segunda-feira, 25 de maio de 2015

O RESGATE DA TURMA DO BAIRRO

Reescrita
Aluno 54


      Todas as tardes de sábado nos reuníamos na calçada em frente à minha casa para brincar. Ela era o ponto intermediário para o nosso grupo. Ficava bem centralizada na rua que era inundada por grandes pinheiros dos dois lados, o que dava às casas aparência de pequenas cabanas. Todos caminhavam mais ou menos a mesma distância para chegar até ela, exceto eu, que tinha vantagem nesse quesito: andava só alguns passos e sentava na escada pela qual acessava a rua, aguardando os outros.
      Assim que todos chegavam sentávamos na escada da minha casa.  O Lucas lembrava de pegar a bola de futebol, o Vini escolhia o jogo de tacos e a Nicole colocava à disposição a bola de volêi para o três cortes; já eu, sugeria sempre o esconde esconde ou pega pega porque assim não teríamos a chance de perder nossas bolinhas no pátio da senhora que morava em frente a minha casa. Ela tinha a mania de dificultar o resgate dos nossos objetos. Mantinha a casa fechada, mas ao mesmo tempo parecia estar nos vigiando, como um sentinela, escondida atrás do maior pinheiro da rua, o qual ficava no seu terreno.
      Em um fatídico sábado de sol, em setembro de 2008, resolvemos jogar futebol. Pintamos com tinta branca dois gols sobre o paralelepípedo cinza velho e disforme. Seis pra cada lado e depois um cara ou coroa pra ver quem começaria. A euforia de criança era tanta no início do jogo que a rua tinha se transformado em um estádio lotado em final de copa do mundo. O primeiro chute era do time adversário ao meu. O Matheus se afastou bem da bola parada no meio de campo e correu... E então, chutou a bola tão forte e tão torta, que ela foi parar direto no terreno da vizinha. O estádio calou e se transformou em um coliseu, com a tensão coletiva de um pré combate.
      O pensamento comum naquela hora sem dúvida devia ser: por que justo aquela vizinha? Tínhamos que recuperar a bola o mais rápido possível. Assim, silenciosamente, voltamos para o reduto seguro que era o portão da minha casa para planejar o resgate. Com uma concentração de profissionais agentes da polícia resolvemos que, enquanto duas pessoas iriam vigiar as esquinas da rua, outras quatro vigiariam as janelas da casa para garantir que a senhora não estava percebendo a movimentação, outras cinco pessoas ficariam brincando de se pegar para manter as aparências e a outra seria nosso Ulisses: pularia o portão com incrível habilidade, jogaria a bola de volta para a rua e tentaria se salvar depois de salvar o nosso sábado de sol.
      Depois de decididas as posições, colocamos o nosso elmo imaginário na cabeça, como verdadeiros guerreiros, e começamos a executar o plano. Fiquei no grupo responsável pela distração, mas entre fugir e tentar pegar os outros mantinha os olhos na janela, só esperando o tenso momento em que a senhora nos pegaria no flagra. O Carlos foi o escolhido como herói. Após uma rápida preparação física e emocional, pulou a cerca e caiu no pátio. Como o terreno dela era um pouco abaixo do nível da rua não tínhamos boa visão da situação. Por cinco minutos ele não retornou à rua então a tensão começou a contagiar nosso grupo. Nossas funções foram definidas em vão já que paramos elas e permanecemos na expectativa, só imaginando se o Carlos estaria num calabouço cheio de outras bolas, acorrentado e sofrendo por causa da tentativa, ou se ela o havia pego e ambos tinham se envolvido em uma disputa corporal.
      Após esse breve momento de tensão a bola voou por cima do portão, seguida por quem a tinha resgatado. O alívio cobriu nossos corpos e por aqueles poucos minutos que pareceram uma eternidade quase vimos a nossa rotina de sábado ser destruída. Seguimos o jogo como se nada tivesse acontecido, mas nunca mais deixamos o Matheus dar o chute inicial.

Nenhum comentário:

Postar um comentário