terça-feira, 28 de junho de 2016

Aluno 113
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Costumo dizer que iniciei tardiamente minha vida como leitor. Na infância, não fui um leitor assíduo das fábulas e das histórias em quadrinhos, como O Gato e a Lebre ou A turma da Mônica. Lia algo aqui e ali, poucas vezes em casa ou na escola, nas séries iniciais do ensino fundamental, mas nada tão decisivo na minha vida como leitor. Observo que a leitura poderia ter sido mais presente dentro de casa durante a infância. Nesse sentido, Rottava (2000) argumenta que “a família também não deve deixar somente para a escola o papel de despertar, incentivar e motivar a leitura.”.
Já com certa idade, por vias de terminar o ensino fundamental, integrei-me ao grupo de contação de histórias que se iniciava na escola. Mesmo não tendo um contato marcante com a leitura em um primeiro momento da vida, intuí que seria algo interessante, que me propiciaria aprendizados, já que as atividades seriam desenvolvidas dentro da biblioteca, célebre espaço no ambiente escolar, onde os alunos tem convívio com os livros e a leitura de maneira mais próxima. Contudo, esse espaço é, muitas vezes, mal explorado dentro da escola, uma vez que falta aos professores um planejamento que inclua a leitura no processo de aprendizagem. A abordagem de leitura adotada pelos professores, sobretudo com no ensino fundamental, segundo o que pude observar em meus anos de escola, está restrita a treinar a compreensão leitora e desenvolver uma habilidade de leitura. (cf. Rottava, 1998)
A atuação do grupo dava-se na realização de pequenos saraus temáticos na biblioteca da escola. Em encontros, anteriores aos saraus, o grupo reunia-se juntamente com as professoras responsáveis para a seleção dos textos e das performances que seriam feitas pelos integrantes. A autonomia quanto à escolha do repertório foi sendo construída ao longo dos meses. Recordo-me do sarau intitulado “Literatura sem preconceito”, em que nossas orientadoras deram asas às nossas imaginações e permitiram que todos os textos fossem de livre escolha de nós alunos. Naquele período, eu começava a ter conhecimento da obra de Luís Fernando Veríssimo. Lia suas crônicas no jornal e outras aleatoriamente nos exemplares de seus livros que ficavam na biblioteca. Para aquele sarau escolhi a crônica “Livros”, porque nela o autor defende, de forma muitíssimo bem humorada, a supremacia do livro diante de outras atividades da vida cotidiana, como assistir televisão, ir ao cinema e até fazer sexo.
A meu ver, a crônica era apropriada para o contexto em que seria lida, em razão de estar inserida em um sarau temático, dentro de um espaço de leitura, voltada para um público que se quer formar leitor – colegas de escola das séries finais do ensino fundamental. Por isso, a leitura do texto de Luís Fernando Veríssimo constrói um sentido nesse cenário. Rottava (2000) explica que “sentido é algo que é construído no processo de interação verbal entre interagentes (reais ou virtuais) e em decorrência de uma situação comunicativa em que se encontram.”. A escolha e a leitura dos textos, primeiro coletivamente dentro grupo e posteriormente para os assistentes dos saraus como performances pode ser entendida como uma prática social da leitura, que segundo Rottava (2000) “envolve o propósito de que ler é utilizar-se da linguagem para determinado objetivo, bem como para alguém e em certas circunstâncias.”.
A escolha daquela crônica não foi por acaso, afinal “o leitor não é um sujeito neutro” (Rottava, 2012). Ao ler que “o livro leva nítida vantagem sobre todas as outras formas de divertimento caseiro” (Veríssimo, Luís Fernando. Livro. Folha de São Paulo, 29/07/12), passei a refletir sobre que postura queria adotar dali para diante como leitor. Além de compartilhar minhas leituras, queria também tornar-me um leitor mais assíduo, mais próximo da leitura, lendo crônicas, romances, histórias em quadrinhos, o que quer que fosse. Entendo a escolha desse texto e sua exposição no sarau temático como o sentido construído por mim a partir da leitura, quis dizer algo para o público e para mim mesmo. Rottava (2012) observa que “no processo de construção de sentidos há sempre um “querer dizer”, um propósito que o leitor toma para si em uma tarefa de leitura; essa tarefa ocorre em um contexto em que a leitura é parte de uma situação mais abrangente.”. A partir dessa visão, concluo que a leitura do texto dentro da situação abrangente – a apresentação do grupo de contação de histórias no sarau – foi marcante porque o conteúdo do texto esteve entrelaçado com uma prática social da leitura, oportunizando-me não só expandir os sentidos construídos para os demais colegas, assistentes do sarau, como também uma reflexão interna sobre minha vida como leitor.

Referências:

ROTTAVA, Lucia. A leitura em contexto acadêmico: o processo de construção de sentidos de alunos do primeiro semestre do curso de Letras. Santa Cruz do Sul, v.37 n.63, jul.-dez.,2012, p.160-179.
ROTTAVA, Lucia. A leitura e a escrita na pesquisa e no ensino. Espaços da Escola, Ijuí, Editora UNIJUÍ, a.4, n.27, jan.-mar., 1998, p.61-8.
ROTTAVA, Lucia. A importância da leitura na construção do conhecimento. Espaços da Escola, Ijuí, Editora UNIJUÍ, a. 9, n.35, jan.-mar., 2000, p.11-6.
VERISSIMO, Luís Fernando. Livro. Folha de São Paulo, 29/07/2012. Disponível em <http://aliteraturanaescola-helena.blogspot.com.br/2012/07/luis-fernando-verissimo-livro.html> Acesso em 09/06/16. 

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