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Aluno 142
Esse é o começo de um texto digno de quem está desesperado. Eu não tenho ideia, acho tudo chato e todo mundo na minha família tem uma história muito bonita para contar, mas eu não consigo escrever sobre nenhuma. Queria algo que fosse muito incrível, muito lindo, que captasse a atenção de todo mundo, mas achava tudo chato. Tomada por uma crise existencial/criativa, abro a porta do apartamento sem ânimo nenhum. Olho para Jéssica, minha prima que mora comigo, em Porto Alegre, largo minha mochila, me jogo no chão, sim, porque tudo faz parte do meu show, meu amor. Sem perspectiva ou esperança, solto a seguinte frase: - Não sei mais o que fazer. Já escrevi três histórias e não gostei de nenhuma. - Já beijei uns trinta caras e não gostei de nenhum – essa voz ecoou de uma das cadeiras de praia que usamos na “sala” porque não temos dinheiro para comprar um sofá. Nada muito lindo de se contar também. Recorri as minhas memórias para procurar alguma bela história que pudesse fazer alguém chorar ou rir. Sem sucesso e no ápice do meu desespero juvenil, enviei a seguinte mensagem no grupo do WhatsApp da família o que suscitou uma série de novas decepções: - Mãe, eu não sei o que eu faço, eu preciso escrever uma história para amanhã e eu não tenho ideia do que falar! - Te vira! – Respondeu a mulher que me deu à luz, com toda a delicadeza e compreensão. - Fala sobre Deus, sobre família – disse meu pai, que diferente da minha mãe, preza pelo meu futuro e a conservação dos valores de direita. - Ai, pai, obrigada, mas acho que isso não vai rolar... - Filha, fala de como eu aguento teu pai há mais de vinte anos e sobrevivi. Mentira, amor, eu te amo por isso eu te aguento. Sem ajuda, novamente, pensei em contar como os meus pais se conheceram. Foi no casamento de amigos que eles tinham em comum. E o meu pai pediu minha mãe em casamento no final de semana seguinte, sem eles ao menos estarem namorando. Ela disse não, é claro, mas a vida dá voltas, meus amigos... Mais tarde, fui atrás da Bia, que é minha outra prima, ela é um ano mais nova, fomos criadas juntas, dividimos meio terreno nos fundos da casa dos meus avós durante cinco anos, mais próximas impossível. Ela tinha que saber alguma história belíssima sobre amizade e companheirismo. A verdade é bem menos glamorosa, nós vivíamos brigando. E por isso, tudo que a doce Bia conseguiu lembrar foi de hematomas e cicatrizes que carregamos até hoje, no corpo e na alma. Como, por exemplo, da vez que cortei o cabelo dela e a deixei careca justo no aniversário de dois aninhos. Ou de quando ela quis meu pacotinho de pão de mel e porque eu não dei, ela tomou da minha mão, e deu com ele no meu nariz. Ele sangrou tanto que tivemos que ir para o plantão. Enfim, como se pode perceber, minhas histórias não são muito bonitas. E minhas expectativas foram completamente destruídas. Não ia conseguir escrever nada pela minha falta de ideia. E foi aí que eu percebi o quanto os contratempos que me afastaram do que eu esperava foram maravilhosos. Eu aprendi que há algo de literário no fracasso. E que as histórias mais legais são as que são de verdade, e elas só são de verdade porque não terminaram do jeito que a gente esperava. Essa é a minha sexta tentativa depois de cinco belos fracassos. Nenhuma terminou do jeito que eu esperava.
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