Aluno 130
Reescrita
Quando eu estava no maternal queria de uma vez por todas aprender a desenhar letras no papel. Lembro até hoje de um episódio no colégio onde eu estudava, em que, um dia, passando pelo corredor das séries superiores à minha, vi uma frase escrita num cartaz e quis muito saber o que significava. Pensei em esperar minha hora de aprender a ler e a escrever, mas em seguida percebi que quando ela chegasse o cartaz talvez já não estivesse mais lá. Então todos os dias eu o fitava por um tempo e decorava a forma de duas letras e as desenhava num papel quando chegava em casa. Consegui desenhar a frase inteira depois de alguns dias e perguntei à minha mãe o que significava: “skate é vida”. Nunca gostei de skate, mas me senti realizada por ter, pela primeira vez, escrito uma palavra.
Deixei a frase exposta no armário do meu quarto por um tempo, e toda vez que a via, eu me encantava em saber que era possível definir sentimentos, gostos, objetos, tudo, enfim, por meio de palavras, que para mim nada mais eram do que o contorno de letras no papel. Eu não sabia o nome do autor daquele cartaz, tampouco sabia à qual turma pertencia, mas mesmo assim me sentia, naquele momento, agradecida pela revelação inconsciente que ele me fazia: “você nasceu para brincar com as letras”.
No ano seguinte aprendi a ler e a escrever, e no mesmo estilo do cartaz que iniciou minha história nesse mundo, escrevia quase todos os dias frases que expressassem coisas das quais eu gostava, como “futebol é vida”, “família é vida”, “desenhar é vida”, “escrever é vida”. “Skate é vida” já nem existia mais fisicamente, tinha sido arrancado do corredor da escola e do armário do meu quarto, mas toda a vez que eu conseguia escrever algo mais complexo, como frases mais longas, eu me lembrava daquele cartaz.
Quando percebi já estava completamente inserida no mundo das letras, mergulhada na vastidão de significados da Língua Portuguesa. No ensino médio, um dia, na escola, meus amigos me convidaram para uma aula de skate. A prática em si foi desastrosa, nunca soube praticar esse esporte, mas enquanto eu tentava andar, o cartaz me veio à cabeça como uma lembrança do início da minha vida de escritora, que naquele momento era mais assídua do que nunca: escrevia poemas, contos, dissertações e crônicas, que iam para os corredores do colégio ficar expostos, do mesmo modo que o cartaz “skate é vida” ficou. De alguma forma, eu o devolvi à parede, mas com uma pequena alteração: diferentemente do que afirmaram em “skate é vida”, a vida, para mim, é escrever.
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