segunda-feira, 25 de maio de 2015

Vai dar, não vai dar

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Aluno 54


Sete e cinco. Preciso chegar ao limite da cidade até as sete e vinte, ou vou me atrasar. Vai dar tempo. Tem que dar tempo. E o engarrafamento? O engarrafamento sempre começa a se formar por volta das sete. Droga. Não vai dar tempo. Malditos cinco minutos. Maldita mania de pensar que “só mais cinco minutinhos de sono não vão fazer diferença”. Os cinco minutinhos sempre fazem diferença. Em cinco minutos, uma criança pode nascer, uma vida pode ser salva, uma bomba pode explodir e destruir cidades inteiras. É óbvio que, por cinco minutos, eu não vou conseguir evitar o engarrafamento. Já dá para ver o aglomerado de veículos. Olha lá, tudo parado.  
Sete e sete. Droga. Não vai dar tempo. Parei atrás de um Gol vermelho, de placa IDA 0202. Andou. Parou de novo. Que placa legal. Deve ser fácil de memorizar: IDA 0202. Qual é a minha placa, aliás? IHE? IBD? ITV? E o número? Não sei qual é a minha placa! E agora? E se um guarda me parar e perguntar qual é a minha placa? É guarda que para motoristas no trânsito? Ou é fiscal? Ou brigadiano? Qual é a minha placa? Será que todos os motoristas sabem as placas dos seus carros? Provavelmente. Droga.
Sete e dez. Andou. Estou quase chegando a Porto Alegre, vai  dar tempo. Parou. Droga. Será que consigo alcançar o documento do carro no porta-luvas? Preciso saber qual é a placa do meu carro. Será que o documento ainda está no porta-luvas? Tirei ontem, mas recoloquei li. Recoloquei? Preciso checar. Não, não vou arriscar. Vai que um guarda, fiscal, brigadiano ou sei lá o que percebe que estou desatenta e me para. E nem a placa do carro eu sei. Não. Mãos no voltante, cara de séria. Ninguém precisa saber que eu estou atrasada, com pressa, com sono e não sei nem a placa do meu carro. Não. Faz cara de boa motorista, de motorista atenta ao trânsito. Sorria. Não, para de sorrir. Parece uma louca, sorrindo sozinha. Séria é melhor.
Sete e doze. E não anda. Droga. O cara do carro ao lado parece irritado. Começou a buzinar. Não consegue ver que está tudo parado, amigo? Buzinar não adianta. Não consigo entender essas pessoas que insistem em buzinar nos engarrafam... ah, andou! Até que enfim. Parou de novo. Mas que inferno. Não vai dar tempo. Malditos cinco minutos. Nunca mais vou me deixar levar pela tentação de dormir mais um pouquinho, nunca mais. Os cinco minutos não valem a eternidade nesse congestionamento. Parada. Atrasada. Sem nada para fazer. Devia ter trazido uma revista de palavras cruzadas.
Sete e quatorze. Sete e quinze. Sete e dezesseis. Sete e dezessete. Andou. Agora vai. Ah, que bom, o apressadinho buzinador sem noção do carro ao lado resolveu furar a minha frente. E sem dar sinal. Tua mãe não te deu educação, não? Primeiro as damas, lembra? E que pressa. Esse tá mais atrasado que eu. Mas dirige bem, o infeliz. Olha lá. Aposto que ele sabe a placa do carro dele. Tá, vai dar tempo. Vai ter que dar. Tô quase chegando.
Cheguei.
Sete e vinte. Tem fila, mas vai dar. É só entrar no estacionamento, torcer para encontrar uma vaga decente e correr para dentro do prédio. Vai dar tempo. Cheguei à cancela. Estou vendo o flanelinha. É flanelinha que atende em entrada de estacionamento? Ou flanelinha só guarda carros na rua? Tá, entrar. Entrar. Encontrar vaga. Estacionar. Correr. Vai dar tempo.
- Bom dia, moço. Tô atrasada, ainda tem vaga para estacionar?
- Tem sim, moça. Ali na frente. Só me diz aí a placa do teu carro pra eu anotar aqui, por favor.

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