segunda-feira, 10 de julho de 2017

A Marcha Final

Aluno 114
Reescrita


Em meados de novembro de 1940, o orfanato de Dom Sierot foi transferido da rua Krochmalna para a rua Chlodna. Seria ótimo pensar que havia algo de positivo nessa transição, afinal, a nova localização possuía um nome mais fácil de ser pronunciado do que a sua antecedente. Isso, em circunstâncias normais, definitivamente pesaria na preferência de uma criança por um ou outro endereço. No entanto, as crianças do orfanato, ainda que não compreendessem com perfeição o que se passava, sabiam que, em suas posições de judias vivendo sob o governo de nazistas, aquela não se tratava de uma circunstância normal.
A rua Chlodna se encontrava em nada mais nada menos do que no meio do Gueto de Varsóvia, porção da capital polaca que foi designada para todos os habitantes judeus da cidade. A região não representava nem mesmo 3% do espaço da capital, não sendo, portanto, necessário se alongar muito para esclarecer o porquê de esse confinamento se tratar, na verdade, de uma receita para o desastre uma vez que nessa partezinha de território deveria viver aproximadamente 30% da população da cidade.
A superlotação, a constante repressão  dos alemães, a impossibilidade de se conseguir dinheiro e a fome, que a cada dia era amplificada pelas demais condições, tornaram a vida no gueto insuportável para qualquer um, porém um pouco menos para as crianças do orfanato Dom Sierot.
Para elas, os males do gueto tornaram-se, à medida do possível, toleráveis ao esquecerem de tudo aquilo que as circundava e ao adentrarem em seu mundo particular de fantasia, cuidadosamente arquitetado por Janus Korczak. Cumprindo sua função de diretor do orfanato, ele tornou a tarefa de proteger, de amparar e de garantir pelo menos um sopro de alegria para seus pequenos companheiros de aventura a sua prioridade.
Pediatra, pedagogo e provavelmente dono do título de maior defensor da infância e do infantil, Janus permaneceu a todo momento ao lado dos infantes que estavam sob sua tutela. Por ser um dos mais reconhecidos médicos da Europa na época, mais de uma vez lhe foi oferecida a possibilidade de fuga do gueto e da pseudovida que esse implicava, a qual ele recusou com muita convicção uma vez que a mesma oportunidade não foi oferecida para as suas crianças. Se necessário fosse, ele se manteria ao lado delas até a morte.
E foi. Foi necessário. Em 1942, os oficiais nazistas transportaram Korczak e os órfãos do Dom Sierot, assim como boa parte da população do gueto de Varsóvia, para o mais eficiente campo de extermínio da história: Treblinka.
Treblinka. Nome digno para uma fábrica de defuntos. Seco. Ríspido. Nome que faz tremer a língua, ao ser pronunciado, e todo o resto do corpo, ao lembrarmo-nos do que ele representa: uma máquina de matar, uma cadeia de produção em que os prisioneiros chegavam, eram despidos e privados de todos os seus pertences, tinham seus cabelos raspados, e eram, por fim, atumultuados nas câmaras de gás para depois serem jogados no fogo.
Mas para Korczak era inconcebível se despedir de seus pequenos aventureiros daquela maneira. Dessa forma, eles, junto com o restante dos funcionários do orfanato, entraram em marcha em Treblinka. Com Janus na frente, guiando aqueles que foram o seu maior orgulho, todos adentraram as câmaras de gás recusando-se a aceitar aquela realidade, tal como a do gueto, como um fardo ou como a tragédia que o assassinato deles (e de tantos outros) de fato foi.
Caminhar por aquele percurso como se fossem soldados prestes a serem condecorados por seus atos de bravura, e não como gado se dirigindo ao matadouro fez com que a sua história ecoasse até os dias de hoje. Assim, a marcha deles significou, para mim, questionar tudo o que eu concebia a respeito do Holocausto. Não apenas por evidenciar as atrocidades nazistas, mas também por demonstrar a força que o mais simples ato de resistência pode exercer na história e na forma como nós a enxergamos.

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