Aluno 152
1 Versão
Cada indivíduo é formado pelo conjunto de memórias e experiências adquiridas no decorrer de sua vida. Para alguns, esse aprendizado é predominante a partir de momentos familiares, como viagens ou simplesmente o cotidiano; para outros, isso é elaborado ao envolverem-se com a música ou com o cinema; e para mim, dedico uma parte significativa de minha construção aos livros. Desde as primeiras memórias infantis, passando pelas angústias adolescentes e até o presente momento, na iniciação à vida adulta, a literatura sempre esteve ao meu lado.
Segundo Rottava (2000, p.13), a família tem um papel imprescindível para despertar, incentivar e motivar a criança a ler, e para mim, isso não foi diferente. Antes mesmo de entrar na escola, eu já havia sido alfabetizada pelos meus pais e sempre tive a disposição diversos livros, além de acesso a biblioteca municipal da pequena cidade onde cresci. Logo, dentre as distintas narrativas as quais fui apresentada, há uma que ainda ocupa um espaço significativo em meu coração: a série literária Dragões de Éter, do escritor brasileiro Raphael Draccon. É válido ressaltar que, assim como afirma Britto (2012, p. 31) “O gosto não é a manifestação de determinações biológicas ou genéticas nem fruto de uma aprendizagem autodirigida e imanente; gosto se aprende, se muda, se cria, se ensina.”. Portanto, é a partir desse ponto de vista que rumo para a reflexão amadurecida de minha experiência com esses livros, após as transformações que passei de gostos e objetivos intelectuais.
Por volta dos meus 12 anos, esbarrei ocasionalmente nessa obra nas prateleiras das livrarias. Durante período, meus interesses tendiam a histórias com mundos de fantasia, nos quais eu via a possibilidade me afastar da realidade conservadora que tinha em casa; e desse modo, encantei-me instantaneamente pela premissa da obra e posteriormente pelo desenvolvimento da narrativa. Como a intenção ao ler era de distanciar-me do cotidiano que vivia, conhecer o mundo de Nova Éter e todos seus seres encantados foi extraordinário. O escritor, além de trazer a vida um conjunto de personagens dos clássicos contos de fada, em uma perspectiva remodelada de suas histórias, também inseria elementos do mundo moderno; como canções, bandas e jogos de video-game. Por ser uma leitora assídua, a narrativa fluía de forma tranquila, era involuntário para mim devorar rapidamente as 500 páginas de cada um dos três volumes.
No momento atual, sou capaz de perceber que essa facilidade ocorria não só pelo meu entusiasmo com temática, como também pelo Conhecimento Prévio que possuía. De acordo com Kleiman (1995, p.13) é por causa dessa bagagem intelectual que é possível realizar a compreensão dos sentidos do texto; não obstante, o autor segmenta esse conceito em três partes, sendo elas: conhecimento linguístico, conhecimento textual e conhecimento de mundo. Em função disso, também sei que apenas os dois primeiros faziam parte do meu domínio quando criança. Conforme as concepções de Kleiman (1995), o conhecimento linguístico é composto da capacidade de compreensão lexical, dos vocabulários, das regras da língua e dos usos da mesma; isso, foi o que me permitiu entender o que se passava pelas páginas da história. E tratando-se do conhecimento textual, esse abrange o tipo de estruturação que o texto apresenta; a qual, em meu caso, era a narração e que eu já havia tido familiaridade anteriormente por outras obras. Ademais, Rottava (2000, p.15) afirma que a escolha do texto “apropriado no nível língua dos leitores” é um dos critérios essenciais para a escolha de um livro, portanto, esse é outro ponto que levou Dragões de Éter a entrar em meu coração na época.
Contudo, foi apenas com o conhecimento de mundo que adquiri ao longo desses 8 anos que pude compreender verdadeiramente a intenção do escritor e a profundidade das reflexões filosóficas que ele trazia. É a partir da capacidade de interpretação da vida real que absorvi as palavras de Draccon e consegui aplicar em meu crescimento as mensagens expostas pelo autor. Como, em Círculos de chuva (2010, p. 28), ele diz “A dor é inevitável. O sofrimento é opcional. ”; e em Caçadores de bruxas (2007, p. 130), onde há a citação “Se um dia tiver uma real oportunidade, e achar que aquela é a única de sua vida, agarre-a com unhas e dentes.”. Assim, dentre outras várias, essas frases foram além de um conjunto de meras palavras dispostas sequencialmente e tornaram-se estruturas constituintes do meu caráter e princípios. Esse é, segundo Britto (2012, p.29-30), o principal objetivo da leitura, a “ampliação da subjetividade e da capacidade de agir com propriedade na sociedade. [...] um hábito humanizador. ”, e também a “atitude reflexiva introspectiva de exame de si e das coisas com que interage, no autocontrole da ação intelectual.”.
Portanto, é a partir disso que retomo a premissa inicial de meu texto; fui moldada pelas minhas experiências de leitura e foi em consequência de muitas delas que obtive o atual modo de ver e agir em sociedade. Hoje, sei que o mundo de Nova Éter não me pertence mais da mesma forma que era quando criança; justamente pelas modificações e crescimento que tive em meu conhecimento de mundo e pelas presentes necessidades de uma maior complexidade linguística e textual no que consumo intelectualmente. Contudo, ainda assim, guardo com muito afeto e carinho todas as experiências literárias que essa série me proporcionou; afinal, como disse Raphael Draccon (2009, p. 69) “Bendito é o homem que cresceu mas que mantém dentro de si a alegria de uma criança, e que vive cada dia como um grande dia.”.
REFERÊNCIAS
BRITTO, Luiz Percival Leme. Leitura: acepções, sentidos e valor. Nuances: estudos sobre Educação. Ano XVIII, v. 21, n. 22, p. 18-32, jan./abr, 2012.
DRACCON, Raphael. Dragões de Éter: Caçadores de Bruxas. 1. ed. São Paulo: Leya, 2007.
___. Dragões de Éter: Corações de Neve. 1. ed. São Paulo: Leya, 2009.
___. Dragões de Éter: Círculos de Chuva. 1. ed. São Paulo: Leya, 2010.
KLEIMAN, Angela. Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura. 4. ed. Campinas - Sp: Pontes Editores, 1995.
ROTTAVA, Lucia. Importância da Leitura na Construção do Conhecimento. Espaços da Escola, Editora Unijuí, Ijuí, n. 35, ano 9, p.11-16, janeiro/março, 2000.
Nenhum comentário:
Postar um comentário