Aluno 52
CONCRETUDE, UNIDADE TEMÁTICA E PROBLEMAS DECORRENTES DE SUA FALTA EXEMPLIFICADAS EM TEXTOS UNIVERSITÁRIOS
RESUMO: Este trabalho apresenta uma análise de duas das qualidades discursivas propostas por Paulo Guedes, sendo elas a unidade temática e a concretude. O objetivo foi averiguar a presença destes elementos nos textos elaborados no primeiro semestre de dois mil e quinze e as implicações para a compreensão do leitor do texto quando um ou ambos desses aspectos se mostram ausentes. As análises demonstraram que a inserção desses elementos nos textos se dá de forma processual ao longo do tempo, isso se demonstra a medida que as tarefas sob análise se mostraram influenciadas pelas que as precederam e os estudos desenvolvidos em cima destas.
Palavras-chave: concretude, unidade temática, análise de textos.
Introdução
Este trabalho está situado na disciplina de Leitura e Produção Textual. Essa disciplina constitui-se de um conjunto de conhecimentos teóricos e aplicados à leitura e à produção textual, tratando-as como processo, em que o contexto situacional e histórico, assim como os interlocutores são levados em conta.
O presente artigo é uma tentativa de discutir questões sobre unidade temática e concretude, suas presenças ou ausências nos textos desenvolvidos ao longo do semestre. Também são analisados os meios utilizados para corrigir os problemas que foram gerados quando estas não foram atingidas.
Este estudo organiza-se de modo a tentar facilitar a análise dos dados apresentados. Ao inserir no escopo do trabalho exemplos retirados dos textos analisados, busca diminuir a necessidade da consulta direta ao material anexo com a função de produzir uma leitura mais uniforme e fluida.
Revisão teórica
Segundo Guedes (2009) a unidade temática refere-se a contar apenas uma história, ter apenas um fato norteando o texto, independentemente do seu grau de complexidade. É impossível que um texto aborde algo em sua totalidade, então, devemos determinar uma ideia central para o texto e desenvolvê-lo a partir dela, caso contrário, o texto se torna nada mais que uma lista de fatos mais ou menos ordenada.
Ainda de acordo com Guedes (2009) a concretude é o elemento que torna possível a criação de significados de maneira fácil para a pessoa que está lendo o texto. Através de exemplificações, analogias e comparações, por exemplo, ele estabelece uma imagem do que está sendo descrito pelo autor do texto.
Tomando como base essas definições de concretude e unidade temática estabelecidas por Guedes (2009), esse trabalho se desenvolve. As análises feitas aqui, prosseguem de forma análoga as do livro onde usa como forma de exemplificar sua teoria textos universitários.
Metodologia
Esta é uma pesquisa qualitativa e foi desenvolvida ao longo do primeiro semestre do ano de dois mil e quinze. Os dados que serviram de base para a elaboração desse trabalho foram os textos desenvolvidos ao longo das cinco tarefas apresentadas na disciplina de Leitura e Produção Textual do curso de Letras da UFRGS. Essas tarefas foram desenvolvidas seguindo um método cíclico, onde uma primeira versão do texto era desenvolvida e entregue. Em seguida era feito um estudo mais aprofundado sobre as possíveis formas de desenvolver a tarefa proposta , esse estudo era feito após a entrega do texto com o objetivo de que produzíssemos textos não “engessados” dentro de um modelo estudado e que pudéssemos estabelecer uma relação concreta entre o material estudado e o por nós desenvolvido.
Feito isso, as produções textuais eram retornadas, acompanhadas de um parecer. Então, eram reescritas e entregues mais uma vez juntamente com um bilhete dialogado (espaço onde o aluno pode justificar as opções que fez para seu texto e fazer reflexões sobre a tarefa e disciplina). Esta ultima etapa (reescrita), deve ser repetida quantas vezes forem necessárias, até que o objetivo seja atingido.
Tarefas
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Primeira entrega
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Última entrega
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Nº de reescritas
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Nº de palavras v1/v2
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Conceito
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Tarefa 1
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13/03
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02/04
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1
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315 / 666
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C+
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Tarefa 2
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23/04
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07/05
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1
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717 / 699
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A
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Tarefa 3
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07/05
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11/06
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1
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409 / 534
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A-
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Tarefa 4
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12/06
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25/06
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1
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674 / 620
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B
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Tarefa 5
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19/06
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03/07
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1
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874 / 613
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?
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Tabela 1
Análise de dados
A primeira tarefa desenvolvida no semestre tinha como proposta realizar uma apresentação pessoal. Quando você para pra pensar nesse tema, a princípio essa tarefa pode parecer fácil, afinal de contas, o que você conhece melhor que você mesmo? No entanto, essa se mostrou a tarefa mais difícil, justamente pela quantidade enorme de informações que você tem a disposição para escrever. Por se conhecer tão bem e saber tantos detalhes a respeito de sua vida, acaba se tornando muito fácil para o escritor mudar o foco do texto. Além disso, deixa de explicar de satisfatoriamente elementos que aparecem no mesmo, pois esquece que o leitor não partilha do mesmo conhecimento sobre os fatos que ele possui.
Trecho do texto 1 de 13/03/2015.
Meu nome é Christopher, tenho dezessete anos, 1,85m, cabelo e olhos castanhos escuros. Moro em Charqueadas, onde cursei o ensino fundamental e médio, também lá, fiz um curso técnico em informática e um curso de inglês, ambos concluídos no último semestre.
Neste trecho é possível observar muitos problemas, porém o mais evidente é a falta de relação entre os elementos apresentados. Não existe algo que conduz esse texto, as características não possuem uma razão para se fazerem presentes, apesar de todos os elementos serem características do autor, não são parte de um enredo maior. Para atingir a unidade temática o texto deveria destacar uma dessas características como por exemplo a altura e se desenvolvesse a partir dela, como no exemplo que segue: tenho 1,85m e ser alto sempre foi um problema pois vivia batendo a cabeça...
Outro exemplo de problema está no seguinte trecho, também da primeira versão da tarefa 1.
Sou uma pessoa muito indecisa, perco muito tempo em tarefas simples do dia a dia [...] Na hora de escolher qual curso gostaria de fazer na faculdade, não foi diferente. Para mim as opções eram letras ou gastronomia, [...] No final das contas optei pelo curso de letras e deixei gastronomia como hobbie.
Neste trecho, o leitor não tem alternativa a não ser se perguntar o motivo dessa escolha. Nenhuma informação é fornecida a ele, de modo que ele não tem argumentos para elaborar uma teoria a respeito das razões que levaram a isso. Esses erros aconteceram, pois como mencionado antes, o autor esqueceu que o leitor não tem o seu conhecimento do assunto e também porque tenta encaixar muitos aspectos de si em um único texto.
Na reescrita da primeira tarefa o autor opta por mudar o foco do texto para o motivo de ter optado pelo curso de letras e tenta se apresentar através dessa história. Ainda assim, se perde em alguns momentos e, por vezes, foge do tema central, mas faz isso em poucos momentos se compararmos com a primeira versão do texto. Também ocorre de faltar com concretude na segunda versão em momentos que o autor faz uso de metáforas que não ficam claras para o leitor, como quando fala “tive professores tão maravilhosos que hoje posso dizer que falo grego quase fluentemente”, por exemplo.
A segunda tarefa desenvolvida tinha como objetivo a narrativa de uma situação importante. Nesse texto o autor opta por contar o dia de sua formatura e tudo que nele aconteceu. Mais uma vez ele peca, por criar um texto sem unidade temática e sem concretude. A falta de unidade nesse texto se dá pela efemeridade das descrições. O autor muda o foco do texto muitas vezes, narra diversas situações e não se aprofunda em nenhuma. Isso faz com que perca credibilidade com o leitor pois não transmite a real importância do que está acontecendo e a relevância do que está sendo apresentado para a situação como todo.
De certa forma, esse não aprofundamento nas situações é também a causa da falta de concretude do texto. Como é dito no parecer da tarefa, ao apenas mencionar ônibus, festa, terno, etc. O leitor acaba não conseguindo criar um plano de fundo para a história ou então, cria um plano de fundo baseado em suas experiências e não aquele que o autor do texto buscava transmitir. É preciso mostrar para o leitor o que se está querendo dizer, descrever com a maior quantidade de detalhes possível os conceitos apresentados no texto “Se isso não é feito, o leitor a eles atribui o sentido que que e acaba por ler não o texto, mas só o que já sabia a respeito do assunto” (Guedes, 2009, p.288).
Na reescrita dessa tarefa o autor opta por reduzir a quantidade de momentos abordados no texto e fala apenas do momento em que a formatura está de fato acontecendo. Essa decisão acaba fazendo com que o texto possua uma unidade muito maior que a primeira versão pois não fica dúvida que todos os momentos apresentados estão a serviço da narração da formatura. A concretude também é atingida, o autor faz a descrição das situações de modo a transmitir ao leitor a sua visão do ocorrido ao contrário da primeira versão onde em diversas situações o leitor fica livre para fazer a interpretação que quiser do texto. Veja os trechos a seguir:
Primeira versão da tarefa 2 “Saio correndo da UFRGS, mais feliz e desesperado do que nunca. Ao que tudo indica, agora sou um estudante universitário que nunca irá se formar no ensino médio”.
Reescrita da tarefa 2 “Meu coração está pulsando muito forte, mais que isso, ele está batendo. Batendo como se fosse fugir, como se quisesse abrir um buraco em meu peito e por ele sair. Não tenho para onde correr, há pessoas por todos os lados”.
No primeiro trecho, ao falar de desespero, o autor não descreve esse desespero o que faz com que o leitor não seja capaz de definir sua magnitude. Em oposição a isso, no segundo fragmento é possível saber exatamente o quão ansioso o autor estava pois ele descreve uma série de argumentos que criam uma imagem na cabeça do leitor.
Na tarefa 3 que tinha como objetivo realizar a descrição de um grupo social o autor, já influenciado pelas tarefas anteriores, faz o texto mais atento a concretude, podemos observar isso, nesse trecho retirado da primeira versão da terceira tarefa “Mesquinhos, feios, frequentemente associados com presidiários e em grande parte funcionários da Gerdau, esses são os Charqueadenses”. Nele o autor tenta começar o texto criando uma imagem dos Charqueadenses, mas acaba não sendo bem sucedido, pois faz uso de adjetivos muito amplos como feio e mesquinho. Afinal de contas, o que é ser feio ou mesquinho? Seria ser muito alto? Muito baixo? Muito gordo? Esses adjetivos abertos causam tanto problema quanto a falta de adjetivos, pois possibilitam diversas interpretações e prejudicam a comunicação do escritor e leitor. Apesar disso, é possível observar a evolução do modo de escrever através de situações como o final do texto onde o autor diz ser um Charqueadense o que, teoricamente, lhe daria credibilidade para falar desse tema. A inserção desses elementos no texto faz com que o texto de início já seja mais concreto que os dois primeiros, demonstrando uma possível evolução do modo de escrever. Outro ponto que demonstra isso é que nessa tarefa, não foram percebidos problemas relacionados a unidade temática e após mudanças pequenas, como a substituição dos termos abstratos e amplos, o texto conseguiu atingir a nota A-.
A tarefa 4, memorial literário, como esperado, apresenta menos problemas em relação a concretude e unidade temática que as anteriores apresentaram em suas primeiras versões. Os problemas apresentados em relação a concretude ocorreram em situações como essa retirada da primeira versão “Quando estava na sexta série, vivi uma situação que me mostrou que o modo de fazer algo, muitas vezes é mais importante do que a própria coisa que está sendo feita”. Nela o autor acaba fazendo uso da palavra “coisa” de modo a prejudicar o sentido da frase por ser uma palavra que possibilita atribuição de sentidos muito variados. Os problemas com relação a unidade temática se deram pela inabilidade de deixar completamente clara a relação entre a historia contada na primeira parte e a teoria. Após um rearranjo de uma porção do texto e substituição dos termos que causavam interpretações amplas, o texto não apresentou maiores problemas.
A tarefa 5, que tinha como proposta a elaboração de uma reportagem, em sua primeira versão voltou a apresentar o mesmo defeito da primeira tarefa em relação a unidade temática, pois os elementos não apresentam uma conexão entre si de maneira a contribuir para um todo. Com base nisso, é possível pensar que a teoria de que os problemas foram diminuindo com o passar do tempo é equivocada, mas a verdade é que a justificativa para o erro foi a não compreensão da tarefa em primeiro momento, gerada pelo não comparecimento a aula. Na segunda versão da tarefa é possível observar que esse problema foi corrigido e que o depoimento apresentado trabalha de maneira a compor o que está sendo dito.
Considerações finais
Os textos analisados mostraram uma tendência de melhora com relação a unidade temática e concretude. Os erros a desses dois pontos não desaparecem, mas diminuem a ocorrência e significância. Um fato que corrobora essa teoria é o de que os textos deixam de ser completamente reescritos e passam a sofrer ajustes pontuais.
Ao analisar os textos é possível perceber que o processo de produção onde estes estão inseridos, tem grande influencia no resultado final. Este método cíclico utilizado torna possível a aplicação dos conhecimentos adquiridos nas tarefas anteriores nas tarefas seguintes.
Apesar das tarefas possuírem modelos diferentes, em todas é possível fazer as análises propostas no início deste trabalho. Essa variedade de materiais analisados, ajuda a validar os resultados obtidos.