Aluno 128
Reescrita
Quando li A importância do ato de ler, de Paulo Freire, fiquei encantada com seu comentário a respeito de como a leitura serve de apoio para perceber o mundo, repensá-lo e adquirir conhecimentos, usando as próprias vivências para exemplificar isso. As palavras do pedagogo, fizeram com que eu recordasse imediatamente a leitura de dois dos meus livros favoritos, Til – de José de Alencar - e Terras do Sem Fim – de Jorge Amado - relembrando a minha própria experiência com a (re)leitura do mundo.
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (FREIRE, 1981, p. 9).
Conforme o pedagogo afirma, o ato de ler implica em acréscimo e modificação de conhecimento. Compreendemos a leituras através de comparações entre o mundo real – nossas experiências – e o contexto apresentado pela história. O entendimento é um processo subjetivo que envolve a compreensão do entorno e identificação das semelhanças e diferenças entre o que se lê e as experiências vividas pelo leitor. Foi por esse motivo que escolhi as duas obras citadas, porque com elas vivi intensamente esse processo de construção, identificação e reflexão que comenta Freire.
De certa forma, tais livros estão relacionados com estes momentos iniciais da minha vida acadêmica. O primeiro conheci como leitura obrigatória para o vestibular da UFRGS e o segundo li para escrever um ensaio, já cursando Letras. Ambos os livros, embora produzidos em diferentes épocas e contextos, têm em comum o efeito que causaram em mim: a cada página folhada havia a alegria em avançar na história, descobrir o destino de cada personagem, torcer por alguns e malquerer outros, mas havia também uma angústia por me aproximar, pouquinho a pouquinho, do final da leitura. Era a mesma sensação que me acometia na adolescência no momento em que eu terminava de ler algum dos livros de Harry Potter, da escritora J. K. Rowling.
O diferencial nessas duas obras que conheci pelo contato com a universidade foi a maneira como foi possível a mim entender o perfil dos personagens, compreendê-los e enxergar o enredo através dos olhos deles. O ambiente das obras, repleto da natureza e dos mistérios da selva intocada, foram descritos com tamanha sensibilidade pelos autores que era como se eu pudesse pressentir os perigos que existiam na mata, ouvir o ruído dos animais e enxergar a luz do sol através das folhas das árvores. Vi-me no lugar de Ester, temendo o bote da serpente que se alimentava com os sapos de uma várzea próxima a sua casa. Corri com Berta pela relva para impedir a tocaia de Jão Fera, que pretendia assassinar Luís Galvão. Torci pela morte de Horácio e já quase acreditava que ele engarrafara o demônio debaixo de sua cama quando ele sobreviveu à febre.
Ainda me impressiono com o quanto fiquei imersa nessas duas histórias e de como tal imersão fez com que eu refletisse sobre aspectos da minha própria vida. Pensei todas as vezes que julguei alguém precipitadamente ou que agi de maneira passional. Comparei a beleza selvagem da natureza descrita nos livros com os tons cinzentos que a substituíram e que compõem o plano de fundo de nossa sociedade. Pensei até mesmo em como alguns perfis pessoais apresentados no livro se assemelham a outros que conheço na vida real.
Entre tantas reflexões, a que mais me beneficiou foi a ideia de que nós somos seres muito complexos e imprevisíveis. É normal que sejamos inesperados para os outros, mas é assustador quando surpreendemos a nós mesmos. Os personagens desses livros tiveram que lidar com sentimentos fortes, que foram capazes de mudá-los ou, em outros casos, fortalecê-los. Jão Fera, por exemplo, foi motivado pela dor da perda a se tornar um homem cruel e recluso; assim, de certa forma, são as pessoas em geral. Parece que alguns sentimentos são capazes de causar grandes mudanças, sejam elas positivas ou negativas. Essa reflexão não é uma apologia à passionalidade, mas é possível que este seja, para mim, o ponto principal de conexão entre Freire e as minhas leituras: a identificação emocional do leitor com o personagem e a reflexão motivada por ela.
No momento em que li as palavras de Paulo Freire sobre a ressignificação do mundo através da leitura, imediatamente recordei essas belas obras. A partir disso refleti sobre a complexidade psicológica da qual somos dotados e compreendi que nem sempre nossos atos dizem tudo sobre nós; tudo isso foi a ressignificação do pedagogo acontecendo na prática, parágrafo a parágrafo e com imenso gosto da minha parte.
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