quarta-feira, 26 de julho de 2017

É só transformar um problema pequeno em uma catástrofe

Reescrita
Aluno 178


Para mim, poucas tarefas são mais fáceis do que trocar um pneu. Geralmente os seres-humanos que a precisam cumprir pegam um instrumento chamado “macaco” no porta-malas, com ele levantam o carro, depois, com uma chave de roda, removem as porcas - girando no sentindo anti-horário - que fixam a roda ao carro. Retiram o inutilizável arco de borracha e o trocam por um novo, geralmente o estepe, encaixando-o no eixo da roda, giram as brocas - agora no sentido horário - e abaixam o carro com o “macaco”. Conheço um método diferente, mágico, tão mágico que poderia ter saído da cabeça de Gabriel García Márquez.
Nunca esquecerei a noite do dia vinte e quatro de outubro de dois mil e quinze. Exatamente às vinte horas decidi ir até o sítio dos meus avós pois estava com saudade, peguei o carro de meu tio e fui. Exatas duas horas depois cheguei ao meu destino. Ninguém estava lá. Seis cachorros latiam para mim, quando sai do carro me reconheceram e logo pediram carinho, os afaguei; abri o portão mal fechado; entrei no automóvel e quando o acelerei ouvi o típico barulho de pneu furando. “Puta merda!”, gritei, era só o que me faltava, sozinha de noite no sítio momentaneamente abandonado. Conduzi o carro para perto da casa também mal trancada e liguei todas as suas luzes esperando enxergar algo no breu. Não adiantou muito. “Como nunca colocaram um poste de luz aqui?” pensei. Fumei três cigarros um atrás do outro e fui procurar um trago na velha residência. Achei um vinho barato de meu avô e tomei tudo o mais rápido possível. Bêbada e frustrada decidi finalmente trocar o maldito pneu. Como todos os seres-humanos que trocam pneus peguei o “macaco” e o estepe no porta-malas. Olhei para o arco de borracha murcho, para a máquina vermelha que me enojava e me sentei. Mesmo sempre ter defendido a ideia de que quem reclamava da chatice e dificuldade de trocar um pneu estava sendo dramático, a minha frustação - e embriaguez - com toda a situação me impediam de perceber que eu estava sendo hipócrita.  “Não vou trocar essa merda, que rateada ter colado aqui” falei para os cães que me observavam completamente relaxados. Exatamente cinco segundos depois Petúnia, a cadela mais velha do sítio, se levantou e foi para o meio do mato. Logo a querida “Túnia” - como minha vó a chamava - voltou, ela estava na companhia de três lagartos rosa: um pequeno como um estojo, um médio como um skate e outro enorme como uma geladeira. Não acreditei em minha visão, por um momento pensei que meu avô tivesse colocado LSD no vinho, mas logo abandonei a ideia. De qualquer forma, minha confusão impedia meu próprio pensamento de fluir, não entedia se o que estava vendo era real. Desisti de entender, me deitei em posição fetal e resolvi só me levantar pela manhã. Dormi.
Despertei com o pequeno lagarto lambendo meu nariz. Olhei para o ser rosa e ele se apresentou: “Boa noite! Prazer, eu sou o Ernesto, esses são meus companheiros Castro e Vilma. Somos os Largatos Compas, ajudamos seres desesperados resolvendo problemas pequenos que eles transformam em catástrofes”. Nesse momento tive a certeza de que meu avô tinha colocado alguma droga na bebida. Sentei e observei os Largatos Compas, com o poder da mente, levantarem o carro um palmo a cima do chão. Vilma, a grande lagarto, retirou a roda com as patas dianteiras - usando apenas sua absurda força - e trocou o pneu colocando o estepe no lugar do murcho, enquanto isso Castro e Ernesto encaravam o automóvel para ele permanecer no ar. Vilma terminou o trabalho e o carro lentamente voltou ao chão. Os três olharam para mim e Castro falou “Tudo certo chefia, haha! Cuida-te guria, boa noite! Viva la revolución!” “Hasta la victoria, siempre!” respondi automaticamente. Os três se despediram dos cães e foram calmamente de volta para o mato. Petúnia se deitou ao meu lado e sorriu. Eu permanecia confusa, não sabia se estava sonhando, se no vinho havia algum psicodélico. Cogitei ainda que eu estaria sofrendo do “complexo de Dom Quixote” e que minha cabeça havia me levado para algum tipo de fábula louquíssima. Novamente, dentro dessa confusão mental, decidi parar de tentar entender o que se passava ao meu redor. Procurei meu cigarro; não encontrei a carteira e fiquei tão triste que não me dei o trabalho de ir para cama, me enrosquei na a cadela e dormi novamente.
As oito e quarenta e dois da manhã acordei com dor de cabeça, não lembrava se a noite anterior tinha sido sonho ou realidade, só conseguia pensar em, mais seguidamente, beber os vinhos de meu avô. Me levantei e vi que todos os pneus estavam completamente cheios. Coloquei o “macaco” e o velho pneu que estavam no chão no porta-malas. “Devo ter trocado a parada e viajado enquanto isso” pensei. Fechei o bagageiro, a porta da casa e liguei o “auto”. Quando já estava saindo do sítio vi, de relance, um lagarto rosa fumando um cigarro.

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