quarta-feira, 26 de julho de 2017

O papel transformador da leitura

Aluno 144
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Há pessoas que, diariamente, pensam que há apenas um modo de viver a vida e um único caminho a seguir. À essas, algumas escolhas (quando existem) são inevitáveis. Durante a minha infância conheci muitas dessas pessoas, que não tinham opções (ou criam não ter) e levavam a vida apenas de uma única maneira, sem jamais pensar em suas possibilidades de mudar. A minha infância, em um bairro pobre e violento na periferia de uma cidade, era regada de trajetórias de vida muito parecidas: mulheres que se prostituíam para sustentar vícios; homens bêbados e frustrados; jovens marginais e de família desestruturada; crianças que procuravam o que comer na rua.
Era essa a minha realidade, e teria sido esse o meu destino, não fosse minha mãe fugir um pouco à regra que regia (e rege) as pessoas daquele bairro. Seu padrão de comportamento não era totalmente desconectado do que era o daquelas pessoas, pois quando se vive num mesmo lugar por anos parece-me que a casa dos vizinhos é uma extensão da sua, especialmente em cidades do interior. Mas, ainda assim, ela fez algo excêntrico naquele lugar: incentivava o estudo das filhas. E mais do que isso: ela via os cadernos, o dever de casa, participava das reuniões escolares e exigia boas notas. Assim, no meio das cobranças de minha mãe, buscando não a decepcionar e tentando tirar boas notas, fui apresentada aos livros na 5ª série do Ensino Fundamental, época em que me tornei uma leitora voraz.
O exemplo de minha mãe, que se dedicou para que eu tivesse uma boa educação, serve como exemplo para o que afirma Rottava (2000, p.3): “a família também não deve deixar somente para a escola o papel de despertar, incentivar e motivar a leitura”. Sem o incentivo dela eu não teria me interessado pela leitura a tal ponto que, anos mais tarde, sentisse a necessidade de me graduar em Letras e hoje vos escrever este texto.
Abrir a página de um livro, na minha infância, era como abrir uma nova vida. Tudo em um novo livro me era atraente: novos personagens para conhecer, novos lugares para visitar, novas emoções para sentir. Eu era a garota que vivia, dia após dia, em busca de algo novo escondido nas páginas de livros, até que um dia descobri que o que ali se escondia era eu mesma. De certa forma, ao ler, eu era capaz de me identificar na leitura e compreender o mundo que me cercava, refletindo sobre ele através das narrativas a mim apresentadas e podendo o observar de outro ponto de vista. Isso é afirmado por Freire (1989, p. 9):
“A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. ”
As leituras da minha infância tornaram-me ciente da leitura que eu poderia fazer do mundo em que estou inserida, despertaram-me para a interpretação da minha realidade e da possibilidade de escolha que eu tinha, diante das escolhas que eu percebi existirem por meio da leitura. Ao ler um livro, eu podia analisar o mundo e a realidade em que estava inserida.
Segundo Rottava (2000, p. 4), a leitura permite a construção de sentidos. Esses sentidos, ao serem construídos por meio da leitura, permitiram que uma garota, outrora predestinada à subvida do tráfico e da prostituição, pudesse realizar escolhas que estavam distantes de sua realidade e operassem nela uma mudança de visão de mundo. Daí parte hoje a minha ideia sobre uma leitura e literatura que é capaz de transformar vidas, conceitos e paradigmas.

REFERENCIAS
ROTTAVA, Lúcia. A importância da leitura na construção do conhecimento. Revista Espaços da Escola, Ijuí, Editora UNIJUI, a.9, n.35, jan-mar. 2000, p11-16.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. Cortez Editora, 1989.

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