segunda-feira, 10 de julho de 2017

Como aprendi e comecei a escrever

Aluno 181
Reescrita


Ainda bem nova eu brincava com uma antiga máquina de escrever que minha herdou de um cartório onde trabalhou por anos. Eu achava interessante aquele objeto. Gostava das letras, mesmo sem entendê-las. As vezes, mesmo sem papel, passava horas a bater nas teclas, com aquele barulho infernal ecoando pela casa. Eu e meu irmão brincávamos de escrever e achávamos engraçado, pois também narrávamos histórias enquanto batíamos na máquina. Minha mãe, principal responsável pela presença do objeto na nossa casa, se incomodava profundamente com aquela bagunça, mas em alguns momentos chegou a se somar na atividade.

Quando começamos a montar e entender as palavras escritas - ele antes de mim - alguns trabalhos da escola eram digitados ali. Logicamente ele aprendeu a escrever com caneta e papel, e não com máquina de escrever. Antes mesmo de entrar na escola, fazendo os temas de casa com ele, eu também aprendi a juntar as letras e formar palavras desenhando-as no caderno. Nós seguíamos brincando na máquina de escrever, só que, a partir dali, escrevíamos de verdade.

Os barulhos infernais da nossa escrita continuaram a ecoar pela casa por algum tempo. Não demoraria muito para que meus pais se livrassem daquele objeto que tanto gostávamos. Escrevíamos, então, com papel e caneta, sem incomodar ninguém. Porém logo essa situação seria transformada por um computador daqueles que em nossos tempos consideramos antigos, cujas teclas também faziam muito barulho. E nas madrugadas passávamos, em algumas eu, em algumas ele, digitando, escrevendo, e acordando nossos pais em nossa casa pequena onde os sons ecoavam pelo corredor.

A leitura, essa atividade tão silenciosa, também nos motivava a escrever ao longo de nossa adolescência, e a fazer mais barulhos que incomodavam nossos pais. Isso porque, mesmo quando não estávamos batendo nas teclas do computador, estávamos conversando alto sobre os livros, sobre O Admirável Mundo Novo, sobre o Misto Quente, sobre as Cidades da Noite Escarlate, sobre o Lobo da Estepe, O Capital, sobre a TAZ e tantos outros títulos que nos faziam escrever e falar, e, mais uma vez, fazer tanto barulho em casa.

Ironicamente, foi também a escrita que me tirou de casa. Isso porque a primeira vez que tive um salário que poderia sustentar a mim e ao lugar onde morava, foi como redatora de uma agência de publicidade. Lá havia também uma máquina de escrever, mas que era utilizada somente para mostrar como aquela empresa tinha nascido: justamente, com uma máquina de escrever e uma pessoa jovem que batia em suas teclas.

Lá, os computadores eram modernos (mesmo para nossa época, apesar dos anos que se passaram), e faziam pouco barulho. O som da cidade, da avenida, do telefone e da vizinha era o que embalava nossos dias muito mais do que os sons dos teclados. Ao chegar em casa era também esse som que embalava a minha solidão. Essa solidão e esses sons da cidade me fizeram refletir, ler e escrever bastante também ao longo do tempo que vivi lá. E mesmo no teclado macio do meu notebook, o som do teclado me remetia à velha máquina de escrever da minha mãe.

Ainda hoje, na verdade, aqui, neste momento, sentada na sala da minha quinta moradia desde aquela época em que batia as teclas na máquina de escrever da minha mãe, eu sempre lembro de tudo aquilo. Lembro dos som infernal, e também das conversas, e todos os barulhos da leitura e da escrita.

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