sexta-feira, 28 de julho de 2017

A mudança que vem de fora

Aluno 154
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Uma criança quando questionada sobre o que, em sua vida adulta, tomará por profissão, normalmente responde buscando páreos em seus gostos veementes no momento, ignorando questões que desconhece por possuir pouca experiência de vida. Prontamente responde “detetive!”, como se não houvesse nessa decisão inumeráveis considerações a serem levadas em conta, que não o gosto pelo ideal de detetive que foi inculcado em sua mente. Assim é a relação das pessoas com a leitura se, conforme Rottava (2000, p. 11), “A leitura como construção do conhecimento, portanto, deve ser autêntica, ou seja, vincular-se à realidade do leitor, responder a sua necessidade, suscitar-lhe interpretações livres e liberdade de aprendizado da língua.”, pois não se pode ansiar (da mesma forma que não se pode esperar de uma criança uma resposta coerente acerca de sua futura profissão) que, por exemplo, um leitor que desconhece a história soviética compreenda sua referência intrínseca em “A Revolução dos Bichos” (1945), de Orwell; da mesma forma que não se pode ler um texto escrito em inglês sem saber inglês.
Aos 13 anos acabei me aproximando da arte e me afastando da maior parte de meus amigos, de modo que tornou-se minha principal motivação na vida a interpretação daquilo que consumia. A literatura e a música se fizeram meu principal foco, motivo pelo qual passei a compreender o que via em meu cotidiano, a ver o que não via antes dessa inclinação. O que ocorria na escola, em minhas relações interpessoais, o que notava dentro de mim mesmo, e na sociedade, para tudo aquilo que via em minha vida, encontrava relações na literatura, seja Emil, de Demian (1919), descobrindo a diferença entre o mundo de sombras e o mundo de luz, onde estava protegido; seja na obstinação teimosa de Santiago, de O Velho e o Mar (1952), em pescar o imenso espadarte com quem batalhou até a morte; procurava conselhos em minhas leituras, procurava afirmações para poder me afirmar; poder encontrar resoluções que explicassem como agia ou como agisse: “A leitura só é parte da construção do conhecimento como prática social que se insere nas práticas discursivas de que o leitor participa no cotidiano” (ROTTAVA, 2000, p. 13)
A questão da escolha de profissão está presente durante toda a vida, mas, dado o caráter até então inusitado de ser obrigado a escolher um caminho que, tomado em detrimento de outros fechará algumas portas e abrirá outras, me encontrei desolado quando provocado a buscar minha proficiência. Era claro para mim que, se pudesse, estaria até o dia de minha morte estudando e compondo textos e músicas, mas como sustentar-me com a produção e consumo de arte? Afrontado por essa dúvida, percebi que não conhecia qualquer vocação própria que pudesse significar um trabalho rentável. Essa foi por muito tempo uma preocupação voraz em minha vida. Simplesmente não me ocorria resposta razoável.
Li “A Morte de Ivan Ilitch” (1886), de Tolstói, aos 15 anos, e passou-se que me condoí profundamente pelo protagonista, que morre após ter descoberto que não fez durante a vida o que gostaria de ter feito, morrendo arrependido da vida que levou. A personagem fez um efeito devastador em mim, de forma que a experiência dessa leitura pareceu não ser obra do acaso, encaixando-se perfeitamente ao momento, como fosse algo que saísse do livro e invadisse a realidade: “(...) acredito que a leitura deva provocar no leitor uma reação. Essa, por sua vez, permitirá que sejam emitidas opiniões, pois aceitar ou recusar um assunto é, muitas vezes, o ponto de partida para a construção do conhecimento.” (ROTTAVA, 2000, p. 16). Após a leitura, percebi o que representaria para mim escolher um trabalho que a mim não fizesse sentido, senão a ganância por dinheiro, e pude decidir-me a tomar a decisão de dar importância primaz ao gosto pelo que faria.
REFERÊNCIAS:
1 ROTTAVA, Lúcia. A Importância da Leitura na Construção do Conhecimento. Espaços da Escola, ano 9, n. 35. p. 11-16. Editora Unijuí. Janeiro/março de 2000.

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