Aluno 156
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Quando o conheci, no primeiro ano do ensino médio, imediatamente imaginei que poderíamos nos tornar amigos. Ele era um daqueles sujeitos de quem todo mundo gosta na escola, que sempre participa de todos os eventos e sorri para todos. Tivemos umas três aulas de matemática juntos e ele trocou de turma, o que contribuiu para que não nos aproximássemos. Agora vejo o quanto fui feliz com isso, após testemunhar seus ataques de egocentrismo dirigidos a uma amiga que tínhamos em comum. E falo tínhamos porque ela não suportou – ninguém suportaria – e logo tratou de podar essa relação depois da última afronta, a mais grave de todas. E o que eu tenho a ver com isso tudo é que no final das contas acabei tomando essa última situação como espelho para analisar a maneira como eu mesmo estava agindo e agir mais de acordo com meu discurso. Em outras palavras, refleti sobre egocentrismo para diminuir minhas hipocrisias.
O que aconteceu é que eu e ele éramos orientados por essa amiga em projetos diferentes, ambos de literatura. Seu comportamento começou pequeno, ele aos poucos ia criando o rei em sua barriga, impondo sutilmente suas opiniões. Como era querido por todos os outros cinco participantes do projeto, eles acabavam engolindo suas decisões de como deveriam ser os banners, as apresentações em eventos acadêmicos, que ações deveriam tomar para incentivar a leitura na escola, quando e o que deveriam postar no blog. Tudo isso servia de alimento para o rei em sua barriga crescer e exigir os méritos por todo o trabalho do grupo. Assim, a coisa foi tomando tal proporção que explodiu quando ele, talvez cego pela sede de poder e vivendo dentro da bolha do próprio ego, resolveu que orientaria o projeto sozinho. Passou, então, a tomar todas as decisões sem sequer ouvir a opinião dos outros e os conselhos da orientadora. Ela, por sua vez, começou a desabafar comigo, uma vez que nossa amizade tinha crescido e nos permitia tal exercício. Por conta disso comecei a sutilmente analisar minhas ações para ver se não estava reproduzindo ações egocêntricas também. E estava, percebi que também tomava decisões sem consultar a opinião do grupo.
O estopim da ação do rei foi quando ele resolveu reclamar na direção da escola que nossa amiga orientadora não o deixava opinar nas decisões. Uma ação dissimulada, irônica, uma vez que era ele quem agia de tal maneira. Assim como não esperávamos por isso, ele não imaginava que sua ação não sairia como o planejado. Após conversar com os outros membros do projeto, a diretora percebeu tudo. E a partir daí as consequências vieram. Ele começou a perceber que não tinha amigos mais ali, e a providência tomada foi seu afastamento do projeto. Como não éramos próximos, não fiquei sabendo se houve qualquer indício de culpa ou arrependimento. Mas percebi que eu carregava certa culpa nas costas. Passávamos por um período em que se falava muito sobre democracia pelos corredores da escola, e eu era sempre o primeiro a defende-la no meu discurso. Entristeci-me porque não a defendia totalmente em minhas ações. Assim que tive consciência disso, peguei uma faca pra dia após dia matar o rei que queria da minha barriga fazer moradia. A partir do momento em que comecei a ouvir mais do que falar, vi que as pessoas têm muito o que dizer para ajudar a construir. Lições sobre como colaborar, sobre como todos devem dar as mãos para ações mais coloridas, mais diversas, mais completas e mais inclusivas. Aprendi antes de morrer de indigestão com uma coroa cravada na garganta.
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