quarta-feira, 26 de julho de 2017

Memória e Percepção

Reescrita
Aluno 182


Ao refletir sobre minhas memórias de leitura ao longo dos anos, me deparei com diversas lembranças. Algumas, por serem mais marcantes na minha trajetória e terem influenciado meu gosto pela leitura, lembro nitidamente - como é o caso da lembrança que tenho do meu primeiro livro “grande” lido. Na época, eu estava no ensino fundamental, e ouvi uma professora comentar sobre Erico Verissimo na aula de história. Ao ressaltar a importância do autor, a professora também falou sobre os aspectos da história do Rio Grande do Sul abordados na trilogia O Tempo e o Vento.
O modo como a professora falou sobre o livro me cativou e despertou minha curiosidade para que algumas semanas mais tarde eu comprasse O Continente, primeira parte da obra. Porém, a decepção foi grande quando o livro não me cativou: com uma linguagem difícil e o meu conhecimento insuficiente da época para esse tipo de leitura, li o livro a muito custo, já que o havia comprado. Estava convencida de que o livro era péssimo e muito chato, e que nunca mais leria esse tal de Erico Verissimo.
Anos mais tarde, me deparei com a mesma obra em um contexto diferente: no terceiro ano do Ensino Médio, a leitura estava sendo cobrada para o vestibular. Ao ver o nome dele na lista de leituras obrigatórias, pensei até em deixá-lo para trás. Olhei-o na minha estante, praticamente intacto e aparentemente novo por ter sido lido apenas uma vez, e decidi relê-lo. E foi assim que “mergulhei” no livro: me emocionei com a história de Ana Terra, do Capitão Rodrigo, e me encantei com os aspectos históricos das missões jesuíticas relatados na obra. No começo, ainda hesitei por alguns momentos antes de ir adiante na leitura. No decorrer da história, porém, pude me deixar envolver pela história e lê-lo com fluidez. Me apaixonei pela obra e, ao finalizá-la, queria ler os outros livros da trilogia e saber tudo que aconteceria posteriormente.
A partir dessa lembrança, refleti sobre o motivo pelo qual não havia gostado do livro inicialmente, e pude comprovar o que KLEIMAN (1995) afirmara: o leitor utiliza diversos níveis de conhecimento que interagem entre si, e por isso a leitura é um processo interativo. Sem esse engajamento do conhecimento prévio do leitor, não haverá compreensão do texto. Além disso, a autora descreve a complexidade do ato de compreender e os múltiplos processos cognitivos que essa tarefa exige. A ideia de conhecimento e sua interação com o leitor  também é exposta no texto de ROTTAVA (2000), que afirma que a leitura está ligada à compreensão de sentidos e, nessa compreensão, é levado em conta o conhecimento do leitor adquirido ao longo da vida.
Diante disso, percebo hoje que, na época em que li a obra, não tinha um conhecimento prévio considerável para entendê-la completamente. Minha bagagem de leitura era insuficiente para compreender aspectos relevantes e construir sentidos. Depois do dia em que li o livro no Ensino Fundamental, segui lendo textos dos mais variados gêneros e autores, e não havia previsto que isso seria tão importante mais tarde para a releitura e entendimento da obra. Todos os conhecimentos adquiridos (linguístico, textual e de mundo) foram essenciais na minha formação como leitora.
          O fato é que esses conhecimentos devem sempre continuar em constante evolução através da leitura, e esta “deve sempre perpassar um propósito” (ROTTAVA, 2000). A autora também afirma que o leitor tem sempre o objetivo de compreender, descobrir ou conhecer algo, e esse propósito constitui a nós, leitores, produtores de conhecimento, e à leitura como evento social.  No meu caso, compreendi a importância dessa memória: ela me fez abrir os olhos e pensar em reler alguns livros dos quais não gostei anos atrás - já que estamos sempre em constante evolução, e nossos sentidos e conhecimentos se constroem a partir dessa evolução. A consequência dessa mudança é a descoberta do mundo, que nos possibilita lê-lo através de nossos próprios olhos, utilizando nossas experiências anteriores para moldar nossa personalidade conforme a evolução de nosso conhecimento.

REFERÊNCIAS:

ROTTAVA, Lucia. A Importância da Leitura na Construção do Conhecimento. Espaços da Escola, Ijuí/RS, v. 35, n. 1, p 11-16, 2000.

KLEIMAN, Angela. Texto e Leitor – Aspectos Cognitivos da Leitura. 4ª ed. Campinas/SP: Pontes, 1955.

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