sábado, 20 de maio de 2017

As várias formas que eu (não) aprendi a escrever

Reescrita
Aluno 117


Talvez eu não tenha aprendido a escrever, foi-me imposto. Eu era pequeno, estava na escola, a professora debruçava as letras no quadro e eu copiava. Aquela letra emendada, toda agarradinha consigo que escrevia a forma caligráfica de um pato, aquela velha forma P A T O. Assim eu comecei a escrever, ou não, assim eu comecei a copiar o que ela me dizia. Eram palavras soltas no quadro, caderno, livro, casa, rua, agenda, os locais tinham palavras soltas que eu apenas copiava. Eu copiava, não escrevia.
Foi com o passar do tempo que aprendi a escrever, não meramente transpor a história da professora para o meu caderno, mas sim criar eu mesmo algo com as minhas próprias palavras. Sétima série eu participei dum concurso de poesia, a minha própria poesia foi declamada por mim mesmo, aquele grão de pessoa jogando para fora algo que escreveu, ali eu tive a primeira prova concreta de que eu escrevia.
Entretanto, isso não bastava, para escrever era necessário mais, não que eu soubesse como obter essa adição na habilidade da escrita, logo o tempo me mostrou como desmitificar as palavras e usá-las a meu favor. Usei-as como confidentes, amantes, joguei com elas e com os objetos que me cercavam, desde a crise no casamento de meus pais, até os dois corpos mortos que vi. Tudo registrado naquelas letras cursivas em cadernos amassados guardados ao fundo da segunda gaveta do armário do quarto.
As palavras foram vindo a mim de formas diferentes, seja pelos textos excessivamente plagiados pelo quadro da professora, até as novas e encantadoras que vinham a mim pelos livros que meu pai me fornecia a cada viagem que realizava.
O tempo passou, não copio mais textos de quadros negros com giz branco, não debruço meu braço sobre o caderno e escrevo uma fábula ditada. Agora eu escrevo, eu realmente escrevo, eu coloco a música que eu mais gosto, visto as mágoas num um belo casaco, bebo os sentimentos como suco de limão, uso a lascívia que sobrou da minha vida e vomito: eu aprendi a escrever.

Nenhum comentário:

Postar um comentário