Aluno 163
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Não.
Por favor, não.
Não hoje. Não agora.
Cruzei os dedos antes de descer do carro pra ver o que tinha acontecido lá atrás. Não precisei chegar muito perto pra enxergar o pneu murcho. Respirei fundo, isso só podia ser um castigo cármico por ter sido teimosa e não ter aceitado vir mais cedo com a minha família.
Consultei o relógio, 16h45, se eu conseguisse voltar pra estrada em uma hora, daria tempo de chegar a igreja. Nem tudo estava perdido, então. Eu não tinha muitas opções ou ficava ali esperando uma boa alma que soubesse trocar pneu passar ou ligava pra alguém vir me buscar.
Olhei ao redor na esperança de avistar uma pessoa que pudesse me ajudar. A não ser pelos pinheiros gigantescos, eu estava sozinha no meio do nada. No que eu estava pensando quando resolvi tomar um atalho que mal sabia onde começava ou terminava?
Peguei o celular e tentei ligar pro meu pai. Não chamou nenhuma vez, não tinha uma barrinha de sinal. Andei mais uns dois passos, nada, mais três metros, nadinha. Desisti de procurar sinal quando não conseguia mais enxergar meu carro vermelho entre as árvores compridas.
Eu podia culpar a minha irmã por ter me metido naquela roubada. O que aquela desnaturada tinha na cabeça? Custava marcar o casório em uma igreja mais perto de casa? Ou pelo menos, em uma que não ficasse no meio do mato?
Me escorei contra o capô cheio de poeira da estrada sem asfalto. O que diabos eu ia fazer agora? Esperar? Trancar o carro e seguir a estrada até achar alguma casa ou um posto? Ou tentar trocar o pneu?
Me senti ainda mais estúpida por não ter cogitado isso antes, não deveria ser tão difícil assim. Abri o porta mala, sem ter muita certeza se estava mesmo olhando no lugar certo, e levantei o forro de feltro cinza. O pneu estava ali parado, me encarando como se duvidasse que eu fosse conseguir troca-lo em menos de quarenta minutos.
Tirei um triângulo vermelho que não parecia ter serventia nenhuma, o tal macaco que um dia eu tinha visto meu pai usar e o negócio estranho de desaparafusar. Respirei fundo e puxei o estepe do porta mala, era bem mais leve do que eu esperava.
O que eu faço agora?
Rebobinei na minha cabeça a cena do meu pai trocando o pneu há uns dois meses atrás. Fora o macaco, eu não conseguia pensar em mais nada. Por que eu nunca aprendi a fazer isso antes?
Encarando o conjunto da obra, o pneu murcho, estepe, o macaco, e o negócio dos parafusos, me senti um pouco capaz de resolver aquilo. Se outras pessoas conseguiam, por que eu não conseguiria?
Tirei minha jaqueta jeans e a atirei pra dentro do carro, ainda meio em dúvida sobre o que fazer a seguir, coloquei o macaco de baixo do carro. Esperei alguma coisa incrível acontecer, como o carro perceber que precisava levantar um pouco pra que eu pudesse tirar aquela porcaria murcha do lugar. Mas tudo continuou igual. Encarei o macaco mais de perto e enxerguei uma manivela meio estranha, a girei pra direita, nada aconteceu, a girei pra esquerda e o carro deu uma leve mexida.
Fiz isso mais algumas vezes e o carro levantou o suficiente pra que o pneu não participasse da distribuição do peso da lataria. Ainda sentindo a adrenalina da vitória momentânea, peguei o desaparafusador e enfiei num dos buracos. Tentei girar pra esquerda, pra direita, encaixar de outro jeito, mas nada foi suficiente pra fazer o parafuso afrouxar.
Sem tempo nem paciência, enfiei mais uma vez o negócio no buraco num ângulo em que eu pudesse chutar, também não adiantou de nada. Já com raiva de estar passando por isso, subi em cima do desaparafusador e tcharã, meus 70kg venceram o parafuso. Fiz isso mais quatro vezes antes de tentar puxar o pneu imbecil, o maldito continuou no lugar.
Faltavam 10 minutos pra ficar oficialmente atrasada, então, na pressa, abracei o pneu com força e me impulsionei pra trás. Caí no chão estatelada com o pneu contra o peito. Aquela situação era tão patética que foi impossível não rir sozinha no meio da estrada.
Coloquei o estepe no lugar, enfiei os parafusos em tempo recorde e depois de ter certeza de que todos estavam bem firmes, tirei o macaco do lugar. Enfiei tudo no banco de trás e dei partida, eu chegaria a tempo de me arrumar pro casamento.
Conseguia sentir o suor escorrendo pelas minhas costas, meu cabelo grudando na nuca e, sem dúvida nenhuma, eu estava sujando todo o estofado do meu carro com a areia que tomava conta da minha roupa, mas nem isso tiraria o gosto da vitória por ter trocado um pneu sozinha.
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