sábado, 8 de julho de 2017

Teimosia

Aluno 123
Reescrita


Primeiro dia de aula na primeira série. Na mochila, lancheira da Barbie, caderno da Barbie e rabicó. Ah que caderno lindo, pensava eu, ansiosa para estrear meus lápis de cor em todos os espaços possíveis para tal e presentear minha melhor amiga, Brenda, com a figurinha que ela desejasse. Para nós, aquele ato era uma prova de amizade.
  Como é aquela letra mesmo? A que puxa uma perninha? Ah sim. É o ‘’a’’. E que ‘’a’’ mais magnífico que minha professora fazia. Como eu invejava aquela letra cursiva tão redondinha. Secretamente, copiava cada detalhe de sua grafia. Separem as sílabas, ela nos disse. Eu esperava, aflita, pela hora do ditado. Trocávamos canetas, coloríamos a sala com nossos desenhos abstratos. Eram bons tempos.
 E o tempo passou. A magia da primeira série foi, aos poucos, desaparecendo. De repente, aquele alfabeto colorido em cima o quadro já não era mais tão fascinante. Na verdade, ele se tornou meio óbvio, afinal, eu já sabia que ‘’a’’ era de amor, ‘’b’’ de bola e ‘’c’’ de coração. Aquilo já não era importante para mim. Eu precisava saber mais.
  Agora, aprende a escrever de verdade, Giovanna. Eu, muito inocente, nem sabia que estava escrevendo de mentira. Introduz, desenvolve, finaliza. Apaga, corrige e escreve outra vez. Retira tudo que parecer duvidoso, contraditório, sem sentido ou sem graça. E eu, covarde, muitas vezes desisti, pois escrever sobre pressão nunca foi meu forte. O branco se instalava na minha mente com frequência e não havia o que o fizesse sair de lá. Mas, ao menos, encontrava ainda meu refúgio nos livros e as tarefas sobre eles se davam com enorme fluidez.
Com as leituras, foi surgindo novamente em minha vida a necessidade de escrever, agora não mais como obrigação, mas como abstração. No início comecei a assimilar e, confesso, a copiar muitos de meus escritores favoritos, assim como eu imitava a letra da minha professora na primeira série. Não me culpo por isso, a cópia é saudável quando provém de assimilar a ideia que foi transmitida e sintetizar com as próprias palavras. Assimilação decorre de ler, admirar, internalizar, apropriar e recriar. Criamos nosso estilo através de uma série de influências externas e quem diz que está livre disso está mentindo.
 Se a escrita é um dom? Não acho que seja. Quando o assunto é escrever se trata bem mais de construção do que de talento, e perdoem a insensibilidade. Aperfeiçoar, polir e moldar. É garimpar atrás da exata expressão, da palavra perfeita, do claro conceito. É ter coragem da crítica e não ter medo de recomeçar. Insistir no texto, insistir no tema e principalmente insistir em dizer. Dizer só por dizer. Dizer o que está engasgado. Dizer o que tem que ser dito. Escrever é pura teimosia.

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