quarta-feira, 13 de julho de 2016

PROCESSO DE LEITURA, PRODUÇÃO E ANÁLISE DE TEXTOS: UM OLHAR SOBRE A CONCRETUDE EM TEXTOS PRODUZIDOS POR ALUNOS DO CURSO DE LETRAS

RESUMO

Uma premissa básica deste artigo é o conceito de produção textual, que consiste em escrever sob uma perspectiva interacional, levando-se em conta noções de interação leitor-autor, qualidades discursivas, conhecimentos prévios, entre outras. Este trabalho relata uma pesquisa acerca dos textos produzidos por dois alunos do curso de Letras na disciplina de Leitura e Produção Textual, no período letivo de 2016/1. O processo desenvolvido ao longo da disciplina é explorado, inicialmente, a partir dos referenciais teóricos expostos e discutidos em sala de aula. Em seguida, a concretude é analisada, sob uma perspectiva qualitativa, nos textos produzidos pelos alunos. Os resultados da pesquisa indicam que o processo deu-se satisfatoriamente, uma vez que há modificações assertivas entre a primeira versão e a reescrita de cada tarefa.
PALAVRAS-CHAVE: leitura e produção textual; concretude; processo; texto.

INTRODUÇÃO

A disciplina de Leitura e Produção Textual apresenta uma noção distinta de leitura, texto e produção de texto, da que grande parte dos alunos, se não todos, tiveram na educação básica. Ler não significa mais somente decodificar mensagens e a lógica da redação escolar ou de simplesmente redigir um texto gramaticalmente correto dá lugar ao processo de produção textual, que é baseado em uma concepção interacional da escrita. Interacional porque considera tanto leitor como autor como partes atuantes e importantes na produção de um texto. Sob esse ponto de vista, segundo Koch e Elias (2009), “a escrita não é compreendida em relação apenas à apropriação das regras da língua, nem tampouco ao pensamento e intenções do escritor, mas, sim, em relação à interação escritor-leitor [...]” (KOCH E ELIAS, 2009, p. 34). Os alunos estão constantemente transitando entre essas duas posições: quando leem textos teóricos, discutem e fazem associações são leitores. Quando produzem seus próprios textos e os rescrevem posteriormente, apropriando-se de conceitos, como as qualidades discursivas, são escritores. Essa transitoriedade é que determina o processo.
O presente trabalho tem como objetivo avaliar como se deu o processo de leitura e produção textos pelos alunos do primeiro semestre do curso de Letras, analisando comparativamente versões das tarefas propostas ao longo da disciplina. A pesquisa de natureza qualitativa traça um panorama geral da disciplina de Leitura e Produção Textual, cursada no período letivo de 2016/1.
O relatório da pesquisa está dividido entre a metodologia utilizada, a revisão bibliográfica, que dá conta de revisitar o caminho da disciplina através das bases teóricas utilizadas na produção dos textos e discutidas em sala de aula; a análise dos dados coletados a partir dos textos produzidos pelos alunos, focando em uma variável comum a todas as produções e as considerações finais, que discutem o trabalho de pesquisa e o processo da disciplina.

O PROCESSO DA DISCIPLINA DE LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL

As discussões teóricas da disciplina partem de um conceito aparentemente simples, mas que pode ser múltiplo e diverso: texto. Nos termos de Platão e Fiorin (2006), pode-se definir texto como uma unidade de sentido. Dentro dessa definição, não são considerados somente textos escritos, mas também orais e os multimodais, que podem compilar mais de uma variável, além da linguagem verbal, como por exemplo, uma charge, que é composta por imagens e enunciados escritos. Nesse cenário, as partes que o compõem devem convergir, uma vez que “o significado global de um texto não é resultado de mera soma de suas partes, mas de uma certa combinação geradora de sentidos.” (PLATÃO E FIORIN, 2006, p. 23). Combinações essas que são dadas a partir da coerência, que é “a harmonia de sentido de modo que não haja nada ilógico, nada contraditório, nada desconexo, que nenhuma parte não se solidarize com as demais.” (PLATÃO E FIORIN, 2006, p. 25).
Apresentada a noção de texto e suas variáveis, faz-se um recorte nesse conceito e fica estabelecida a produção textual escrita, como alvo dos estudos, incluindo também a leitura como parte fundamental nesse processo. Estabelecido o objeto da disciplina, é necessário compreender a ideia de produção textual para que ela possa se dar na prática ao longo das aulas. Conforme Guedes (2004), a produção textual
não se trata de compor, isto é, de juntar com brilho, nem de redigir, isto é, organizar, mas de produzir, isto é, transformar, mudar, mediante uma ação humana, o estado da natureza com vistas a um interesse humano. (GUEDES, 2004, p. 87).
Ou seja, produzir textos não ter a ver somente com a correção gramatical e linguística ou com a estrutura e organização e sim com uma compilação de vários elementos, dada em um processo contínuo a ser desenvolvido. Esse processo depende de uma concepção específica de escrita, focada na interação. Para Koch e Elias (2009),
isso significa dizer que o produtor, de forma não linear, “pensa” no que vai escrever e em seu leitor, depois escreve, lê o que escreveu, revê ou reescreve o que julga necessário em movimento constante e on-line guiado pelo princípio interacional. (KOCH E ELIAS, 2009, p. 34).
Nesse sentido, Guedes (2004) coloca que a produção de texto “pressupõe leitores que vão dialogar com o texto produzido: concordar e aprofundar ou discordar e argumentar, tornando o texto como matéria-prima de seu trabalho.” (GUEDES, 2004, p. 88).
Compreendida a noção de produzir textos e sua concepção de escrita, a disciplina de Leitura e Produção Textual parte para a análise das qualidades discursivas, que
são um conjunto de características que determinam a relação que o texto vai estabelecer com seus leitores por meio do diálogo que trava não só diretamente com eles mas também com os demais textos que o antecederam na história dessa relação.(GUEDES, 2004, p. 91).
Haja vista a definição de qualidades discursivas dadas por Guedes (2004) é necessário compreender que essas características serão desenvolvidas ao longo do processo, a partir de análises, leituras, reescritas, tendo em vista que essas qualidades não são uma fórmula pronta a ser seguida, mas uma compilação de fatores disponíveis aos que pretendem trabalhar com textos, como é o caso dos estudantes de Leitura e Produção Textual.
As qualidades discursivas que embasaram o processo de produção de textos durante a disciplina são as seguintes: (1) Unidade temática, que consiste em estabelecer uma questão norteadora para o texto, em torno da qual as demais informações colocadas devem convergir. Guedes (2004) alerta que “é importante que a unidade possa ser percebida pelo leitor, que não tem nenhuma obrigação com o autor que o convocou a lê-lo.” (GUEDES, 2004, p. 93). (2) Concretude, que deve estar colocada no texto com o objetivo de dar parâmetros ao leitor; permitir que ele possa identificar, contrastar, comparar informações. Para essa qualidade discursiva, é importante que o autor priorize especificidades e ideias/conceitos concretos para que possa ativar a intertextualidade do leitor com sua exemplificação. (3) Questionamento, que tem a função de convocar o leitor para equacionar um problema. É importante que o texto levante uma hipótese que solicite a participação daquele lê para chegar-se ao seu desenlace. Por fim, (4) objetividade, que está intimamente ligada com a concretude. Para Guedes (2004), “texto objetivo é o texto capaz de perceber e mostrar objetos, ou melhor, de perceber os objetos como objetos.” (GUEDES, 2004, p. 104). Nesse cenário, o autor deve colocar-se como leitor, para assim deixar de lado sua subjetividade e tornar-se objetivo.
A noção de texto, o conceito de produção textual e o conhecimento das qualidades discursivas subsidiam agora as produções textuais ao longo da disciplina. Produzindo cinco textos com naturezas distintas, os alunos traçam o caminho de uma escrita de cunho mais livre e voltado ao pessoal, para uma forma de escrita formalizada e de padrões acadêmicos. As propostas a serem trabalhadas são as seguintes: (1) Apresentação pessoal, que para Guedes (2004) “tem a utilidade, do ponto de vista de quem escreve, de fixar a auto-imagem momentânea, que pode funcionar como ponto de partida de um maior autoconhecimento.” (GUEDES, 2004, p. 90). (2) Uma experiência ou um fato que gerou um aprendizado, tendo como base o gênero narrativo, que consiste em narrar acontecimentos. Espaço, tempo, narrador e personagens ganham destaque nesse tipo de texto. (3) Descrição de um processo, onde Guedes (2009) atenta para a importância de selecionar-se o que será descrito, afinal “falar de tudo um pouco equivale geralmente a falar de tudo um nada [...]” (GUEDES, 2009, p. 178). (4) Memorial de leitura, que traz um elemento distinto: a necessidade de uma articulação teórico-prática entre relatos dos discentes e textos teóricos.  Arcoverde e Arcoverde (2007) apontam que o memorial é um “gênero que oportuniza as pessoas expressarem a construção de sua identidade.” (ARCOVERDE E ARCOVERDE, 2007, p. 2). A leitura aparece conceitualmente nessa proposta, com um apanhado de textos teóricos que discorrem sobre diferentes concepções de leitura relacionadas ao desenvolvimento da linguística. (5) Artigo de opinião, que já tem uma natureza mais formalizada e acadêmica e apresenta a necessidade de argumentação, característica da tipologia textual dissertativa.
Cada uma das cinco propostas foi desenvolvida em um processo que se constitui por etapas. A primeira delas é a escrita de uma primeira versão do texto (V1). Após a V1, são balizados em aula quais serão os critérios de análise para determinada proposta. Além das qualidades discursivas, há também critérios que dão conta dos aspectos formais, como estruturação dos parágrafos, coesão e coerência, morfossintaxe, semântica e léxico. São feitas discussões teóricas embasadas nos textos teóricos disponibilizados pela professora. Depois de estabelecidos os critérios, é emitido um parecer sobre cada um dos textos pelas monitoras da disciplina, que desempenham um papel fundamental no processo, pois são elas que fazem a primeira avaliação dos textos. Emitido o parecer, os alunos partem para a reescrita (RE) de seus textos, podendo seguir ou não as indicações feitas pelo parecer. Para que os alunos possam fazer uma reflexão teórico-prática de suas V1 e RE, produzem o diário dialogado, que é direcionado diretamente para a professora. Esse texto é livre e permite aos escritores que possam refletir sobre seus textos, comparar as duas versões dele, analisar a aplicação das qualidades discursivas e dos demais critérios de avaliação. É um espaço também de diálogo entre os discentes e a docente, uma vez que o processo interacional inclui também a participação da professora, sabendo quais estão sendo as principais dificuldades e pensando de que maneira solucioná-las.

METODOLOGIA

A pesquisa realizada é de natureza qualitativa, que consiste no entendimento de que “[...] o estudo da experiência humana deve ser feito, entendendo que as pessoas interagem, interpretam e constroem sentidos.” (OLIVEIRA, 2008, p. 3). Dentro da pesquisa qualitativa, há uma subdivisão denominada Estudo de caso, que “deve ser aplicado quando o pesquisador tiver interesse em pesquisar uma situação particular, singular.” (OLIVEIRA, 2008, p. 5).
A situação particular pesquisada aqui é a produção de textos pelos alunos A e B na disciplina de Leitura e Produção Textual, no período letivo de 2016/1. Esses textos foram escritos em uma primeira versão (V1) e reescritos (RE) após parecer feito pelas monitoras da disciplina. Nesse processo, foram disponibilizados textos teóricos para o estudo de cada proposta, além de aulas expositivas, para discussões dos mesmos. As tabelas abaixo compilam as informações acerca dos dados coletados para a pesquisa:
TAREFA
PROPOSTA
ENTREGA
BASES                     TEÓRICAS
V1
RE
1
Apresentação pessoal
10/03
18/03
Guedes (2004)

2
Fato/experiência que revelou um aprendizado
18/04
16/05
Guedes (2009)
Gancho (2006)
3
Descrição de um processo
05/05
23/05
Guedes (2009)
4
Memorial de Leitura
13/06
20/06
Rottava (1998)
Rottava (2000)
Kleiman (1995)
Kleiman (2004)
Britto (2012)
Rottava (2012)
Arcoverde e Arcoverde (2007)
5
Artigo de opinião
20/06
27/06
Guedes (2009)
Toulmin (2001)
Cunha (2009)

Tabela 1: Proposta de texto solicitada em cada tarefa, datas de entrega da 1ª versão (V1) e da Reescrita (RE) e textos teóricos discutidos em aula relacionados a cada proposta.

TAREFA
OBSERVAÇÃO DO PARECER
Aluno A
Aluno B
1
Delinear a unidade temática.
Delinear a unidade temática e ter mais objetividade.
2
Melhorar a objetividade e trabalhar a concretude.
Delinear a unidade temática, trabalhar melhor a concretude e melhorar a objetividade.
3
Melhorar a objetividade e trabalhar a concretude.
Delinear a unidade temática, ter mais objetividade e trabalhar a concretude.
4
Buscar mais referências e trabalhar a concretude.
Articular melhor paráfrases e citações com o texto.
5
Desenvolver mais o texto e trazer outros argumentos.
Organizar melhor o argumento concreto no texto.

Tabela 2: Principais observações feitas nos pareceres quanto às qualidades discursivas nos textos dos alunos A e B.

ANÁLISE DE DADOS

A partir do processo de Leitura e Produção Textual que dá nome e é posto em prática pela disciplina, propõe-se analisar agora o percurso dos alunos A e B ao longo do período de aulas. Para isso, selecionou-se uma das qualidades discursivas: a concretude. Observem-se as análises:
Aluno A – Proposta 1: Apresentação pessoal
(V1)Na adolescência sofri do clichê do bullyng. Estando acima do peso e sendo homossexual [...]”.
O termo adolescência é compreendido socialmente. Qualquer leitor entende o que se entende por adolescência. Entretanto, essa ideia poderia ser transmitida de outra maneira, trazendo mais elementos para o leitor. A ideia de estar acima do peso está inexplorada nesse contexto. Para o leitor, “acima do peso” pode variar muito.
(RE) Na época onde os hormônios afloram, os desejos aparecem e os pelos começam a crescer em lugares cabulosos – leia-se adolescência –, foi-me lembrado quanto os trinta quilos a mais que possuía na época [...]”.
Observa-se agora a mudança ao tratar do termo “adolescência”. O autor agora cria uma imagem para o leitor, trazendo elementos com os quais ele provavelmente irá se identificar e criar uma imagem muito mais viva. A ideia de “acima do peso” também está explicitada agora porque é quantificada, o peso do qual estava acima era de 30 kg.
Aluno B – Proposta 1: Apresentação pessoal
(V1) Nasci numa noite fria de outono, dez dias antes do previsto pelos médicos. Feriado nacional. Seria esse um prenúncio de que minha vida seria um eterno feriado? Antes fosse, mas não é o meu caso. A inquietação desde o momento de vir ao mundo só corrobora minha ansiedade e desassossego diante de situações que precisam de alguma solução, nos dias de hoje.”.
Na V1, o aluno B não faz uma delimitação clara do tema, a princípio. A narração do seu nascimento é o que dá o primeiro parâmetro concreto para o locutor identificar o que parece ser o tema da sua apresentação, a inquietação. Porém, essa delimitação se perde quando inserida uma citação que parece deslocar-se dentro do tema que parecia estar estabelecendo-se.
(V1) “O problema é que essa solução nem sempre vem tão rápido assim. Diante do dia e hora que nasci, acabei sob um mapa astral decadente, que me coloca com sol em touro e lua em câncer, ou seja, os processos são sempre lentos e graduais e às vezes, nem processam.”.
O aluno parece estar preocupado em estabelecer uma relação concreta entre as características que deseja apresentar e a sua história de vida, mas é prejudicado pela não delimitação do tema central de seu texto e pela inserção de informações que podem não ser de conhecimento geral, que qualquer leitor possa se identificar.
(RE) “Nasci numa noite fria de outono, dez dias antes do previsto pelos médicos. Dia de feriado nacional. Seria esse um prenúncio de que minha vida seria um eterno feriado? Antes fosse, mas não é o caso. A inquietação desde o momento de vir ao mundo só demonstra minha ansiedade e desassossego diante de situações que precisam de alguma solução, nos dias de hoje. O problema é que essa solução nem sempre vem tão rápido assim, me deparo diversas vezes com o medo de errar, com a insegurança fazer uma escolha da qual possa me arrepender depois e por isso acabo pensando e repensando um pouco além da conta.”.
Na reescrita, o aluno subtrai os trechos que desviam do tema estabelecido no segundo parágrafo e mantêm as descrições que dão concretude ao texto.
Aluno A – Proposta 2: Um fato/experiência que revelou um aprendizado
(V1) Se tivesse escolhido não gastar aqueles R$10,90 naquele livrinho ilustrado, com uma capa bem suspeita, diga-se de passagem, nunca teria conhecido aquele mundo que já acompanho há quase dez anos [...]”.
O autor não dá muitas informações sobre os aspectos físicos do livro. Menciona que continha ilustrações e define sua capa como suspeita, mas não dá subsídios para que o leitor entenda a razão pela qual considerou assim. Além disso, a escolha do livro pela capa parecer ser uma informação importante para o texto e está colocada somente ao final.
(RE) Estava andando na rua quando passei na frente de uma banca de jornais e reparei na capa daquele tomo, uma capa um tanto suspeita. O desenho da capa estava num fundo preto, uma menina de cabelos azuis sentada em cima de uma cabeça gigante, haviam também alguns detalhes em roxo e vermelho.”
Na RE, o autor insere a informação sobre a justificativa para a escolha do livro nos primeiros parágrafos, o que deixa as informações mais bem organizadas, afinal, o que é mais importante deve ser apresentado logo no início. É interessante perceber também, como o autor constrói a imagem da capa do livro e explora muito melhor o conceito de “suspeita”. Além disso, com a descrição do passar pela frente da banca e avistar a capa com tais caraterísticas, o autor enriquece sua narração, fazendo que a cena seja plenamente concreta e imaginável.
Aluno B – Proposta 2: Um fato/experiência que revelou um aprendizado
(V1) Chegando à empresa, eu olhava para os lados e não via quase ninguém da mesma idade que eu. Um ou dois colegas também aprendizes, mas ainda assim me sentia sozinho, sem saber o que fazer, como agir, como me comportar, que palavras usar. Bastava que alguém mencionasse meu nome pra que eu pensasse logo em sair correndo gritando “eu quero a minha mãe!”, mas não havia essa opção. Meu trabalho concentrava-se sempre ao telefone, atendendo muitos clientes por dia, gente de vários lugares, várias idades, várias vidas. Meu trabalho concentrava-se sempre ao telefone, atendendo muitos clientes por dia, gente de vários lugares, várias idades, várias vidas.”
O trecho V1 mostra a cena de uma maneira mais interna da perspectiva do personagem/narrador, não há muita descrição de elementos externos (O que ele falava ao telefone? Como era o ambiente em que ele tralhava?).
(RE) “Chegando à empresa, vi aquelas salas separadas por vidros, padronizadas, com mesas, computadores e telefones para todos, pessoas compenetradas em suas tarefas. Meu trabalho concentrava-se sempre ao telefone, atendendo muitos clientes por dia, às vezes cinquenta ou sessenta pessoas em uma única tarde. Gente de cidades diferentes, idades diferentes, rotinas diferentes. Houve dias em que eu só esperava pelas seis da tarde, hora de ir embora, cansado de tanto falar, de ouvir respostas como “eu quero cancelar”, “não quero mais o serviço de vocês.”.
O trecho da RE traz elementos mais palpáveis e diretos, descrevendo o ambiente e o os acontecimentos sem utilizar-se de construções com “sentir”, preferindo trazer a ação que ocorria com o narrador/personagem.
Aluno A – Proposta 3: Descrição de um processo
(V1) “Sempre dói no começo. Pode parecer que não vai caber ou o que não vai ser bom [...]”.
O autor inicia seu texto sem dar para o leitor a mínima noção do que se trata e de onde ocorre a ação. É bem verdade que o título do texto ajuda nesse sentido, ainda assim é necessário que se explique que assunto será tratado e, especificamente nessa proposta, criar uma ambientação para o que está sendo descrito.
(RE) “Dois seres humanos sentem atração um pelo outro. Estão em comum acordo em realizar o sexo anal. Sozinhos num quarto, em uma cama. Sempre dói no começo. Pode parecer que não vai caber ou o que não vai ser bom”.
O autor cria o ambiente e deixa claro para o leitor que processo irá descrever ao longo do texto. Além disso, a ambientação da cama cria uma imagem concreta para o leitor.
Aluno B – Proposta 3: Descrição de um processo
(V1) “A primeira parte não é você que determina. Os olhos fazem a primeira parte: avistá-la. Dos olhos a mensagem é emitida diretamente ao coração – há quem diga que é transmitida para o cérebro, o que torna o processo racional –, que passará a bater intensamente sinalizando ter recebido o estímulo e pronto. Você está apaixonado.”
O texto já inicia descrevendo um processo, que por estar no campo subjetivo dos sentimentos, dificulta para os leitores a visualização de algo concreto. Fica subjetivo ao entendimento de cada um sobre o que é apaixonar-se e que processo conduz a esse ato.
(RE) “Quando você se apaixona por alguém, sempre espera reciprocidade, que o sentimento possa ser retribuído de igual forma, porém, muitas vezes não é. Ou porque a pessoa não o conhece, ou porque você não se fez perceber, ou não se mostrou atraente, enfim. Para que você atinja o objetivo e faça com que ela também se apaixone por você, irá precisar de algumas táticas, que não são tão imediatas, mas que em longo prazo dão certo. Vamos a elas.”.
Como escolha para sua reescrita, o aluno decide discorrer sobre a reciprocidade entre as pessoas quando se apaixonam, algo um pouco menos livre das interpretações que podem ser feitas pelos leitores, já que supõe-se que para duas pessoas estarem em uma relação apaixonada, deve haver reciprocidade.
Aluno A – Proposta 4: Memorial de Leitura
(V1) “Numa primeira leitura nos capítulos iniciais do Curso de Linguística Geral (CLG) de Saussure, indicados pelo professor, me deparei com uma das leituras mais difíceis que fiz até hoje.”.
No trecho da V1 da quarta proposta, o autor coloca a leitura do Curso de Linguística Geral sem explicar em que contexto foi lido e quem é Saussure. Para um leitor leigo, que não curse Letras ou conheça a teoria Saussuriana, pode ser muito complicado ou até impossível entender o que o autor está querendo relatar.
(RE) “No primeiro semestre do curso de letras, há uma cadeira de introdução à linguística, em que são apresentados os primeiros conceitos teóricos dessa ciência e que serão aprofundados ao longo do curso. Uma das últimas leituras realizadas no semestre é de capítulos selecionados do “Curso de Linguística Geral” (CLG) de Ferdinand de Saussure, o principal colaborador que tornou a linguística uma ciência propriamente dita, definindo o seu principal objeto de pesquisa.”.
Na RE, o autor dedica um parágrafo inteiro parar situar o leitor quanto ao contexto em que leu a obra e quem foi Saussure. Agora há subsídios concretos para que qualquer leitor, independente se é um estudante de Letras ou não, compreender do que se trata e seguir adiante na leitura do texto.
(V1) (RE) Já com certa idade, por vias de terminar o ensino fundamental, integrei-me ao grupo de contação de histórias que se iniciava na escola. Mesmo não tendo um contato marcante com a leitura em um primeiro momento da vida, intuí que seria algo interessante, que me propiciaria aprendizados, já que as atividades seriam desenvolvidas dentro da biblioteca, célebre espaço no ambiente escolar, onde os alunos tem convívio com os livros e a leitura de maneira mais próxima.”.
Ambos os parágrafos selecionados da V1 e RE, entre os quais não houve mudança significativa, apresentam a situação em que a experiência de leitura é trazida de maneira concisa e objetiva. Na quarta proposta, feita durante o período de avaliação, o aluno já apresenta um domínio da capacidade de colocar em seus textos elementos que deem subsídios aos interlocutores para criarem o cenário onde houve a experiência de leitura, sendo a quarta proposta um memorial de leitura. Fica claro o cenário que os leitores que devem ter em mente quando fizerem a leitura.
Aluno A – Proposta 5: Artigo de opinião
Ao escrever a V1 da quinta proposta, o autor não utiliza um argumento de autoridade, como solicitado, para embasar aquilo que está defendendo em seu artigo de opinião. Por esse motivo, não há um trecho selecionado desse texto. Entretanto, para tornar sua argumentação mais concreta, o autor busca para sua RE um argumento de autoridade, baseado em um estudo. Ao utilizar-se desse artifício, o texto que, incialmente, continha apenas percepções do autor, ganham também dados reais que vão ao encontro do que estava sendo defendido.
(RE) O estudo realizado por Oliveira et al. (2016) mostrou que, as condições de falta de organização de horários para estudo, não se limitam a apenas estudantes universitários, muito menos a alunos do curso de letras, mas também entre estudantes de ensino médio, pós-graduandos, doutorando etc. Os dados obtidos, perante oficinas de gestão do tempo, realizadas para o estudo, também mostraram que existe uma grande disposição nos universitários para elaborar horários de estudos eficientes, e que não deixem de fora os momentos de recreação.”.
Não foram considerados os dados da V1 e da RE da quinta proposta do aluno B, uma vez que não houve alterações significativas no texto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo por objetivo avaliar a evolução dos textos no processo, a partir dos dados coletados, com enfoque na qualidade discursiva concretude, pode-se apurar que os alunos de letras conseguem apresentar em seus textos essa qualidade de maneira totalmente satisfatória, ainda que as demais qualidades – questionamento, unidade temática e objetividade – possam ter deixado a desejar. A disciplina promoveu experiência de produção textos de diversos gêneros – havendo sempre uma primeira versão, um parecer sobre o que deveriam melhorar, e uma reescrita – o que possibilitou aos alunos o aprimoramento das suas habilidades de escrita, além da aplicação do projeto de produção textual, que é essencial no meio acadêmico, já que são constantes os textos a serem elaborados nas disciplinas do curso. Vale ressaltar que, no decorrer do curso, essas habilidades serão aprimoradas, visto que ainda faltam certas adequações pelas quais os alunos devem passar, como a ampliação de seus conhecimentos linguísticos – léxico, semântico, ortográfico, entre outros –, textuais e enciclopédicos, também essenciais para a produção textual.
 A metodologia aplicada nas aulas demonstrou-se eficiente por trazer conceitos teóricos como subsídio para cada proposta de produção de texto e também por proporcionar a leitura de textos aos colegas. Um exercício de oralidade, que auxiliou na identificação das dificuldades nos textos e no trabalho quanto à recepção de textos e diferentes interlocutores. Como saldo final dos trabalhos desenvolvidos na disciplina de leitura e produção textual, os alunos estão mais bem preparados e com certo domínio de textos acadêmicos que virão a produzir.

REFERÊNCIAS

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. “Escrita e interação”. In: Ler e Escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009. P. 31-52.
ARCOVERDE, Maria Divanira de Lima; ARCOVERDE, Rossana Delmar de Lima. “Produzindo gêneros textuais: o memorial”. In: Leitura, interpretação e produção textual. Campina Grande; Natal: UEPB/UFRN, 2007. P. 1-16.
PLATÃO, Francisco; FIORIN, José Luiz. “Lição 1: Considerações sobre a noção de texto”. In: Lições de texto: Leitura e Redação. São Paulo: Ática, 2006. P. 24-41.
OLIVEIRA, Cristiano Lessa. Um apanhado teórico-conceitual sobre a pesquisa qualitativa: tipos, técnicas e características. Travessias, Cascavel, Editora UNIOESTE, a.2, n.3, 2008. P. 1-16. Disponível em < http://e-revista.unioeste.br/index.php/travessias/article/view/3122/2459>  Acesso em 03/07/2016.
GUEDES, Paulo Coimbra. “Narração”. In: Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola editorial, 2009. P. 124-170.
GUEDES, Paulo Coimbra. “Descrição”. In: Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola editorial, 2009. P. 171-225.
GUEDES, Paulo Coimbra. “Olhar, imaginar, organizar, escrever”. In: Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola editorial, 2004. P. 85-116.
ANEXOS


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