terça-feira, 18 de julho de 2017

Tia Jaluza

Aluno 121
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Na minha família existiu, porque já é falecida, uma personagem que, a despeito de sua eterna antipatia, deixou marcas profundas em várias gerações.
Seu nome era Jaluza, irmã de minha bisavó.
         A tia Jaluza, como era chamada, sempre fora ranzinza. Os mais velhos contam que desde muito pequena não se dava com as irmãs. Fazia travessuras e botava a culpa nos outros, fazia intrigas entre as irmãs, pais e demais familiares. Fazia o diabo a quatro, como dizem.
         Sempre de mau humor, reclamava de tudo, se achava injustiçada pela vida por não ser dotada de grande beleza, nem de grande inteligência e, talvez por isso, vivia num mundo só seu, sem fazer questão de ver todo o resto de bom que a vida lhe proporcionara.
         Apesar de seu humor intragável, os pais sempre a trataram igual aos outros filhos, as irmãs sempre tentavam incluí-la nas brincadeiras. Mesmo no colégio as colegas e professoras eram pacienciosas.
         A Tia Jaluza cresceu assim, com fama de ‘estraga-prazeres’.
        Contudo, mesmo contra todos os prognósticos, arranjou namorado, noivou, casou e teve dois filhos.
        Contam que o marido era um santo e padeceu nas mãos dela. Por isso teria morrido cedo de problemas no coração. Já os filhos conseguiram amolecer um pouco tanta frieza e até arrancavam sorrisos dela. Porém, até eles, assim que puderam, partiram para estudar e fazer as suas vidas longe daquela mãe durona, protetora e sempre de cara amarrada.
          A Tia Jaluza vivia muito bem com a pensão e as rendas que recebia pela morte do marido. Ocasionalmente viajava. Sozinha. Frequentava restaurantes finos. Sozinha. Se vestia bem. Nunca convidava parente algum para visitá-la.
           No final da vida, adoeceu. E para a surpresa dela mesma, tanto as irmãs, como sobrinhos e sobrinhas se revezavam nos cuidados com ela no hospital e depois, quando foi para casa.
           Os filhos seguiram com as suas vidas, mas não deixaram lhe faltar recursos financeiros para que ela tivesse os melhores médicos, tratamentos, enfermeiros e cuidadores.
            Mesmo não se fazendo necessários os cuidados e o carinho da família, os parentes não a abandonaram. A acompanhavam nas consultas e exames, faziam visitas diárias e, principalmente, a lembravam de como ela era amada por todos.
            Eu era pequeno quando ela morreu, mas lembro do dia em que ela chamou a todos e pediu perdão por nunca ter demonstrado o seu amor, por nunca ter sorrido, incentivado, oferecido o seu ombro, ou um conselho, ou mesmo dinheiro. Confessou não saber de onde havia brotado tanto recalque e revolta com a vida. Uma vida que havia sido generosa com ela. Uma vida cheia de méritos que ela nunca soube valorizar.
             Nesse mesmo dia a Tia Jaluza faleceu e a sua história sempre me comoveu. Eu cresci com o pensamento de que devemos valorizar cada pequena coisa boa que nos acontece e devemos sorrir para a vida, nos bons e maus momentos. Me dei conta de que no meu próprio convívio dentro de casa eu não valorizava a bondade dos meus familiares. Principalmente a da minha mãe. Mesmo eu tendo uma relação bastante forte com ela, fui esquecendo da individualidade dela, que mesmo trabalhando o dia inteiro indo de um lado para o outro, pois ela é professora particular, ela fazia de tudo pra trazer leveza pro dia-a-dia da família. Percebi que toda a disponibilidade que ela arranjava pra mim não tinha muito retorno da minha parte.
             Fico feliz em saber que a Tia Jaluza não partiu sem ter tido a oportunidade de pedir perdão e mostrar a sua gratidão. Até nos instantes finais de sua vida ela teve méritos. Pelo menos, daquela vez, ela soube reconhecê-los e também me deixou um bela mudança de perspectiva.

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