Aluno 177
Reescrita
Primeiro nós não sabemos o que está acontecendo, depois começamos a achar que é nossa culpa, quem sabe com o tempo possamos descobrir que não é, que na verdade é culpa do mundo em que vivemos, que é dele – ou dela – que está ali ao nosso lado jurando amor eterno.
Ana, minha amiga, estava em um relacionamento estável a mais ou menos dois anos, morava junto com seu noivo em Porto Alegre, trabalhava em uma livraria, estudava na UFRGS, cuidava da casa, fazia tudo o que uma mulher “respeitável” deveria fazer, todavia isso não parecia o suficiente para ele: Guilherme, o noivo.
O começo do relacionamento deles era sempre flores, literal e figurativamente, mas como Ana veio a me contar em um dia de chuva na faculdade, as coisas foram mudando gradativamente. Primeiro, ele começou com o ciúme: dos homens que ela tinha a sua volta, na rua, no trabalho, no restaurante, qualquer olhar dirigido a ela significava problema – mas só para ela. Ele dava “chilique”, gritava com ela, chorava e dizia que ela queria chamar a atenção de todos a sua volta, que ela era espalhafatosa, não sabia se diminuir, se conter. Depois, ele veio a ter ciúmes dos amigos, dizia que ela era muita atenciosa, muito “dada”, oferecida, espontânea, que era cega e não via que aqueles amigos davam em cima dela o tempo todo, ele não queria que ela ficasse perto deles muito tempo, e ela repeito esse “pedido” dele. E então, ele começou a achar ruim ela passar muito tempo com a família, que ela ficava pouco em casa, portanto, de novo, ela respeitou o seu “pedido”, e foi diminuindo as visitas.
Depois do ciúme vieram as limitações: a roupa era curta demais, o batom forte demais, o decote muito grande, o salto muito alto, ela saia muito com as amigas, ela, como boa noiva, trocou as roupas por outras, a maquiagem por outra, com o tempo parou de sair com as amigas.
Quando ele conseguiu afastar ela de tudo e todos, ele começou a dizer que ninguém mais iria querer ela além dele, cada briga que ele arranjava – sem motivo aparente, ou por coisas esdrúxulas – ele jogava isso na cara dela. A auto estima da Ana foi baixando aos poucos até chegar ao fundo do poço. Ela foi se tornando uma imagem triste, pequena, invisível, enquanto ele ficava mais radiante. Parecia que ninguém notava que em tão pouco tempo, aquela mulher alegre e radiante, sempre prestativa e amiga, tinha sumido e murchado e virado aquilo.
Nem a Ana parecia notar que ela mesma havia mudado, mas eu não a julgo, pois na nossa sociedade a mulher é criada pra isso: pra ser a dona de casa, obedecer o marido/namorado/pai/irmão, sempre aos pés da figura masculina. Desde criança esse tipo de mentalidade é imposta e devidamente empurrada garganta a baixo das mulheres/meninas, fazendo com que elas passem, sem perceber, por essas situações degradantes.
Um dia, conversando comigo sobre relacionamentos mostrei a ela uma imagem que havia achado interessante, que eu tinha visto em uma página feminista do Facebook, sobre as fases do relacionamento abusivo – que se constitui em violência emocional (xingamentos, cobranças, criticas, fragilização da mulher minando a autoestima e relacionamentos), violência física e a lua de mel – ela, parou e me olhou nos olhos “O Guilherme só não me bate”, “Como assim?”, “Ele briga comigo, restringe minha vida social, minhas roupas, minha maquiagem. Eu achei que era normal, que fazia parte fazer concessões” e aí ela começou a me contar tudo. Aconselhei-a se separar, a desistir daquele noivado e viver a vida dela sem ele, antes que não tivesse volta.
Alguns dias depois, ela tinha voltado para a casa dos pais. No primeiro momento ela sofreu muito, mas depois começou a se afastar e a esquecer ele, tentou até conseguir seguir com a sua vida. Foram momentos difíceis e que demoraram um tempo para passar, pois ela estava muito desgastada e afetada, mas a Ana conseguiu voltar a ser A Ana.
Vendo o que aconteceu com a minha amiga percebi que relacionamentos abusivos não são simples ciclos onde há sempre uma repetição, mas que pode acontecer de varias formas. Que não é algo que todos conseguem perceber, a família, os amigos, mas principalmente a vítima tem dificuldade de ver o que esta acontecendo. Mas, principalmente, que sair dele, se afastar da pessoa que te faz mal é difícil, pois em algum momento a pessoa achou que existia algum laço forte ali.
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