Aluno 123
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Antes de uma infeliz miopia atacar-me a visão, sentávamo-nos ao fundo da sala, sempre em grupo fechado de cinco meninas que – àquela época- tinham nojo dos meninos da turma, em geral ranhentos, bagunceiros e que só serviam para correr, zombar de tudo e colocar-nos apelidos de mal gosto. Não que fossemos obsessivas por álcool gel e higiene pessoal, mas com aquela idade não nos ocupávamos em distinguir aqueles que eram limpinhos daqueles que tinham chulé, e então atribuíamos a todos a mesma categoria.
Dentre aquele grupo de cinco, Bia era minha melhor amiga. Falante, extrovertida e um tanto quanto exagerada, os dias de colégio eram calorosos devido às descobertas juvenis que ela nos narrava durante os intervalos de aula. Se as meninas amadurecem mais rápido? Não sei dizer e, mesmo se soubesse, não gostaria de generalizar, mas posso garantir-lhes aqui que Bia era de longe a mais madura entre nós. Ela tinha porte de adulta, articulava os gestos precisamente conforme fosse de seu interesse e já haviam implantado nela – antes do que em nós- os bons modos, como o sorriso forçado e o fechar as pernas ao sentar.
Certo dia estávamos em nosso grupo seleto -o qual já havia perdido uma integrante que mudou de escola- em uma aula de História, na sétima ou oitava série do ensino fundamental, não me recordo com exatidão. Durante a fala do professor, eis que Bia se levanta para ir ao banheiro e, quando retorna, ao fazer o movimento de inclinação para sentar-se, um colega, chamado Pedro, puxa a cadeira de Bia, fazendo-a cair com enorme impacto sob o chão da sala. Com Bia se desfazendo em lágrimas e parte dos colegas caindo na gargalhada, ouve-se a exclamação da professora ao fundo, dizendo: ‘’Ah! Esses meninos! São assim mesmo, não tem jeito! ’’.
Me vi frustrada com tal afirmação. E aquilo seguiu na minha cabeça. Dia e noite, noite e dia. Era isso então? Os meninos são assim mesmo. E das meninas é cobrado desde cedo: tenha modos, ajude a limpar a casa, fale baixo e não fale palavrões, por que, como vocês sabem, palavrões são tão feios para uma menina pronunciar. Um fator relevante para essa diferença de maturidade entre meninos e meninas é, com certeza, a construção social que há em torno dos gêneros.
Existem estereótipos na nossa cultura e os reproduzimos involuntariamente, perpetuando-os de geração em geração. Para os meninos, os carrinhos, caminhões, aviões, skates e paraquedas, tudo que incita a aventura e a imaginação. Para as meninas, panelinha para cozinhar e um bebê para criar. Será que não existe uma certa agressividade quando impomos a uma criança quais brinquedos e cores ela deve usar?Aí fica a questão. Contudo, muitos poucos ligavam para isso. O maior elogio que podiam tecer a minha melhor amiga Bia era: ‘’ Ela é tão madura para sua idade! ’’.
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