sábado, 8 de julho de 2017

Os brinquedos de Bia

Aluno 123
Reescrita


Antes de uma infeliz miopia atacar-me a visão, sentávamo-nos ao fundo da sala, sempre em grupo fechado de cinco meninas que – àquela época- tinham nojo dos meninos da turma, em geral ranhentos, bagunceiros e que só serviam para correr, zombar de tudo e colocar-nos apelidos de mal gosto. Não que fossemos obsessivas por álcool gel e higiene pessoal, mas com aquela idade não nos ocupávamos em distinguir aqueles que eram limpinhos daqueles que tinham chulé, e então atribuíamos a todos a mesma categoria.
 Dentre aquele grupo de cinco, Bia era minha melhor amiga. Falante, extrovertida e um tanto quanto exagerada, os dias de colégio eram calorosos devido às descobertas juvenis que ela nos narrava durante os intervalos de aula. Se as meninas amadurecem mais rápido? Não sei dizer e, mesmo se soubesse, não gostaria de generalizar, mas posso garantir-lhes aqui que Bia era de longe a mais madura entre nós. Ela tinha porte de adulta, articulava os gestos precisamente conforme fosse de seu interesse e já haviam ensinado a ela – antes do que à nós- os bons modos, como o sorriso forçado, o ‘’ser respeitosa’’ e o ‘’fechar as pernas ao sentar’’.
 Certo dia estávamos no nosso grupo seleto -o qual já havia perdido uma integrante que mudou de escola- em uma aula de História, na sétima série do ensino fundamental. Durante a fala da professora, Bia se levanta para ir ao banheiro e, quando retorna, ao fazer o movimento de inclinação para sentar-se, Pedro -um menino muito engraçadinho- puxa a cadeira de Bia, fazendo-a cair com enorme impacto sob o chão gelado da sala. Com Bia se desfazendo em lágrimas e parte dos colegas caindo na gargalhada, ouve-se a exclamação da professora ao fundo, dizendo: Ah! Esses meninos! São assim mesmo, não tem jeito!.
 Bia logo se recuperou e nós, como a maioria da turma e dos pré-adolescentes em geral –sempre tão reflexivos, esquecemos o incidente em menos de dois dias. No entanto, quando relembrei o ocorrido, a fala daquela professora se destacou. Me vi frustrada com tal afirmação. E aquilo seguiu na minha cabeça. Dia e noite, noite e dia. Era isso então? ‘’Os meninos são assim mesmo’’. E das meninas é cobrado desde cedo: tenha modos, ajude a limpar a casa, fale baixo e não fale palavrões, por que -como vocês sabem e todos nós sabemos- palavrões não são para meninas. Um fator relevante para essa diferença de maturidade entre meninos e meninas é, com certeza, a construção social que há em torno dos gêneros, e essa construção errada estava ali: na minha turma da sétima série. E em quantas outras turmas e sétimas séries?
 Existem estereótipos na cultura e os reproduzimos involuntariamente, perpetuando-os de geração em geração. Para os meninos: carrinhos, caminhões, aviões, skates e pipas- tudo que incita a aventura e a imaginação. Para as meninas: panelinhas para cozinhar e um bebê para criar. O que acontece na cabeça de uma criança quando determinamos quais brinquedos ela deve brincar? Quais cores ela deve gostar? Boneca ou carrinho? Rosa ou azul? Aí fica a questão. Contudo, poucos ligam para isso. Que coisa mais chata de se pensar, não é mesmo? Ainda hoje, o maior elogio que Bia recebe é: ‘’ Ela é tão madura para sua idade! ’’.

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