Reescrita
Aluno 145
A primeira decepção amorosa é, na maioria das vezes, um dos momentos mais difíceis na vida de qualquer adolescente que acredite na vaga possibilidade de passar a vida inteira ao lado da pessoa amada e ainda mais para os que estão acostumados a ler e reler os clássicos românticos, como era o meu caso. Foram dias, e dias, de lágrimas escondidas sob o travesseiro, esperando que ninguém ouvisse o meu pranto para não ter que responder como eu estava após um término de namoro e ouvir o conselho mais comum a todos que tiveram o coração quebrado: “Calma, você vai superar isso”.
Cansada dessa sugestão, fui procurar abrigo no colo da minha avó Noêmia - a pessoa que me parecia nunca ter passado por esse tipo de sofrimento, especialmente por sempre se gabar de seus vinte e três namorados com um enorme sorriso gaiato no rosto. Após contar-lhe tudo o que havia acontecido, ela me abraçou e repetiu o mesmo conselho, acrescentando: “Minha filha, você não precisa de um relacionamento amoroso para ter o seu final feliz”. Eu, tendo em vista o amor fortemente idealizado do Romantismo, perguntei como isso seria possível e então ouvi a história que mudou a minha forma de ver o amor.
Em meados dos anos 60, Noêmia estava prestes a tomar a decisão mais difícil de sua vida: acabar com um casamento de anos, estável, porém infeliz, ou manter as aparências para não manchar a reputação de sua família. Passou intermináveis noites em claro imaginando o que seria de sua vida na cidade fronteiriça de Santana do Livramento, com três filhas pequenas (frutos daquela relação que tanto lhe trazia tristezas) e uma afilhada, sob sua tutela desde a morte de sua comadre. Numa tarde chuvosa de outono, percebeu que a única pessoa que poderia lhe aconselhar seria seu pai, que se opusera veementemente ao seu casamento.
A recomendação – se mudar para a capital, com todas as coisas que chamava de suas, suas filhas de baixo da saia e a perspectiva de uma vida nova, onde não teria a fama de “mal falada” – era a melhor saída para a situação em que se encontrava. Organizou a partida com a maior discrição possível e o apoio apenas de seu pai, posto que sua mãe e irmãs não a consideravam uma mulher direita por abandonar o marido, um “homem tão bom”.
Era uma madrugada fria de junho, uma grossa neblina tomava conta das ruas, quando Noêmia, sentada em uma caminhonete, abraçada em suas filhas e com os olhos marejados, despediu-se de seu pai na frente da igreja principal da cidade, para enfrentar uma viagem de sete horas (devido à precariedade das estradas) até Porto Alegre. A chegada ao apartamento no bairro central, sem preocupar-se com o que a população da cidade iria pensar sobre ser mãe solteira. Ela seria uma figura materna e paterna para as quatro crianças e batalharia todos os dias pela felicidade delas e a sua própria, nem que para isso tivesse que trabalhar dobrado.
Quase cinquenta anos tinham se passado desde o dia em que ela chegou à capital, deixando o seio de sua família, e vivia feliz no seu próprio apartamento próxima aos verdadeiros amores de sua vida: o Sport Club Internacional e seus oito netos. E eu, deitada em seu colo, ouvindo atentamente aquela história levemente sussurrada, finalmente consegui entender o conselho que mediou todas as outras relações da minha vida: para ter o tão sonhado final feliz, eu não precisaria de um relacionamento estável com alguém se tivesse um relacionamento inabalável comigo mesma e com todas as pessoas que estivessem dispostas a partilhar do meu afeto.
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