Reescrita
Aluno 172
Buscando em minhas lembranças, percebo o extenso caminho que percorri no processo de prática da leitura. Minha relação com livros e quadrinhos edificou-se de maneira bastante espontânea, bastando ver-me alfabetizada e, por conseguinte, capaz de decodificar todo e qualquer amontoado de letrinhas que encontrasse para buscar por conta própria esse hábito. Apesar de provir de um núcleo familiar não letrado, vejo que, até certo ponto, não faltaram esforços por parte de minha mãe para influenciar essa prática que, aos olhos dela, era tão nobre. Contudo, mesmo diante dessas circunstâncias, ao ingressar na universidade, percebi que a bagagem literária que trazia estava longe de ser o suficiente para a minha jornada acadêmica.
Inegavelmente, foram diversas as obras que causaram-me algum impacto no decorrer de minha trajetória como leitora. Explorei a singela biblioteca da pequena escola que frequentei, com afinco, durante muitos anos. A formação de meus sentidos, assim como meu amadurecimento se deu, sem dúvidas, por parte, pela influência dos muitos personagens que conheci, explorei e acompanhei durante meu crescimento. A inteligência e determinação de Hermione Granger, a ousadia e curiosidade de Miss Marple, a excentricidade e diligência de Gandalf, a audácia e a sensibilidade de Elizabeth Bennet, todos estes, entre muitos outros, foram personagens dentro de universos capazes de me absorver por completo e trazer à tona sensações e emoções úncas. Entretanto, mesmo diante de todas essas prazerosas experiências com a leitura, a que proporcionou maior impacto, atualmente, e fez-me refletir acerca de um fato que já reconhecia, mas que não havia pensado tanto a respeito até o então momento, fora a que tive ao ingressar o curso de Letras, em Agosto de 2016, na disciplina de Filosofia da Educação.
Entrar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, fora, definitivamente, um marco em minha vida. Apenas um pequeno passo, olhando-se o quadro geral de tudo o que estaria por vir, certamente, mas ainda assim, um acontecimento que vinha recheado de euforia e expectativas. Ansiosa para iniciar essa nova fase, mesmo não havendo a possibilidade de cursar as disciplinas da primeira etapa de meu curso no segundo semestre do ano, estava decidida a iniciar meus estudos e matriculei-me em todas as disciplinas disponíveis para mim, ou seja, as que não requeriam pré-requisito, sendo uma delas a já mencionada cadeira de Filosofia da Educação. Contudo, logo após a primeira semana de aulas, ao deparar-me com a indicação de leitura do professor para a aula seguinte, percebi que só não havia, dentro do currículo do curso, a exigência de um pré-requisito para a devida matéria, pois já era esperado dos alunos ingressantes um conhecimento prévio do que ali seria abordado - ou como seria abordado -, algo que eu temia não possuir.
O conhecimento prévio a que me refiro não diz respeito somente ao conteúdo em si que é levantado, mas também à maneira como ele é apresentado. Desta forma, eu, uma leitora que, até então, possuía uma experiência quase que nula ao tratar-se de artigos acadêmicos e textos de cunho mais subjetivo - ao meu ver, eram bastante - e rebuscado, senti-me bastante desorientada. Entre as diversas leituras que tive contato neste período, a principal e talvez mais dificultosa fora “Experiência formativa e reflexão”, uma obra em homenagem a filósofa de educação, Nadja Hermann, contendo observações de diversos estudiosos do ramo da educação sobre seus trabalhos e teorias.
Estudamos em cima deste livro durante todo o semestre e neste meio tempo cheguei a algumas conclusões. Apesar de reconhecer o valor acadêmico da obra e ter absorvido, a partir, principalmente, das discussões ocorridas em sala de aula, parte do que fora tratado nos capítulos (cada um discutia um viés diferente), percebi que: 1) eu precisava de uma base melhor das produções originais da autora para ter um melhor entendimento; 2) as referências teóricas usadas para fazer alusão aos trabalhos dela eram, também, de difícil compreensão; 3) a linguagem utilizada era bastante intrincada; 4) a universidade - ou, pelo menos, parte do corpo docente - assume que todo aluno é capaz de acompanhar leituras e conteúdos dessa complexidade, o que gera frustração entre aqueles que ainda não possuem essa capacidade.
Volto, consequentemente, a questão da importância do conhecimento prévio para o entendimento do que se está prestes a ler e tratar. Primeiramente, é importante esclarecer que o próprio é constituído a partir do conhecimento linguístico, textual e de mundo que possuímos e que é partir desse conjunto que determinará-se a assimilação - ou a falta dela - do tema a ser deliberado. Kleiman (1995), em “O conhecimento prévio na leitura” explica mais claramente o que essas três competências significam, na prática, e como elas se complementam. Sendo assim, o conhecimento linguístico, aquele que se refere ao processamento do texto, trata-se, basicamente, de dar significação ao agrupamento de palavras que estão sendo lidas; já o conhecimento textual nada mais é que a compreensão das diferentes formas de discurso, e levando-se em conta que cada uma tem uma estrutura e um objetivo distinto sobre como e o que quer transmitir, é de grande utilidade; por último, mas não menos importante, vem o conhecimento de mundo ou enciclopédico. Este engloba todos nossos saberes, tanto aqueles construídos a partir de nossas relações com a sociedade no cotidiano, quanto aqueles aprendidos na escola, a partir de lições, livros didáticos e afins.
Rottava (2012), em seu artigo “A leitura em contexto acadêmico: o processo de construção de sentidos de alunos do primeiro semestre do curso de Letras”, traz elucidações referentes a esse tipo de ocorrência, mostrando, a partir de uma pesquisa, o quão comum ela é para muitos alunos que estão ingressando no ensino superior, o que, apesar de ser um infortúnio, gera certo alívio ao percebermos que “não estamos sozinhos” nesse tipo de situação. A autora afirma que, os alunos, ao depararem-se com novos conceitos que possuem diferentes acepções, dependendo de como são colocados, podem possuir problemas para chegarem a um consenso entre aquilo que compreenderam sobre o texto e aquilo que ele realmente tem a intenção de expressar. A dificuldade de acessar o sentido original pensado pelo autor pode ocorrer pela falta de familiaridade com o conjunto lexical utilizado, com o tema abordado, assim como pela divergência de opiniões entre autor e leitor, sendo assim, o que falta ao leitor é amadurecimento teórico, o que é normal nessa primeira etapa e pode ser resolvido com o tempo, a partir da prática.
Estas ocorrências são algumas das muitas que levam alguns alunos de Letras, que, assim como eu, adentram o curso com uma adoração pela leitura, mas passam a detestá-la no contexto acadêmico e, em certos casos, até mesmo de um modo geral. Confesso que esta nova experiência tem sido um desafio por vezes bastante dificultoso, contudo, creio que não há motivo para tanto. A partir do momentos que tomamos conhecimento desses critérios que são cruciais para um raciocínio coerente do assunto a ser discutido, já vamos começando a ter consciência do porquê da nossa falta de compreensão em determinados contextos, o que, por si só, é o primeiro passo para reverter essa situação. Toda nova etapa possui seus prós e contras, e a leitura e análise dos tão temidos artigos acadêmicos não é exceção.
Referências bibliográficas:
KLEIMAN, Angela. TEXTO E LEITOR: Aspectos Cognitivos da Leitura. 4ª ed. Campinas, SP: Pontes, 1995.
ROTTAVA, Lucia. A leitura em contexto acadêmico: o processo de construção de sentidos de alunos dos primeiros semestres do curso de Letras. Santa Cruz do Sul, 2012.
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