Aluno 60
Reescrita
Durante a minha infância não tive uma relação muito amigável com o mundo da leitura. Os livros, que eram quase sempre indicados por professores, não me cativavam com suas histórias. Isso porque essas histórias de fato não eram muito relevantes para minha formação na visão de meus educadores, mas serviam de pretexto para a aplicação de exercícios didáticos baseados na análise do texto. Assim, ao invés de ler, era muito mais fácil apenas procurar as palavras-chaves na história, onde deveriam se encontrar as respostas que os professores queriam ouvir.
De “pessoal” a interpretação dos exercícios encontrados nos livros didáticos tradicionais não tinha nada. As respostas das questões possuíam fórmulas prontas a serem copiadas dos textos e as únicas que deveriam ser de fato pessoais eram tão desinteressantes e previsíveis (por causa da linha de raciocínio do exercício) que se tornavam chatas.
Nenhum saber novo era construído através dessas leituras, nem a livre interpretação permitida. O próprio exercício de “interpretação” servia como um cabresto, limitando a visão e as possibilidades que a obra oferecia. A informação se encontrava toda no texto para ser apenas decodificada e copiada pelo aluno, e a concepção de leitura era a dos anos 50 e 60 sendo aplicada pelos livros didáticos do ano 2000. A explicação dessa minha experiência com a leitura é explicitada por Rottava (1998) ao discorrer sobre as teorias de leitura: “Ler, até o final dos anos 60, era entendido como atividade ascendente (botton up), ou seja, ler é extrair sentidos pelo leitor como decodificação dos elementos linguísticos contidos no texto”.
Porém, no início da minha adolescência precisei de uma válvula de escape para os problemas familiares advindos do divórcio dos meus pais. Por ser filha única e, portanto, sozinha em casa, os livros se tornaram uma companhia sem igual e um meio de viajar e conhecer outros universos e épocas sem precisar sair do lugar. Pude conhecer a Segunda Guerra Mundial através de O diário de Anne Frank e de A menina que roubava livros, assim como entrei em contato com a Bretanha do Rei Arthur em As Brumas de Avalon.
Era mais que apenas distração; era um meio de estimular o processo de criação e ter contato com diferentes formas de exposição e visão da realidade. As histórias ali eu mesma escolhia, de acordo com o meu interesse. Os livros que não correspondiam à minha demanda de leitura eram deixados de lado sem problemas, pois havia outros que a suprissem até eu estar preparada para digerir os antigos. Os autores viravam referência para encontrar mais obras, e dessa forma eu passava o tempo.
Os textos que não correspondiam à minha demanda na época eram-me estranhos por eu não ter experiências o bastante para desfrutá-los. É perceptível assim a questão da interatividade do leitor com o texto, levantada pela concepção de leitura dos anos 80. Aquelas leituras eram-me estranhas tanto por não ter vivido certas situações que as envolviam, quanto por não ter familiaridade com os tipos de texto registrados.
“A partir dos anos 80, a leitura tem sido pesquisada em uma perspectiva interativa, ou seja, a construção dos sentidos em leitura pelos leitores é resultante da interação do leitor com os elementos linguísticos, textuais e discursivos do texto, mais as interferências, estratégias e o conhecimento anterior – das experiências vividas e das leituras de outros textos (cf. Grabe). O modelo interativo tem como pressuposto que a construção de sentidos é um processo dinâmico.” (Rottava, 1998, p. 62).
Dessa relação positiva a convivência com os livros tornou-se um hábito e um lazer. Comecei a querer produzir meus próprios contos, mundos e personagens. Posteriormente, decidi cursar letras para ser professora, decisão que só foi possível devido à afinidade adquirida com a leitura. Ser professora, inclusive, para poder mostrar a outros o universo da leitura.
Bibliografia:
ROTTAVA, Lucia. A leitura e a escrita na pesquisa e no ensino. Espaços da escola. V. 4, n 27, p. 61-68, 1998.
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