Aluno 145
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Em meados dos anos 60, Noêmia estava prestes a tomar a decisão mais difícil de sua vida: acabar com um casamento de anos, estável, porém infeliz, ou manter as aparências para não manchar a reputação de sua família. Passou intermináveis noites em claro imaginando o que seria de sua vida na cidade fronteiriça de Santana do Livramento, com três filhas pequenas (frutos daquela relação que tanto lhe trazia tristezas) e uma afilhada, sob sua tutela desde a morte de sua comadre. Numa tarde chuvosa de outono, percebeu que a única pessoa que poderia lhe aconselhar seria aquele senhor barbudo, opositor veemente do homem com quem ela havia se casado, seu pai.
O conselho – se mudar para a capital, com todas as coisas que chamava de suas, suas filhas de baixo da saia e a perspectiva de uma vida nova, onde não teria a fama de “mal falada” – era a melhor saída para a situação em que se encontrava. Organizou a partida com a maior descrição possível e o apoio apenas de seu pai, posto que sua mãe e irmãs não a consideravam uma mulher direita por abandonar o marido, um “homem tão bom”.
Era uma madrugada fria de junho, uma grossa neblina tomava conta das ruas, quando Noêmia, sentada em uma caminhonete, abraçada em suas filhas e com os olhos marejados, despediu-se de seu pai na frente da igreja principal da cidade, para enfrentar uma viagem de sete horas (devido a precariedade das estradas) até Porto Alegre. A chegada ao apartamento no bairro central, sem preocupar-se com o que a população da cidade iria pensar sobre ser mãe solteira. Ela seria uma figura materna e paterna para as quatro crianças e batalharia todos os dias pela felicidade delas e a sua própria, nem que para isso tivesse que trabalhar dobrado.
Noêmia é a minha avó. Cinquenta e três anos se passaram desde que ela deixou o seio de sua família. Hoje, ela tem 83 anos, seu próprio apartamento de frente para o verdadeiro amor de sua vida – o Sport Club Internacional – e passa os finais de semana rodeada por oito netos que a consideram, especialmente eu por ser a única mulher, um exemplo de garra e virtude.
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