Aluno 170
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Em uma viagem para o Rio de Janeiro há cerca de dois anos – eu tinha dezenove –, visitei uma exposição em uma galeria de arte que me chamou muito a atenção. Era sobre pessoas com doenças psicológicas, e em um canto de uma sala haviam alguns diários. Lembro de passar horas sentada, sozinha, os folheando.
Um dos diários me tocou em especial. O autor, em todas as páginas, ilustrava algo e, a seguir, escrevia o que aquele desenho significava para ele. Algumas representações poderiam ser consideradas “bobas”, como por exemplo o desenho de uma árvore, em que logo abaixo a palavra árvore estava escrita, não possuindo nenhuma relação de codependência entre elas. Mas para mim significou muito. Ele tentava passar de todas as maneiras para o papel o que estava sentindo em seu interior, e até pode ser que ele de fato não conseguisse passar a mensagem real, mas ele queria. E tentava. Página por página.
Como é bem sabido, diferentes intérpretes chegam a conclusões completamente distintas – opostas até – diante dos mesmos sinais, sendo impossível afirmar que um estaria mais de acordo com o sentido da informação codificada (BRITTO, 2012). O que acontece é que na escrita de um diário, o escritor provavelmente não tem expectativas sobre seus leitores, até porque ele não espera que estes tais leitores existam. Aquele diário era extremamente pessoal. E não há como ter a certeza de que alguém tenha captado a mensagem que ele estava passando, pois esta vinha do interior do autor e tinha como remetente ele próprio. Talvez com o propósito de conhecimento de si mesmo, ou organização de pensamentos, não há como saber. Apenas pode-se realizar distintas interpretações a partir das linguagens que ali estavam colocadas no papel.
BRITTO (2012) afirma: “A mediação com o real se fez pela apresentação de outro real, imediatamente vinculado ao fato objetivo.” O uso dos dois tipo de linguagem no diário daquele autor se fez para isto, apresentar o texto de distintas maneiras, a fim de um único objetivo: o melhor entendimento. A linguagem não-verbal, desta forma, em um mesmo plano que a verbal, está sendo usada como complemento da outra, portanto elas não possuem relações de dependência, mas sim andam juntas. As linguagens, neste caso, devem indicar igual sentido e estão sendo usadas para representação de um mesmo tema.
Encontro distintas significações em tudo que leio, é uma forma de ressignificação e acredito que isso venha a ser ótimo para todos os leitores. Diários sempre foram importantes no meu desenvolvimento interior, e também como escritora, sendo um dos meus tipos de leitura preferidos. Ler o que eu mesma escrevo. Isso faz parte de um auto entendimento que pratico constantemente. E quando imerjo nesse mundo interior de outra pessoa, mesmo que no meu inconsciente, penso em minhas anotações e escolhas de escrita. As necessidades mudam e é nisso que fixamos nossa leitura. Ler, compreender e codificar o que está sendo passado por outro indivíduo é de grande importância para um conhecimento intelectual e pessoal de nós mesmos.
REFERÊNCIAS
BRITTO, Luiz Percival Leme. Leitura: Acepções, sentidos e valor. In: Nuances: estudos sobre educação. V.21, n. 22, p. 18-32, jan./abr. 2012.
KLEIMMAN, Angela B. Abordagens da leitura. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 7, n. 14, p. 13-22, 1o sem. 2004
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