Reescrita
Aluno 53
Sete e cinco. Preciso chegar ao centro da cidade até as sete e vinte, ou vou me atrasar. E eu não posso me atrasar. Hoje é, possivelmente, o dia mais importante da minha existência: serei brilhante na entrevista marcada há exatos seis meses, três semanas e dois dias, serei promovida e, finalmente, ocuparei o cargo para o qual me preparei durante aqueles árduos – porém divertidos – anos de faculdade. Isso se eu chegar a tempo.
Será que vai dar tempo? Vai dar. Tem que dar. E o engarrafamento? O engarrafamento sempre começa a se formar por volta das sete. Droga. Não vai dar tempo. Malditos cinco minutos! Maldita mania de pensar que “só mais cinco minutinhos de sono não vão fazer diferença”. Pois os cinco minutinhos sempre fazem diferença! Em cinco minutos, uma criança pode nascer, uma vida pode ser salva, uma bomba pode explodir e destruir cidades inteiras. Portanto, é óbvio que, por cinco minutos, eu não vou conseguir evitar o engarrafamento. Já consigo ver o aglomerado de veículos. Olha lá, tudo parado!
Sete e sete. Droga. Não vai dar tempo. Parei atrás de um Gol vermelho, de placa IDA 0202. Andou. Parou de novo. Que placa legal! Deve ser fácil de memorizar: IDA 0202. Qual é a minha placa, aliás? IHE? IBD? ITV? E o número? Não sei qual é a minha placa! E agora? E se um guarda me parar e perguntar qual é a minha placa? É guarda que para motoristas no trânsito? Ou é fiscal? Ou brigadiano? Qual é a minha placa? Será que todos os motoristas sabem as placas dos seus carros? Provavelmente. Droga.
Sete e dez. Andou! Estou quase chegando, vai dar tempo. Parou. Droga. Será que consigo alcançar o documento do carro no porta-luvas? Preciso saber qual é a placa do meu carro. Será que o documento ainda está no porta-luvas? Tirei ontem, mas recoloquei li. Recoloquei? Preciso checar. Não, não vou arriscar. Vai que um guarda, fiscal, brigadiano ou sei lá o que percebe que estou desatenta e me para. E nem a placa do carro eu sei! Não. Mãos no voltante, cara de séria. Ninguém precisa saber que eu estou atrasada, com pressa, ansiosa, com sono e não sei nem a placa do meu carro. Não. Faz cara de boa motorista, de motorista atenta ao trânsito. Faz cara de quem vai ser promovida hoje. Sorria. Não, para de sorrir. Parece uma louca, sorrindo sozinha. Séria é melhor.
Sete e doze. E não anda. Droga! O cara do carro ao lado parece irritado. Começou a buzinar. Não consegue ver que está tudo parado, amigo? Buzinar não adianta. Não consigo entender essas pessoas que insistem em buzinar nos engarrafam... ah, andou! Até que enfim. Parou de novo. Mas que inferno! Não vai dar tempo. Malditos cinco minutos! Nunca mais vou me deixar levar pela tentação de dormir mais um pouquinho, nunca mais. Os cinco minutos não valem a eternidade nesse congestionamento! Esperei por essa entrevista por seis meses, três semanas e dois dias, e agora vou perder minha grande oportunidade por causa de cinco minutos. Seria irônico, se não fosse trágico.
Sete e quatorze. Sete e quinze. Sete e dezesseis. Sete e dezessete. Andou. Agora vai! Ah, que bom, o apressadinho buzinador sem noção do carro ao lado resolveu furar a minha frente. E sem dar sinal! Tua mãe não te deu educação, não? Primeiro as damas, lembra? E que pressa! Esse tá mais atrasado que eu. Mas dirige bem, o infeliz. Olha lá. Aposto que ele sabe a placa do carro dele. Será que perguntam placas de carros em entrevistas? Não, claro que não. Ninguém liga se eu sei ou não a placa do meu carro. Não, né? Não, claro que não... Vai dar tempo. Tem que dar, estou quase chegando.
Cheguei.
Sete e vinte. Tem fila, mas vai dar. É só entrar no estacionamento, torcer para encontrar uma vaga decente, correr para dentro do prédio, checar a maquiagem e o cabelo no espelho do elevador – ir ao banheiro não é uma opção – e aguardar o chefe na sala de espera, com uma revista qualquer em punho, como se estivesse tudo sob controle.
Está tudo sob controle. Vai dar tempo. Cheguei à cancela. Estou vendo o flanelinha. É flanelinha que atende em entrada de estacionamento? Ou flanelinha só guarda carros na rua? Tá, entrar. Entrar. Encontrar vaga. Estacionar. Correr. Elevador. Vai dar tempo.
- Bom dia, moço. Tô atrasada, ainda tem vaga para estacionar?
- Tem sim, moça. Ali na frente. Só me diz aí a placa do teu carro pra eu anotar aqui, por favor.
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