sábado, 8 de julho de 2017

A surra

Aluno 146
Reescrita


Houve um tempo em que eu passava a maior parte do meu dia envolto dos meus amigos nas cercanias do condomínio onde moro; nos divertiamos com futebol, pega-pega, esconde-esconde, o que surgisse de ideias para aproveitarmos da melhor maneira possível aquela agitação característica da infância. Eu e meus amigos, "vizinhos de porta", formavamos uma aliança travessa que onde havia chance nós certamente faríamos alguma bagunça, certificando-nos sempre da maior discreção possível.  
Há um grande espaço em frente ao nosso prédio, onde era de costume a um tempo atrás nos reunirmos para jogar bola, correr, desperdiçar a energia da tenra idade. Enquanto estávamos alí, víamos passar em frente ao nosso terreno, na calçada, moradores de outros condomínios; nessa época tinhamos a implicância - induzida por amigos mais adolescentes - de provocar um menino que quase todos os dias passava naquele lugar. A provocação era de modo bem organizado: o garoto passava, nós parávamos o futebol, o que estávamos fazendo, e fazíamos careta, ríamos, com o intuito de se divertir naquela situação incomôda (para o menino).   
Não tinha conciência do que fazia, nem eu nem meus amigos; eu já sentia algum receio, mas quando via aquele menino, continuava participando das zoações. Um de meus comparsas, mais ligado aos adolescentes mentores daquela provocação, participava mais ativamente das peripécias; ele ouvia e cumpria tão obstinadamente as ordens daqueles outros que teve a ousadia de numa noite parar o passeio de bicicleta do menino injuriado e desafiá-lo a brigar com ele. Não deu outra. O garoto levou sua magrela até o portão de seu prédio e retornou ao encontro de meu amigo, logo iniciando uma briga que entraria para a história de nossa juventude.
Meu amigo não teve reação. No mesmo momento que viu o outro largando a bicicleta e voltar correndo furioso em direção a ele, foi como que se arrependesse de tudo que tinha feito e aceitasse o que viesse pela frente. Do outro lado do portão, os maiores que iniciaram toda aquela luta prestes a acontecer davam risadas, entusiasmados com aquilo, parecendo estarem vendo um programa de comédia na tv. Mas a cena não foi nada engraçada, principalmente para meu amigo: seus cabelos foram os primeiros alvos do desafiado, que puxou-os de uma só vez e tão forte que arremesou o inerte corpo do outro no chão duro da calçada; após isso, foi uma sucessão de chutes e socos no ar, alguns acertando, outros não, mas meu amigo sempre levando a pior, devido a raiva contida e agora liberada do irado agressor.
Eu, já ciente de que poderia terminar assim, parei muito antes meus atos de zombaria. A briga resultou numa limitação da liberdade que tinhamos naquele espaço; as provocações terminaram; o garoto seguiu passando em frente a calçada, agora encarando-nos; meu amigo foi motivo de piada por um longo tempo - é até hoje, quando relembramos esse momento. A lição tirada disso foi uma grande amostra das consequências de uma ação impensada, e o acréscimo da noção de empatia desde logo cedo em minha vida, que me deixa disposto a tentar imaginar como deve se sentir uma pessoa nos momentos de dificuldade e agressão.

15/05/2017

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