quarta-feira, 26 de julho de 2017

O Extraordinário Efeito da Socialização da Leitura

Aluno 148
Reescrita


Desde que comecei a ler, por volta dos cinco anos de idade, sempre encarei a leitura como um hábito individual. Era necessário encontrar um ambiente quieto, confortável e, principalmente, sem ninguém em volta, o qual, na maioria das vezes, acabava sendo o meu quarto. Portanto, eu fechava a porta, sentava em minha cama, pegava o livro e adentrava seu mundo, ignorando, assim, o meu. Eu lia sobre os mais variados tópicos, desde mitologia grega até histórias sobre bruxos, mas todas as experiências e aprendizagens encontradas nestas páginas ficavam guardadas dentro de mim.  
Durante minha trajetória no ensino fundamental, apenas se disseminou mais ainda a ideia errônea de que a leitura é uma atividade isolada; lia-se porque haveria provas mais tarde, lia-se para aprender gramática, lia-se sempre com um fim único e acadêmico, nunca para compartilhar impressões com colegas e refletir sobre as obras. O termo “leitura” possui diversos significados, porém minha antiga escola se atinha apenas a um, como exemplifica Rottava (2000, p. 12): “ler pode ser compreendido como simplesmente o ato de decodificar o que um texto apresenta, ou decifrar palavras que são colocadas num determinado texto.”
Foi apenas no ensino médio, especificamente no meu primeiro ano, que isto mudou. Minha professora de português, Vânia, costumava designar livros para lermos, assim como a maioria dos professores de línguas e literatura, mas sua abordagem era diferenciada; não era suficiente apenas ler as obras, devíamos refletir sobre elas, e foi devido a isso que vivi uma das minhas experiências de leitura mais marcantes.
Certa vez, como avaliação, Vânia propôs que falássemos para ela e para a turma sobre um livro de nossa escolha, de qualquer gênero e época. Minha escolha foi pragmática, escolhi uma obra que tinha lido recentemente e que comprei por ter achado a capa bonita: Extraordinário, da escritora R.J Palacio, o qual tratava da história de Auggie Pullman, um menino que, devido a uma doença, teve seu rosto deformado. Em consequência disso, Auggie estudava em casa, até começar o quinto ano em um colégio particular, dessa vez com o desafio de encarar pessoas que não eram da sua família. A mensagem do livro é que devemos olhar além das aparências, ou, como citado em sua própria contracapa: “Não julgue um menino pela cara”, fazendo analogia ao ditado “Não julgue um livro pela capa” (PALACIO, 2013).
Falei, frente à turma e à professora, sobre o enredo e a mensagem, a qual eu achava um pouco clichê, pois é algo que ouvimos com frequência. Tudo correu como um trabalho normal, em que após eu falar sobre meu livro, os colegas seguintes falaram sobre os seus, todos nós interessados na nota que receberíamos depois. Apesar de a tarefa ter sido dada com a finalidade de refletirmos sobre as obras, ao apresentar Extraordinário eu não havia refletido de verdade, e sim me apropriado da mensagem básica do livro e a transmitido sem pensar a fundo sobre.
No entanto, minha reflexão foi um pouco tardia, mas aconteceu. Lembro que foi numa tarde, algumas semanas depois de ter apresentado o trabalho, em que eu estava usando o celular quando, de repente, recebo uma mensagem de um colega com quem não conversava muito. Por isso eu, curiosa, fui logo abri-la, sem ideia alguma do que se tratava. Na mensagem, o colega, Alexei, me agradecia por ter falado sobre Extraordinário, dizendo que o livro havia mudado sua vida e seu jeito de enxergar o mundo, pois ele costumava julgar indivíduos meramente pela aparência.
Para uma menina de dezesseis anos, acostumada a restringir a leitura às quatro paredes de seu quarto, isso foi deveras impactante. Mais do que refletir sobre o aspecto moral do livro, eu fui capaz de perceber que a leitura, se compartilhada, pode exercer efeitos significativos na vida de uma pessoa, como aconteceu com Alexei. Porém, para que isto seja possível, é mister abandonar o pensamento de que ler se resume à decodificação de palavras e passar a enxergá-la como evento social, conforme diz Rottava (2000. p. 14): “[...] os leitores, do mesmo modo como o escritores, compartilham pensamentos e ideias e, particularmente, objetivos afins que os constituem também produtores de conhecimentos”.
Creio que esse foi o objetivo da professora Vânia ao nos designar aquela tarefa; desatrelar a leitura de seu uso meramente acadêmico, principalmente porque nos deixou livres para escolher um livro de que gostávamos (em vez de nos obrigar a ler os cânones batidos), fazendo uso, assim, de um material  “que é familiar e de interesse dos leitores” (ROTTAVA, 2000. p.15).
Por meio daquele trabalho, percebi que precisava abrir a porta do quarto, não limitar minhas leituras àquelas quatro paredes, pois, se tivesse continuado a fazer isso, não teria causado um efeito tão maravilhoso na vida de Alexei. Agora percebo que talvez eu e ele nunca teríamos conversado e construído uma amizade se não fosse por Extraordinário, então podemos observar que a leitura serve para muito mais do que apenas adquirir conhecimento gramatical, por exemplo; serve também para aproximar pessoas e adquirir conhecimento sobre si.
























REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  • ROTTAVA, Lucia. A importância da leitura na construção do conhecimento. Revista Espaços da Escola, Ijuí, Editora UNIJUI, a.9, n.35, jan-mar. 2000, p11-16
  • PALACIO, R. J. Extraordinário. Rio de Janeiro, Editora Intrínseca, 2013.

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