segunda-feira, 10 de julho de 2017

A Sopa

Aluno 149
Reescrita


Meu pai sempre adorou cozinhar. Mesmo chegando exausto após um longo dia de trabalho, os pés cansados por conta das doze horas trabalhadas, olhos que abrem e fecham à medida em que o sono se aproxima, nunca o fazem desanimar: preparar uma bela refeição para reunir a família em volta da mesa é uma de suas grandes paixões. Ainda que suas aventuras gastronômicas nem sempre deem certo, desafiar suas habilidades na cozinha é um hábito que ele tem há muito anos, já que, em uma família de 8 irmãos, alguém deveria saber cozinhar.  Porém, meu pai nunca soube muito bem como utilizar seus temperos. Mesmo sem querer, ele sempre comete seus excessos: excesso de orégano, de manjericão, de sálvia, entre outros temperos dos quais não se desprende nem se desfaz. Enquanto prepara as refeições lhe vem à memória as músicas de sua juventude, cantando-as tão alto que quase parece Luciano Pavarotti. Aos poucos, começa a relembrar anedotas de seus velhos amigos e histórias sobre minha falecida avó Aduzina, com quem aprendeu a cozinhar.
Nos dias frios que vieram com o outono, ele decidiu preparar uma bela sopa para aquecer o estômago, e eu logo fiquei receosa: o que poderia sair das loucas invenções culinárias de meu pai? Animado para prepará-la, foi rapidamente ao mercado comprar os ingredientes necessários, mas como sempre se esquece de alguma coisa, precisou voltar ao perceber que não tinha trazido seu querido vinho tinto. Finalmente com tudo preparado para fazer a sopa, começou a cortar os legumes rapidamente e logo colocou tudo em uma grande panela de metal, enquanto refogava e petiscava a carne, cortada delicadamente em pequenos cubos.
- Mais um pouquinho de sal! – Disse ele, decidido.
Visitei algumas vezes a cozinha para ver se o desastre não havia se instaurado, e ao ver que tudo estava relativamente em ordem, a única coisa que fiz foi esperar o resultado da sopa de carne e legumes de meu pai. “Talvez eu deva experimentar um pouco”, pensei. Meu pai não deixou.
- Espera, guria! - Bradou, enquanto tinha um copo de vinho em uma das mãos e uma colher de sopa na outra. Esperei um pouco mais, era o que me restava. Pouco tempo depois, sua voz ecoou da cozinha:
- Está pronta!
Famintos, sentamos na mesa ao mesmo tempo e ansiosos para degustá-la, nos servimos um a um com tanta rapidez que nem mesmo percebi ter derramado algumas gotas de sopa na toalha de mesa. Mas, para que minha mãe não percebesse o incidente, as ocultei com o guardanapo de pano que meu pai havia deixado do meu lado, com a esperança de que ela não tivesse visto nada. Feliz por enfim poder saborear o prato de sopa quente, tomei uma generosa colherada para espantar o frio que fazia naquela noite. Após sentir uma ardência na garganta que fez meus olhos se arregalarem, me dei conta de que minha mãe e irmã estavam com uma cara de espanto tão engraçada, que pareciam ter visto algum fantasma. O motivo era simples: a sopa estava salgada! Não pouco, nem mais ou menos, mas simplesmente intragável.
- Gostaram? – Ele perguntou.
Tentando disfarçar nossas caras de desaprovação causadas pelo excesso de sal, respondemos positivamente com a cabeça. Mas logo a farsa se desfez, quando ele mesmo percebeu o estrago que causou.
- Salguei, não é?
Não entendi como ele havia conseguido tal façanha. Meu pai já tinha salgado a comida algumas vezes, mas não com tanta intensidade. Eis então, que ele revela seu segredo:
- É, acho que foi por causa do sal grosso.
Ele riu e rimos também. Mesmo tendo tomado mais água do que sopa naquela noite fria de outono, percebi o sorriso do meu pai. Logo me dei conta do quão importante era para ele estar ao redor da família, e que o ato de cozinhar transformou-se em sua forma de nos agradecer por estarmos ao seu lado. Mas, uma coisa é inquestionável: sopa e sal grosso não combinam!


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