Aluno 180
Reescrita
Ao pensar na minha trajetória de leitura, certas lembranças me vêm à mente. Antes de entrar para a escola, quando eu tinha quatro ou cinco anos, lembro que a minha mãe me levava até o jardim de casa e lia para mim histórias sobre fadas e duendes, mostrando-me as flores, as árvores e as pedras, lugares onde esses seres mágicos moravam e se escondiam de nós, seres humanos. Lembro também que antes de dormir ela abria o livro, onde estavam as histórias que eu mais gostava, e pedia para que eu fechasse os olhos e imaginasse as cenas que ela narrava. E, com essas histórias, eu viajava por diversos lugares ao lado dos sete anões da Branca de Neve, ajudava os Três Porquinhos a resistir ao Lobo Mau, fugia junto com a Cinderela para ir até o baile e me transformava na própria Rapunzel, afinal eu tinha o mesmo cabelo loiro e comprido, e um espírito aventureiro para fugir de uma torre muito alta.
Analisando essas experiências, podemos notar que, ao ouvir as histórias que minha mãe contava, no jardim de casa, “a linguagem e a realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto.” (FREIRE, 1989, p. 9). Ao relacionar a fantasia que existia nos contos com os elementos reais que estavam presentes no meio em que eu vivia - como quando eu observava a palavra “flor” presente no livro de minha mãe e a flor real que existia no jardim - eu comecei a entender o que era e para que servia a leitura. Quando, antes de dormir, minha mãe narrava os contos para mim, e eu observava as palavras e figuras presentes nos livros, eu percebi que a leitura poderia ser um instrumento de lazer e prazer, pois, mesmo que eu não soubesse ler, através das histórias eu conseguia desfrutar das aventuras fornecidas pelos contos através da minha imaginação. Isso fez com que eu me apaixonasse pela leitura, e me senti muito motivada para entrar para a escola e, finalmente, aprender a ler.
Aos seis anos, eu entrei para a escola. Eu era a criança mais nova da classe, e uma das mais felizes em estar lá. Para que nós, alunos, aprendêssemos a ler, a professora nos ensinava palavras que estavam muito presentes no nosso dia a dia. Ela nos presenteava com pirulitos e nos ensinava a escrever essa palavra. Nós aprendemos as palavras “bola”, “jogador” e “goleira” logo após de termos jogado futebol durante o recreio. Ela nos ensinava a ler histórias onde existiam crianças iguais a nós, que, nos seus contos, brincavam e se divertiam. E, além disso, lembro que ela sempre nos incentivava a pensar sobre as histórias que trazia; analisar as atitudes dos personagens, se eram boas ou ruins; compreender o contexto e dar a nossa opinião sobre os contos. Ela trazia a leitura para o nosso meio social, e com isso podemos concluir que “promover a leitura seria promover uma forma de pertencimento crítico ao mundo. Um valor, portanto. Um valor que carrega um princípio de humanidade e que implica, mais que o simples hábito, uma atitude.” (BRITTO, 2012, P. 30). Depois de aprender a ler, a leitura se tornou um hábito para mim. A professora me apresentou a biblioteca da escola e toda a semana eu escolhia um livro diferente para ler em casa.
Na oitava série do ensino fundamental a minha professora de literatura começou a trabalhar com alguns contos, livros e crônicas para discutirmos em aula as ideias que as obras poderiam nos transmitir. Ela trazia contos de autores como Luis Fernando Veríssimo e Lygia Fagundes Telles, colunas e crônicas da escritora Lya Luft, e livros dos escritores Machado de Assis, José de Alencar, Jorge Amado, entre outros. Nós líamos essas obras em casa e durante a aula era aberto um espaço para fazer as nossas críticas e expor comentários sobre o que tínhamos lido. Com esses exercícios, passei a compreender melhor o que Britto expõe sobre a leitura ser “mais que o simples hábito, uma atitude.”( 2012, P. 30). Percebi que um texto pode ser um instrumento de transmissão de ideias e de informações, e assim, fui desenvolvendo um pensamento mais crítico sobre a leitura e passei a ler não só por prazer, mas também para compreender como os livros que eu lia influenciavam na sociedade e qual era a mensagem que eles queriam trazer.
A leitura sempre esteve tão presente na minha trajetória que, ao terminar o ensino médio, escolhi cursar Letras. Na disciplina de Leituras Orientadas I, no curso de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nós lemos, analisamos e interpretamos textos de autores fundamentais da Literatura Ocidental, observando através das obras as transformações decisivas da História literária ocidental. E assim, eu ponho em prática os conhecimentos que adquiri ao longo da minha formação escolar, e continuo aprendendo sobre esse assunto que me encanta desde que eu descobri o seu significado: a leitura.
Esses acontecimentos ficaram gravados na minha memória, pois foram muito importantes para a minha formação como leitora. O incentivo que recebi da minha mãe para começar a ler, e gostar dessa prática, me forneceu o que Kleiman (1995, p. 13) chama de “conhecimento prévio”.
“A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto.”
E esse conhecimento prévio também foi explorado pelas minhas professoras, que sempre incentivaram os seus alunos a enxergarem a leitura como um instrumento de prazer e, mais do que isso, uma forma de compreender e interpretar o mundo.
Referências
BRITTO, Luiz Percival Leme. Leitura: Acepções, sentidos e valor. In: Nuances: estudos sobre educação, v.21, nº 22, jan./abr. 2012, p. 30.
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989, p. 9.
KLEIMAN, Angela. Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura. 4ª. Ed. Campinas, SP: Pontes, 1995, p. 13.
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