Reescrita
Aluno 54
A leitura vai muito além de uma mera ação ou hábito. Através dela vivenciamos realidades e pertencemos a lugares que muitas vezes são distantes, como um outro país ou uma outra época. Segundo Rottava (2000), a leitura é a ampliação da forma de ser e perceber o mundo. Assim, destaco como memória de leitura, não o período que comecei a ler, juntando apenas sintagmas, e sim o momento que comecei a ler o realismo fantástico e, junto com ele, ampliar a minha percepção de mundo.
Conheci o realismo fantástico no livro “Cem Anos de Solidão” de Gabriel García Márquez. A mescla de fantasia e realidade me impressionaram de tal forma que me transformei em uma aficionada por esse tipo de literatura, lendo posteriormente textos de Moacyr Scliar e Franz Kafka. A família Buendía me foi apresentada de uma maneira tipicamente latina, em seu isolamento na pequena comunidade de Macondo. O livro, que narra a jornada de uma família, não pode ser resumido: são muitas as peripécias e gerações da família, as quais me incluíram no contexto latino americano e, mais que isso, em um contexto humano.
“(...) se pode concluir que promover a leitura seria promover uma forma de pertencimento crítico ao mundo. Um valor, portanto. Um valor que carrega um princípio de humanidade e que implica, mais que o simples hábito, uma atitude. ” (BRITTO, 2012, p. 30)
Como afirma Britto (2012), adquiri um valor que jamais poderá se perder. A leitura tornou-se uma atitude de humanidade ao ver nas linhas do livro de García Márquez sutis denúncias sobre a realidade latina.
“Há, neste caso, um objeto cultural bem definido (não se está diante da própria realidade, mas sim de uma representação dela ou de uma projeção de uma possibilidade) e há o interpretante, que busca encontrar sentido naquilo com que interage ...” (BRITTO, 2012, p. 25)
Britto diz que não se está diante da própria realidade, mas sim de uma representação dela. No caso do realismo fantástico e na obra prima de García Márquez temos essa realidade – que é a de uma América Latina pobre, doente e isolada, mas que mantém os traços de sua cultura a qualquer custo estando sempre ligada ao passado – mascarada com uma fantasia que não é infantil.
Conforme Rottava (2000), a leitura deve provocar uma reação no leitor. A realidade podia estar disfarçada mas, ainda sim, nos traços mais sutis do escritor, reagi. Não foi uma reação de espanto como se estivesse diante de um atentado terrorista, e sim o espanto por nunca ter percebido que o que era retratado nas páginas de Cem Anos de Solidão – a miséria, a fome, a falta de conhecimento de mundo, a doença – que tocava milhares de colombianos, argentinos, venezuelanos, brasileiros e seus demais vizinhos latinos. O espanto não foi de todo negativo, quando felizmente ao ler percebi a bondade e solidariedade do ser humano, um sentimento discreto e orgulhoso traduzindo que, afinal, somos todos iguais. Reagi como se fosse o próprio personagem, como na passagem a seguir. Parecia estar conhecendo o gelo, tão comum aos meus olhos mas visto sob outra perspectiva.
‘’- É o maior diamante do mundo.
- Não - corrigiu o cigano. - É gelo.
José Arcadio Buendía, sem entender, estendeu a mão para o bloco, mas o gigante afastou-a. "Para pegar, mais cinco reais", disse. José Arcadio Buendía pagou, e então pôs a mão sobre o gelo, e a manteve posta por vários minutos, enquanto o coração crescia de medo e de júbilo ao contato do mistério.’’ (Cem Anos de Solidão. Márquez, Gabriel García)
- Não - corrigiu o cigano. - É gelo.
José Arcadio Buendía, sem entender, estendeu a mão para o bloco, mas o gigante afastou-a. "Para pegar, mais cinco reais", disse. José Arcadio Buendía pagou, e então pôs a mão sobre o gelo, e a manteve posta por vários minutos, enquanto o coração crescia de medo e de júbilo ao contato do mistério.’’ (Cem Anos de Solidão. Márquez, Gabriel García)
Criei com as gerações da família Buendía o que Paulo Freire (FREIRE apud BRITTO, 2012, p.24) chama de percepção da vida-vivida. Aprendi a viver e a ver o mundo de maneira distinta, tendo a noção do perigo que uma única história pode oferecer. Vi que a raiz cultural exerce grande peso sobre o nosso viver; que por maior que seja a família os laços ali constituídos são eternos como a história. Tinha vivenciado o que acabara de ler.
Referências Bibliográficas
ROTTAVA, Lúcia. A Importância da Leitura na Construção do Conhecimento. In: Espaços da Escola. Editora Unijuí. Vol. 9, nº 35, p. 11 – 16, jan./mar. 2000.
BRITTO, Luiz Percival Leme. Leitura: Acepções, Sentidos e Valor. In: Nuances: estudos sobre Educação. Ano XVIII, v. 21, nº 22, p. 18 – 32, jan./abr. 2012.
MÁRQUEZ, Gabriel García. Cem anos de solidão. Editora Record: Rio de Janeiro, 2011. 78º ed. Tradução de Eric Nepomuceno.
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