Aluno 114
reescrita
“É como desenhar uma cobrinha”, disse o meu pai ao tentar me ensinar como se escrevia a letra “S”. A letra “S” era um grande desafio para mim, que não tinha nenhum “S” no nome. Ela não era como o “A”, o “I”, ou o “C”, letras que eu manuseava com certa habilidade. Não apenas essas, é claro. Eu tinha, na verdade, um grande talento para escrever qualquer uma das letras que constam no nome “Alice”. Por sinal, acredito que poucas pessoas dominavam a prática de escrever “Alice” em letras tortas e garrafais -usando-se de materiais como tinta, purpurina e canetas coloridas- tão bem quanto eu na época. A letra “S”, no entanto, me custava muito para fazer aparecer no papel.
Mas não havia jeito, eu precisava aprender a traçá-la. Afinal, uma vez que uma criança aprende a escrever seu próprio nome, não há nada mais natural do que se interessar por aprender a escrever o nome de sua melhor amiga. E a letra “S” era, infelizmente, imprescindível para que eu conseguisse escrever o nome da minha: Sophia.
Para a tristeza de meu pai, a sua explicação não foi o suficiente para que eu, que tinha pouquíssima, senão nenhuma, familiaridade com o alfabeto, conseguisse desenhar a maldita letra, e o resultado foi mais ou menos o seguinte:
Mais tarde, naquele mesmo ano, terminadas as férias escolares, eu finalmente me encontrava em uma sala de aula que dispunha de um grande e colorido alfabeto em suas paredes. Um alfabeto tão bonito que fazia com que a tarefa de o memorizar não fosse nem um pouco custosa. Tarefa essa que, ao contrário do que se pode pensar, não fora nem mesmo dada pela professora, mas inventada por nós, alunos.
O desafio foi proposto porque, como se sabe bem, a terceira série do Jardim de Infância é uma fase muito séria na vida de qualquer pessoa, e, para conquistar qualquer admiração ali dentro, era necessário saber o alfabeto. Evidente que nunca se falou explicitamente sobre isso, mas todos sabiam que aqueles que não apenas decoraram o alfabeto, como também sabiam recitá-lo de trás para frente, eram os mesmos que despertavam maior fascínio no restante dos colegas.
Assim, com esse pequeno incentivo, consegui, com facilidade, aprender todas as letras -e como elas deveriam ser desenhadas-, inclusive as mais traiçoeiras, como o “G” e o “Ç”. Desse modo, em não muito tempo, eu já escrevia uma porção de nomes. Até mesmo nomes de pessoas bem pouco relevantes.
Entretanto, cansada de apenas preencher folhas e mais folhas com nomes aleatórios, passei a me dedicar ao traço de outros grupos de palavras. Transição que não foi fácil, mas que tinha lá sua simplicidade em função de que bastava, agora, recombinar aqueles rabiscos já conhecidos para que, juntos, tomassem algum sentido qualquer. Não era necessário descobrir novos códigos, nem memorizar mais nada.
Eram rabiscos claros. Todos aqueles dispostos a ignorar a existência de regras de ortografia e de concordância poderiam entendê-los. Denotavam mais ou menos a mesma coisa para quem quer que os lesse. Parecia ser justamente essa ideia, a de que a minha escrita era passível de ser compreendida, que dava a ela uma mínima relevância para aqueles que a liam; para mim, não. Para mim, os rabiscos que mais tiveram significado foram os primeiros. Fossem eles cobrinhas, ou não.
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