexo, que nenhuma parte não se
solidarize com as demais.” (PLATÃO E FIORIN, 2006, p. 25).
Apresentada
a noção de texto e suas variáveis, faz-se um recorte nesse conceito e fica
estabelecida a produção textual escrita, como alvo dos estudos, incluindo
também a leitura como parte fundamental nesse processo. Estabelecido o objeto
da disciplina, é necessário compreender a ideia de produção textual para que
ela possa se dar na prática ao longo das aulas. Conforme Guedes (2004), a
produção textual
não se trata de compor, isto é, de juntar com brilho, nem de redigir, isto é, organizar, mas de produzir, isto é, transformar,
mudar, mediante uma ação humana, o estado da natureza com vistas a um interesse
humano. (GUEDES, 2004, p. 87).
Ou seja, produzir textos não ter a ver somente com a
correção gramatical e linguística ou com a estrutura e organização e sim com
uma compilação de vários elementos, dada em um processo contínuo a ser
desenvolvido. Esse processo depende de uma concepção específica de escrita,
focada na interação. Para Koch e Elias (2009),
isso significa dizer que o produtor,
de forma não linear, “pensa” no que vai escrever e em seu leitor, depois
escreve, lê o que escreveu, revê ou reescreve o que julga necessário em
movimento constante e on-line guiado pelo princípio interacional. (KOCH E
ELIAS, 2009, p. 34).
Nesse sentido, Guedes (2004) coloca que a produção de
texto “pressupõe leitores que vão dialogar com o texto produzido: concordar e
aprofundar ou discordar e argumentar, tornando o texto como matéria-prima de
seu trabalho.” (GUEDES, 2004, p. 88).
Compreendida a noção de produzir textos e sua
concepção de escrita, a disciplina de Leitura e Produção Textual parte para a
análise das qualidades discursivas, que
são um conjunto de características que
determinam a relação que o texto vai estabelecer com seus leitores por meio do
diálogo que trava não só diretamente com eles mas também com os demais textos
que o antecederam na história dessa relação.(GUEDES, 2004, p. 91).
Haja vista a definição de qualidades discursivas dadas
por Guedes (2004) é necessário compreender que essas características serão
desenvolvidas ao longo do processo, a partir de análises, leituras, reescritas,
tendo em vista que essas qualidades não são uma fórmula pronta a ser seguida,
mas uma compilação de fatores disponíveis aos que pretendem trabalhar com
textos, como é o caso dos estudantes de Leitura e Produção Textual.
As qualidades discursivas que embasaram o
processo de produção de textos durante a disciplina são as seguintes: (1)
Unidade temática, que consiste em estabelecer uma questão norteadora para o
texto, em torno da qual as demais informações colocadas devem convergir. Guedes
(2004) alerta que “é importante que a unidade possa ser percebida pelo leitor,
que não tem nenhuma obrigação com o autor que o convocou a lê-lo.” (GUEDES,
2004, p. 93). (2) Concretude, que deve estar colocada no texto com o objetivo
de dar parâmetros ao leitor; permitir que ele possa identificar, contrastar,
comparar informações. Para essa qualidade discursiva, é importante que o autor
priorize especificidades e ideias/conceitos concretos para que possa ativar a
intertextualidade do leitor com sua exemplificação. (3) Questionamento, que tem
a função de convocar o leitor para equacionar um problema. É importante que o
texto levante uma hipótese que solicite a participação daquele lê para
chegar-se ao seu desenlace. Por fim, (4) objetividade, que está intimamente
ligada com a concretude. Para Guedes (2004), “texto objetivo é o texto capaz de
perceber e mostrar objetos, ou melhor, de perceber os objetos como objetos.”
(GUEDES, 2004, p. 104). Nesse cenário, o autor deve colocar-se como leitor,
para assim deixar de lado sua subjetividade e tornar-se objetivo.
A noção de texto, o conceito de produção
textual e o conhecimento das qualidades discursivas subsidiam agora
as produções textuais ao longo da disciplina. Produzindo cinco textos com
naturezas distintas, os alunos traçam o caminho de uma escrita de cunho mais
livre e voltado ao pessoal, para uma forma de escrita formalizada e de padrões
acadêmicos. As propostas a serem trabalhadas são as seguintes: (1) Apresentação
pessoal, que para Guedes (2004) “tem a utilidade, do ponto de vista de quem
escreve, de fixar a auto-imagem momentânea, que pode funcionar como ponto de
partida de um maior autoconhecimento.” (GUEDES, 2004, p. 90). (2) Uma
experiência ou um fato que gerou um aprendizado, tendo como base o gênero
narrativo, que consiste em narrar acontecimentos. Espaço, tempo, narrador e
personagens ganham destaque nesse tipo de texto. (3) Descrição de um processo, onde
Guedes (2009) atenta para a importância de selecionar-se o que será descrito,
afinal “falar de tudo um pouco equivale geralmente a falar de tudo um nada
[...]” (GUEDES, 2009, p. 178). (4) Memorial de leitura, que traz um elemento
distinto: a necessidade de uma articulação teórico-prática entre relatos dos
discentes e textos teóricos. Arcoverde e
Arcoverde (2007) apontam que o memorial é um “gênero que oportuniza as pessoas
expressarem a construção de sua identidade.” (ARCOVERDE E ARCOVERDE, 2007, p. 2).
A leitura aparece conceitualmente nessa proposta, com um apanhado de textos
teóricos que discorrem sobre diferentes concepções de leitura relacionadas ao
desenvolvimento da linguística. (5) Artigo de opinião, que já tem uma natureza
mais formalizada e acadêmica e apresenta a necessidade de argumentação,
característica da tipologia textual dissertativa.
Cada uma das cinco propostas foi desenvolvida
em um processo que se constitui por etapas. A primeira delas é a escrita de uma
primeira versão do texto (V1). Após a V1, são balizados em aula quais serão os
critérios de análise para determinada proposta. Além das qualidades
discursivas, há também critérios que dão conta dos aspectos formais, como
estruturação dos parágrafos, coesão e coerência, morfossintaxe, semântica e
léxico. São feitas discussões teóricas embasadas nos textos teóricos
disponibilizados pela professora. Depois de estabelecidos os critérios, é
emitido um parecer sobre cada um dos textos pelas monitoras da disciplina, que
desempenham um papel fundamental no processo, pois são elas que fazem a
primeira avaliação dos textos. Emitido o parecer, os alunos partem para a
reescrita (RE) de seus textos, podendo seguir ou não as indicações feitas pelo
parecer. Para que os alunos possam fazer uma reflexão teórico-prática de suas
V1 e RE, produzem o diário dialogado, que é direcionado diretamente para a
professora. Esse texto é livre e permite aos escritores que possam refletir
sobre seus textos, comparar as duas versões dele, analisar a aplicação das qualidades
discursivas e dos demais critérios de avaliação. É um espaço também de diálogo
entre os discentes e a docente, uma vez que o processo interacional inclui
também a participação da professora, sabendo quais estão sendo as principais
dificuldades e pensando de que maneira solucioná-las.
METODOLOGIA
A pesquisa realizada é de natureza
qualitativa, que consiste no entendimento de que “[...] o estudo da experiência
humana deve ser feito, entendendo que as pessoas interagem, interpretam e
constroem sentidos.” (OLIVEIRA, 2008, p. 3). Dentro da pesquisa qualitativa, há
uma subdivisão denominada Estudo de caso, que “deve ser aplicado quando o
pesquisador tiver interesse em pesquisar uma situação particular, singular.”
(OLIVEIRA, 2008, p. 5).
A situação particular
pesquisada aqui é a produção de textos pelos alunos A e B na disciplina de
Leitura e Produção Textual, no período letivo de 2016/1. Esses textos foram
escritos em uma primeira versão (V1) e reescritos (RE) após parecer feito pelas
monitoras da disciplina. Nesse processo, foram disponibilizados textos teóricos
para o estudo de cada proposta, além de aulas expositivas, para discussões dos
mesmos. As tabelas abaixo compilam as informações acerca dos dados coletados
para a pesquisa:
TAREFA
|
PROPOSTA
|
ENTREGA
|
BASES TEÓRICAS
|
|
V1
|
RE
|
|||
1
|
Apresentação pessoal
|
10/03
|
18/03
|
Guedes (2004)
|
2
|
Fato/experiência que revelou um aprendizado
|
18/04
|
16/05
|
Guedes (2009)
Gancho (2006)
|
3
|
Descrição de um processo
|
05/05
|
23/05
|
Guedes (2009)
|
4
|
Memorial de Leitura
|
13/06
|
20/06
|
Rottava (1998)
Rottava (2000)
Kleiman (1995)
Kleiman (2004)
Britto (2012)
Rottava (2012)
Arcoverde e Arcoverde (2007)
|
5
|
Artigo de opinião
|
20/06
|
27/06
|
Guedes (2009)
Toulmin (2001)
Cunha (2009)
|
Tabela 1: Proposta de texto solicitada em cada tarefa,
datas de entrega da 1ª versão (V1) e da Reescrita (RE) e textos teóricos
discutidos em aula relacionados a cada proposta.
TAREFA
|
OBSERVAÇÃO DO PARECER
|
|
Aluno A
|
Aluno B
|
|
1
|
Delinear a unidade temática.
|
Delinear a unidade temática e ter
mais objetividade.
|
2
|
Melhorar a objetividade e trabalhar
a concretude.
|
Delinear a unidade temática,
trabalhar melhor a concretude e melhorar a objetividade.
|
3
|
Melhorar a objetividade e trabalhar
a concretude.
|
Delinear a unidade temática, ter
mais objetividade e trabalhar a concretude.
|
4
|
Buscar mais referências e trabalhar
a concretude.
|
Articular melhor paráfrases e
citações com o texto.
|
5
|
Desenvolver mais o texto e trazer
outros argumentos.
|
Organizar
melhor o argumento concreto no texto.
|
Tabela 2: Principais observações feitas nos pareceres
quanto às qualidades discursivas nos textos dos alunos A e B.
ANÁLISE DE DADOS
A partir do processo de Leitura e Produção
Textual que dá nome e é posto em prática pela disciplina, propõe-se analisar agora
o percurso dos alunos A e B ao longo do período de aulas. Para isso,
selecionou-se uma das qualidades discursivas: a concretude. Observem-se as
análises:
Aluno A – Proposta 1: Apresentação pessoal
(V1)
“Na adolescência sofri do
clichê do bullyng. Estando acima do peso e sendo homossexual [...]”.
O termo adolescência é compreendido socialmente. Qualquer
leitor entende o que se entende por adolescência. Entretanto, essa ideia
poderia ser transmitida de outra maneira, trazendo mais elementos para o leitor.
A ideia de estar acima do peso está inexplorada nesse contexto. Para o leitor,
“acima do peso” pode variar muito.
(RE)
“Na época onde os hormônios afloram, os
desejos aparecem e os pelos começam a crescer em lugares cabulosos – leia-se adolescência –, foi-me lembrado quanto os
trinta quilos a mais que possuía na época [...]”.
Observa-se agora a mudança ao tratar do termo
“adolescência”. O autor agora cria uma imagem para o leitor, trazendo elementos
com os quais ele provavelmente irá se identificar e criar uma imagem muito mais
viva. A ideia de “acima do peso” também está explicitada agora porque é
quantificada, o peso do qual estava acima era de 30 kg.
Aluno B – Proposta 1: Apresentação pessoal
(V1) “Nasci numa noite
fria de outono, dez dias antes do previsto pelos médicos. Feriado nacional.
Seria esse um prenúncio de que minha vida seria um eterno feriado? Antes fosse,
mas não é o meu caso. A inquietação desde o momento de vir ao mundo só
corrobora minha ansiedade e desassossego diante de situações que precisam de
alguma solução, nos dias de hoje.”.
Na
V1, o aluno B não faz uma delimitação clara do tema, a princípio. A narração do
seu nascimento é o que dá o primeiro parâmetro concreto para o locutor
identificar o que parece ser o tema da sua apresentação, a inquietação. Porém,
essa delimitação se perde quando inserida uma citação que parece deslocar-se
dentro do tema que parecia estar estabelecendo-se.
(V1) “O problema é que essa solução nem
sempre vem tão rápido assim. Diante do dia e hora que nasci, acabei sob um mapa
astral decadente, que me coloca com sol em touro e lua em câncer, ou seja, os
processos são sempre lentos e graduais e às vezes, nem processam.”.
O aluno parece estar preocupado em estabelecer uma
relação concreta entre as características que deseja apresentar e a sua
história de vida, mas é prejudicado pela não delimitação do tema central de seu
texto e pela inserção de informações que podem não ser de conhecimento geral,
que qualquer leitor possa se identificar.
(RE) “Nasci numa noite
fria de outono, dez dias antes do previsto pelos médicos. Dia de feriado
nacional. Seria esse um prenúncio de que minha vida seria um eterno feriado?
Antes fosse, mas não é o caso. A inquietação desde o momento de vir ao mundo só
demonstra minha ansiedade e desassossego diante de situações que precisam de
alguma solução, nos dias de hoje. O problema é que essa solução nem sempre vem
tão rápido assim, me deparo diversas vezes com o medo de errar, com a
insegurança fazer uma escolha da qual possa me arrepender depois e por isso
acabo pensando e repensando um pouco além da conta.”.
Na reescrita, o aluno
subtrai os trechos que desviam do tema estabelecido no segundo parágrafo e
mantêm as descrições que dão concretude ao texto.
Aluno A – Proposta 2: Um fato/experiência que revelou um
aprendizado
(V1)
“Se tivesse escolhido não gastar aqueles
R$10,90 naquele livrinho ilustrado, com uma capa bem suspeita, diga-se de passagem,
nunca teria conhecido aquele mundo que já acompanho há quase dez anos [...]”.
O autor não dá muitas informações sobre os aspectos
físicos do livro. Menciona que continha ilustrações e define sua capa como
suspeita, mas não dá subsídios para que o leitor entenda a razão pela qual
considerou assim. Além disso, a escolha do livro pela capa parecer ser uma
informação importante para o texto e está colocada somente ao final.
(RE)
“Estava
andando na rua quando passei na frente de uma banca de jornais e reparei na
capa daquele tomo, uma capa um tanto suspeita. O desenho da capa estava num
fundo preto, uma menina de cabelos azuis sentada em cima de uma cabeça gigante,
haviam também alguns detalhes em roxo e vermelho.”
Na RE, o autor insere a informação sobre a justificativa
para a escolha do livro nos primeiros parágrafos, o que deixa as informações
mais bem organizadas, afinal, o que é mais importante deve ser apresentado logo
no início. É interessante perceber também, como o autor constrói a imagem da
capa do livro e explora muito melhor o conceito de “suspeita”. Além disso, com
a descrição do passar pela frente da banca e avistar a capa com tais
caraterísticas, o autor enriquece sua narração, fazendo que a cena seja plenamente
concreta e imaginável.
Aluno B – Proposta 2: Um fato/experiência que revelou um
aprendizado
(V1) “Chegando à empresa, eu olhava para os
lados e não via quase ninguém da mesma idade que eu. Um ou dois colegas também
aprendizes, mas ainda assim me sentia sozinho, sem saber o que fazer, como
agir, como me comportar, que palavras usar. Bastava que alguém mencionasse meu
nome pra que eu pensasse logo em sair correndo gritando “eu quero a minha
mãe!”, mas não havia essa opção. Meu trabalho concentrava-se sempre ao
telefone, atendendo muitos clientes por dia, gente de vários lugares, várias
idades, várias vidas. Meu trabalho concentrava-se sempre ao telefone, atendendo
muitos clientes por dia, gente de vários lugares, várias idades, várias vidas.”
O trecho V1 mostra a cena de uma maneira mais interna da
perspectiva do personagem/narrador, não há muita descrição de elementos
externos (O que ele falava ao telefone? Como era o ambiente em que ele
tralhava?).
(RE) “Chegando
à empresa, vi aquelas salas separadas por vidros, padronizadas, com mesas,
computadores e telefones para todos, pessoas compenetradas em suas tarefas. Meu
trabalho concentrava-se sempre ao telefone, atendendo muitos clientes por dia,
às vezes cinquenta ou sessenta pessoas em uma única tarde. Gente de cidades
diferentes, idades diferentes, rotinas diferentes. Houve dias em que eu só
esperava pelas seis da tarde, hora de ir embora, cansado de tanto falar, de
ouvir respostas como “eu quero cancelar”, “não quero mais o serviço de vocês.”.
O trecho da RE traz
elementos mais palpáveis e diretos, descrevendo o ambiente e o os
acontecimentos sem utilizar-se de construções com “sentir”, preferindo trazer a
ação que ocorria com o narrador/personagem.
Aluno A – Proposta 3: Descrição de um processo
(V1)
“Sempre dói no
começo. Pode parecer que não vai caber ou o que não vai ser bom [...]”.
O autor inicia seu texto sem dar para o leitor a mínima
noção do que se trata e de onde ocorre a ação. É bem verdade que o título do
texto ajuda nesse sentido, ainda assim é necessário que se explique que assunto
será tratado e, especificamente nessa proposta, criar uma ambientação para o
que está sendo descrito.
(RE)
“Dois seres humanos
sentem atração um pelo outro. Estão em comum acordo em realizar o sexo anal.
Sozinhos num quarto, em uma cama. Sempre dói no começo. Pode parecer que não
vai caber ou o que não vai ser bom”.
O autor cria o ambiente e deixa claro para o leitor que
processo irá descrever ao longo do texto. Além disso, a ambientação da cama
cria uma imagem concreta para o leitor.
Aluno B – Proposta 3: Descrição de um processo
(V1) “A
primeira parte não é você que determina. Os olhos fazem a primeira parte:
avistá-la. Dos olhos a mensagem é emitida diretamente ao coração – há quem diga
que é transmitida para o cérebro, o que torna o processo racional –, que
passará a bater intensamente sinalizando ter recebido o estímulo e pronto. Você
está apaixonado.”
O texto já inicia
descrevendo um processo, que por estar no campo subjetivo dos sentimentos,
dificulta para os leitores a visualização de algo concreto. Fica subjetivo ao
entendimento de cada um sobre o que é apaixonar-se e que processo conduz a esse
ato.
(RE) “Quando
você se apaixona por alguém, sempre espera reciprocidade, que o sentimento
possa ser retribuído de igual forma, porém, muitas vezes não é. Ou porque a
pessoa não o conhece, ou porque você não se fez perceber, ou não se mostrou
atraente, enfim. Para que você atinja o objetivo e faça com que ela também se
apaixone por você, irá precisar de algumas táticas, que não são tão imediatas,
mas que em longo prazo dão certo. Vamos a elas.”.
Como escolha para sua
reescrita, o aluno decide discorrer sobre a reciprocidade entre as pessoas
quando se apaixonam, algo um pouco menos livre das interpretações que podem ser
feitas pelos leitores, já que supõe-se que para duas pessoas estarem em uma
relação apaixonada, deve haver reciprocidade.
Aluno A – Proposta 4: Memorial de Leitura
(V1)
“Numa primeira
leitura nos capítulos iniciais do Curso de Linguística Geral (CLG) de
Saussure, indicados pelo professor, me deparei com uma das leituras mais
difíceis que fiz até hoje.”.
No trecho da V1 da quarta proposta, o autor coloca a
leitura do Curso de Linguística Geral sem explicar em que contexto foi lido e
quem é Saussure. Para um leitor leigo, que não curse Letras ou conheça a teoria
Saussuriana, pode ser muito complicado ou até impossível entender o que o autor
está querendo relatar.
(RE)
“No primeiro semestre
do curso de letras, há uma cadeira de introdução à linguística, em que são
apresentados os primeiros conceitos teóricos dessa ciência e que serão
aprofundados ao longo do curso. Uma das últimas leituras realizadas no semestre
é de capítulos selecionados do “Curso de Linguística Geral” (CLG) de Ferdinand
de Saussure, o principal colaborador que tornou a linguística uma ciência
propriamente dita, definindo o seu principal objeto de pesquisa.”.
Na
RE, o autor dedica um parágrafo inteiro parar situar o leitor quanto ao
contexto em que leu a obra e quem foi Saussure. Agora há subsídios concretos
para que qualquer leitor, independente se é um estudante de Letras ou não,
compreender do que se trata e seguir adiante na leitura do texto.
(V1) (RE) “Já com certa idade,
por vias de terminar o ensino fundamental, integrei-me ao grupo de contação de
histórias que se iniciava na escola. Mesmo não tendo um contato marcante com a
leitura em um primeiro momento da vida, intuí que seria algo interessante, que
me propiciaria aprendizados, já que as atividades seriam desenvolvidas dentro
da biblioteca, célebre espaço no ambiente escolar, onde os alunos tem convívio
com os livros e a leitura de maneira mais próxima.”.
Ambos os parágrafos
selecionados da V1 e RE, entre os quais não houve mudança significativa,
apresentam a situação em que a experiência de leitura é trazida de maneira
concisa e objetiva. Na quarta proposta, feita durante o período de avaliação, o
aluno já apresenta um domínio da capacidade de colocar em seus textos elementos
que deem subsídios aos interlocutores para criarem o cenário onde houve a
experiência de leitura, sendo a quarta proposta um memorial de leitura. Fica
claro o cenário que os leitores que devem ter em mente quando fizerem a
leitura.
Aluno A – Proposta 5: Artigo de opinião
Ao escrever a V1 da quinta proposta, o autor
não utiliza um argumento de autoridade, como solicitado, para embasar aquilo
que está defendendo em seu artigo de opinião. Por esse motivo, não há um trecho
selecionado desse texto. Entretanto, para tornar sua argumentação mais
concreta, o autor busca para sua RE um argumento de autoridade, baseado em um
estudo. Ao utilizar-se desse artifício, o texto que, incialmente, continha
apenas percepções do autor, ganham também dados reais que vão ao encontro do
que estava sendo defendido.
(RE) “O estudo realizado
por Oliveira et al. (2016) mostrou que, as condições de falta de organização de
horários para estudo, não se limitam a apenas estudantes universitários, muito
menos a alunos do curso de letras, mas também entre estudantes de ensino médio,
pós-graduandos, doutorando etc. Os dados obtidos, perante oficinas de gestão do
tempo, realizadas para o estudo, também mostraram que existe uma grande
disposição nos universitários para elaborar horários de estudos eficientes, e que
não deixem de fora os momentos de recreação.”.
Não foram considerados os
dados da V1 e da RE da quinta proposta do aluno B, uma vez que não houve
alterações significativas no texto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo por objetivo avaliar a evolução dos
textos no processo, a partir dos dados coletados, com enfoque na qualidade
discursiva concretude, pode-se apurar que os alunos de letras conseguem
apresentar em seus textos essa qualidade de maneira totalmente satisfatória,
ainda que as demais qualidades – questionamento, unidade temática e
objetividade – possam ter deixado a desejar. A disciplina promoveu experiência
de produção textos de diversos gêneros – havendo sempre uma primeira versão, um
parecer sobre o que deveriam melhorar, e uma reescrita – o que possibilitou aos
alunos o aprimoramento das suas habilidades de escrita, além da aplicação do
projeto de produção textual, que é essencial no meio acadêmico, já que são
constantes os textos a serem elaborados nas disciplinas do curso. Vale
ressaltar que, no decorrer do curso, essas habilidades serão aprimoradas, visto
que ainda faltam certas adequações pelas quais os alunos devem passar, como a
ampliação de seus conhecimentos linguísticos – léxico, semântico, ortográfico,
entre outros –, textuais e enciclopédicos, também essenciais para a produção
textual.
A
metodologia aplicada nas aulas demonstrou-se eficiente por trazer conceitos
teóricos como subsídio para cada proposta de produção de texto e também por
proporcionar a leitura de textos aos colegas. Um exercício de oralidade, que
auxiliou na identificação das dificuldades nos textos e no trabalho quanto à
recepção de textos e diferentes interlocutores. Como saldo final dos trabalhos
desenvolvidos na disciplina de leitura e produção textual, os alunos estão mais
bem preparados e com certo domínio de textos acadêmicos que virão a produzir.
REFERÊNCIAS
KOCH,
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textual. São Paulo: Contexto, 2009. P. 31-52.
ARCOVERDE,
Maria Divanira de Lima; ARCOVERDE, Rossana Delmar de Lima. “Produzindo gêneros
textuais: o memorial”. In: Leitura,
interpretação e produção textual. Campina Grande; Natal: UEPB/UFRN, 2007.
P. 1-16.
PLATÃO,
Francisco; FIORIN, José Luiz. “Lição 1: Considerações sobre a noção de texto”.
In: Lições de texto: Leitura e Redação. São
Paulo: Ática, 2006. P. 24-41.
OLIVEIRA,
Cristiano Lessa. Um apanhado
teórico-conceitual sobre a pesquisa qualitativa: tipos, técnicas e
características. Travessias, Cascavel, Editora UNIOESTE, a.2, n.3, 2008. P.
1-16. Disponível em < http://e-revista.unioeste.br/index.php/travessias/article/view/3122/2459> Acesso em 03/07/2016.
GUEDES,
Paulo Coimbra. “Narração”. In: Da redação
à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola editorial,
2009. P. 124-170.
GUEDES,
Paulo Coimbra. “Descrição”. In: Da
redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola
editorial, 2009. P. 171-225.
GUEDES,
Paulo Coimbra. “Olhar, imaginar, organizar, escrever”. In: Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo:
Parábola editorial, 2004. P. 85-116.
ANEXOS
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