quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Vítimas do imprevisível

Aluno 130
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Conheci o Matheus Biteco, ex-jogador de futebol, quando ele ainda atuava nas categorias de base do Grêmio e, por isso, residiu no mesmo prédio que eu por uns anos, pois sempre morei na frente do antigo estádio Olímpico Monumental, que, inclusive, comecei a frequentar para ver meu vizinho treinar. Talvez por causa da proximidade literal que tínhamos, comecei a acompanhar sua carreira mais de perto, e sempre que nos encontrávamos pelos corredores do edifício jogávamos conversa fora. O Bitequinho, como eu o chamava, tinha minha admiração não somente pelo seu talento, mas também, e principalmente, pela pessoa que ele era.
Depois que ele saiu do Grêmio, continuamos nos falando por um tempo, até perdermos de vez o contato, mas nunca deixei de acompanhar os seus jogos e os clubes pelos quais ele passava. Até que ele voltou a jogar no sul do Brasil, em Santa Catarina, pela Associação Chapecoense de Futebol, clube que eu começava a assistir pela rápida ascensão que teve. Então foi um casamento perfeito: acompanhar o Matheus e a Chape ao mesmo tempo. Eu estava cada vez mais envolvida com a história desses dois gigantes, e lembro como fiquei rouca ao vibrar com a classificação da Chape para a final da Copa Sul-Americana. Era a primeira final internacional do clube e um acontecimento único na carreira do meu vizinho distante.
Mas o destino nos surpreende às vezes. Acordei na madrugada do dia da viagem da Chapecoense para a Colômbia, local do primeiro jogo da final, e não acreditei na notícia que li: havia caído o avião que levava o time, o avião que levava meu vizinho Matheus. Mil coisas passaram pela minha cabeça, as lembranças do Biteco treinando no velho Monumental, lembranças das nossas conversas no elevador, lembranças dos lances épicos da Chape até chegar onde chegou... O avião caiu por falta de combustível, como mais tarde ficou comprovado, e a partir dali uma série de reflexões veio conviver comigo. O acidente com o avião da Chapecoense, desastre que tirou a vida do Matheus e de muitas outras pessoas, me deu a percepção de que a vida não é feita de acasos, ela é o próprio. Ela é a injustiça, a ironia. É um avião que derruba sonhos e dá ao mundo inteiro uma aula perfeita da casualidade. Somos todos bonecos do abstrato, eternos candidatos a vítimas do imprevisível. A realidade é que viver é um desafio. A Literatura, com suas frases clássicas, está aí para nos mostrar perfeitamente que “a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.

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