sexta-feira, 1 de maio de 2015

Socorro, esfolei meu dedão do pé

Aluno 49
Reescrita


Eu chorei mais alto do que qualquer bebê da ala da maternidade. Ninguém conseguiu me convencer de que eu estava segura fora do ventre materno. Até mesmo a minha mãe perguntou ao médico se não havia alguma maneira de me reaconchegar no útero temporariamente. Continuei gritando por dois dias seguidos, fazendo com que as pessoas que estavam no hospital tivessem a impressão de que seus tímpanos estavam esfarelando subitamente, como uma bolada repentina na arquibancada de torcedores em um jogo de futebol.
O pediatra, ao notar que eu estava agindo como se uma maçã estivesse sendo enfiada nas minhas narinas, ordenou uma bateria de exames. Embora meu comportamento possa ter feito você, leitor, pressupor que minha apresentação pessoal se desenrolaria a partir da descoberta de alguma doença que regeria minha vida, sinto desaponta-lo ao informar que não se trata de um romance best-seller juvenil. O médico trouxe os resultados, que eram satisfatórios, e justificou minha conduta como um provável traço de personalidade. Traço esse que fez com que eu, muitas vezes, me encontrasse em cenários exorbitantes por ter feito as placas tectônicas emocionais se chocarem antecipadamente.
Se você me vir no hospital alguma vez, fique tranquilo, é provável que não seja nada, como no verão de 2006, quando decidi pular o portão da casa de meus avós e, ao arranhar a perna em um prego não enferrujado, passei o dia pedindo, aos prantos e sem poupar o linguajar hiperbólico, que me levassem ao pronto socorro, já que eu precisava urgentemente – na minha concepção – de uma injeção antitetânica.  É possível que, no final das contas, até o motorista do ônibus que passa no meu bairro já tenha me visto chorando.
Precisei, por ser dramática, ser também hipocondríaca, e assim, desenvolvi um gosto compulsivo pela leitura de bulas de remédios – ainda que seja vitamina C - e, ao ler que o efeito colateral da ingestão de determinado medicamento é náusea, reclamo de desconforto antes mesmo de sentir o incômodo. Embora as pessoas cresçam como as árvores, gradativamente e em direções diferentes, mantive algumas características de meu broto. Se no âmbito profissional nasci para letras, no âmbito pessoal nasci para o teatro.

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