Aluno 122
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Nem sempre é fácil lembrar de quando ou como começamos a fazer algo, quando ou como adquirimos certo hábito. Às vezes, passamos a usar determinado tipo de roupa, por exemplo, por acaso, por um mero deslize no cotidiano que, a partir daí, se mantém em nossas vidas. No caso da leitura, no entanto, algumas lembranças bem vívidas me vêm à mente sem muito esforço: comecei a ler porque fui incentivado, desde criança, a isso.
Ainda estava nas séries iniciais quando minha mãe me levou àquela que foi a minha primeira visita a uma biblioteca. Lembro-me da sensação inquietante de contemplar as estantes que pareciam muito mais altas do que eu (e que hoje em dia talvez já não sejam tão altas assim), curioso para saber o que guardava cada um daqueles livros cuidadosamente dispostos em fileiras. Minha mãe saciou minha curiosidade, ou pelo menos parte dela, a parte inicial, ao ler para mim Reinações de Narizinho, um dos livros da coleção do Sítio do Picapau Amarelo. Pensando por outro lado, talvez minha curiosidade só tenha aumentado, porque, depois disso, comecei a pedir que lesse os próximos. Ela concordou, mas começou a exigir que eu também participasse da leitura e não mais só ouvisse. Nesse sentido, acredito que sua atitude estava em consonância com a ideia de Rottava (2000, p. 13) sobre a função da família na construção do hábito de leitura, que “não deve deixar somente para a escola o papel de despertar, incentivar e motivar a leitura”, mas “proporcionar aos seus filhos o acesso às publicações e incentivá-los à leitura”.
Aquele foi um momento decisivo. Duas opções distintas se apresentaram diante de mim: aceitar o desafio e começar a ler também, ou abandonar a ideia e procurar outro divertimento qualquer, uma vez que havia perdido a comodidade de ter alguém para ler para mim, decifrando aquilo que tanto atiçava a minha curiosidade. Se tivesse tomado a segunda decisão, talvez nunca tivesse construído o hábito da leitura, mas, graças a alguma insistência de minha mãe, escolhi a primeira opção e dei início à leitura do livro seguinte, Caçadas de Pedrinho. Nada teria me conquistado mais do que a sensação de ler sozinho, que eu lembro de comparar a algo como ter uma televisão dentro de minha mente, algo que ativava a minha imaginação e me fazia visualizar a história de maneira tal que nenhum outro meio era capaz, por mais tecnológico que fosse. Desde então, avancei em minhas leituras.
Do Sítio do Picapau Amarelo até os clássicos machadianos foi um longo caminho, mas acredito que cada etapa foi essencial para que o meu atual entendimento do mundo das letras se tornasse possível. À medida que lia, novos mundos se abriam para mim; novas possibilidades, antes ocultas, se revelavam; novos pontos de vista, novas formas de perceber a realidade, que nem sempre convergiam com as minhas ideias, apareciam nas páginas de cada livro que eu abria. Se antes eu achava que não havia mais nada que a história dos gregos antigos pudesse me ensinar, foi com a ludicidade de Percy Jackson e os olimpianos que me convenci do contrário. Mais além: se antes eu achava fácil assumir uma posição de alteridade e empatia, colocar-se no lugar de outra pessoa, foi com A hora da estrela que aprendi não haver quase nada tão difícil isso.
Assim sendo, sou levado a concluir que, ao “plantar” em mim o hábito da leitura, minha mãe também estava promovendo-a como uma forma de pensar o mundo criticamente; “Um valor, portanto. Um valor que carrega um princípio de humanidade e que implica, mais que o simples hábito, uma atitude” (BRITTO, 2012, p. 30). Tal valor eu mais tarde transferiria para a minha escrita, que, assim como grande parte de quem eu sou hoje, teve início na leitura.
Referências
BRITTO, Luiz Percival Leme. “Leitura: acepções, sentido e valor” In: Nuances: estudos sobre Educação, ano XVIII, v. 21, nº 22, p. 18-32, janeiro/abril de 2012.
ROTTAVA, Lucia. “A Importância da Leitura na Construção do Conhecimento” In: Espaços da Escola, ano 9, nº 35, Editora Unijuí, p. 11-16, janeiro/março de 2000.
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