sábado, 8 de julho de 2017

Sobre coisas que não podem ser escritas

Aluno 123
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Como aprendi a escrever? Foi em um lindo dia de outono, as folhas caídas na rua me fazem recordar com exatidão. Era uma quarta-feira, por volta das 10 horas da manhã e, além de aprender, adquiri verdadeira afeição pelo ato de escrever. Queria eu que essa linda narrativa de amor pela escrita que acabei de recitar fosse a minha e fosse verídica. Perdoem a ironia, mas sinto em dizer que minha trajetória com a caneta e o papel teve muitos obstáculos, e essa não é uma história de como me apaixonei à primeira vista.
   
  O ensino médio foi corrido, pesado e exaustivo. No terceiro ano a coisa piorou. Pressão para saber que profissão seguir, pressão para passar no vestibular. Os dias se atropelavam e, apesar dos pesares, a disciplina de redação sempre me despertou interesse. Porém, assim como as outras matérias, ela tinha como objetivo principal obter uma nota razoável no boletim a fim de passar por média no trimestre. Assim, o esforço de escrever textos sobre temas previsíveis foi válido, apesar de haver ali uma certa dose de obrigação.
  Com o passar do tempo fui percebendo que não poderia ter sido de outra forma. O meu interesse pessoal na escrita era justamente voltado aos debates que eram abordados pelo professor, principalmente quando traziam à tona assuntos com uma motivação social. A partir desse momento a escrita se revelou na minha vida como uma grande ferramenta de expressão. A passividade e quietude que eu mantinha nas outras disciplinas se tornava totalmente controversa quando o assunto era elaborar a redação. Ali eu encontrava espaço. Ali eu tinha voz e tinha também uma ‘’plateia’’ ouvinte.
   Muitas vezes cheguei à ponto de não conseguir expressar toda minha indignação nas trinta linhas cabíveis para tal. Sinto-me culpada por jamais ter investido em projetos pessoais envolvendo a escrita. Escrever para desabafar, por exemplo. Acho que teria me aliviado muito e, talvez, poupado ouvidos alheios de minhas inúmeras reclamações.

   O terceiro ano foi chegando ao fim, toda a euforia com relação ao futuro foi se transformando em receio. Os últimos abraços, os últimos sorrisos, os últimos dias de ensino médio. Recebi com enorme prazer (e confesso, um pouco amedrontada) o convite para ser oradora da minha turma. Foi um momento muito especial e o texto que eu escrevi foi um dos mais complexos da minha vida. Não pelo fato de ser exigido nele uma linguagem formal e ortodoxa, mas sim por ter de expressar em palavras uma mistura enorme de sentimentos. Sorte a minha que as palavras possuem poder, tornando minha tarefa possível de ser realizada.

  Alguém aí a fora dizia que ‘’certas coisas não podem ser ditas - e aqui, respeitosamente acrescento: nem escritas – somente sentidas ’’. Esse foi justamente meu grande problema com a escrita ao longo de minha vida. Conseguir organizar uma série de pensamentos e transformá-los em algo útil para o nosso contexto. Tipo aquelas coisas que não conseguimos dizer exatamente... mas que é tão nítido na nossa cabeça. Transpor e polir as ideias antes de passa-las para o papel é um ofício cuidadoso digno de muita admiração. Espero um dia ter sabedoria o suficiente para fazê-lo.


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