Aluno 113
Reescrita
Já
com certa idade, por vias de terminar o ensino fundamental, integrei-me ao
grupo de contação de histórias que se iniciava na escola. Mesmo não tendo um
contato marcante com a leitura em um primeiro momento da vida, intuí que seria
algo interessante, que me propiciaria aprendizados, já que as atividades seriam
desenvolvidas dentro da biblioteca, célebre espaço no ambiente escolar, onde os
alunos tem a oportunidade de um convívio com os livros e a leitura de maneira
mais próxima. A atuação do grupo dava-se na realização de pequenos saraus
temáticos dentro desse espaço.
Em
encontros, anteriores aos saraus, o grupo reunia-se juntamente com as
professoras responsáveis para a seleção dos textos e das performances que seriam
feitas pelos integrantes. A autonomia dos integrantes quanto à escolha do
repertório foi sendo construída ao longo dos meses. Recordo-me do sarau
intitulado “Literatura sem preconceito”, em que nossas orientadoras deram asas
às nossas imaginações e permitiram que todos os textos fossem de livre escolha
de nós alunos. Naquele período, eu começava a ter conhecimento da obra de Luís
Fernando Veríssimo. Lia suas crônicas no jornal e outras aleatoriamente nos
exemplares de seus livros que ficavam na biblioteca. Para aquele sarau escolhi
a crônica “Livros”, porque nela o autor defende, de forma muitíssimo bem
humorada, a supremacia do livro diante de outras atividades da vida cotidiana,
como assistir televisão, ir ao cinema e até fazer sexo.
A
meu ver, a crônica era apropriada para o contexto em que seria lida, em razão
de estar inserida em um sarau temático, dentro de um espaço de leitura, voltada
para um público que se quer formar leitor – colegas de escola das séries finais
do ensino fundamental. Por isso, a leitura do texto de Luís Fernando Veríssimo
constrói um sentido nesse cenário, nos termos de Rottava (2000), que define
construção de sentido como “algo que é construído no processo de interação
verbal entre interagentes (reais ou virtuais) e em decorrência de uma situação
comunicativa em que se encontram.”. A escolha daquela crônica não foi por
acaso, afinal “o leitor não é um sujeito neutro” (Rottava, 2012). Ao ler que “o livro leva nítida vantagem sobre todas
as outras formas de divertimento caseiro” (Veríssimo, Luís Fernando. Livro.
Folha de São Paulo, 29/07/12), passei a refletir sobre que postura queria
adotar dali para diante como leitor. Queria tornar-me um leitor mais assíduo,
mais próximo da leitura, lendo crônicas, romances, histórias em quadrinhos, o
que quer que fosse.
Rottava (2012) observa que “no processo de construção de
sentidos há sempre um “querer dizer”, um propósito que o leitor toma para si em
uma tarefa de leitura; essa tarefa ocorre em um contexto em que a leitura é
parte de uma situação mais abrangente.”. A partir dessa visão, concluo que a
leitura do texto dentro da situação abrangente – a apresentação do grupo de
contação de histórias no sarau – foi marcante porque o conteúdo do texto esteve
entrelaçado com uma prática social da leitura, oportunizando-me não só expandir
os sentidos construídos para os demais colegas, assistentes do sarau, como
também uma reflexão interna sobre minha vida como leitor.
Dada essa experiência ainda no ensino fundamental, é de
grande satisfação deparar-me agora no ensino superior com concepções teóricas
de práticas leituras que vão ao encontro daquilo que desenvolvi com meus
colegas, sem ter muita consciência. Evidentemente que as professoras
responsáveis por conduzir o grupo tinham a clara noção do intuito do projeto e
do que queriam alcançar, todavia, para os integrantes do grupo, o aparato
teórico e pedagógico do projeto estava em segundo plano, sendo a leitura o que
mais nos saltava aos olhos. Como estudante de licenciatura, que participou do grupo
de contação de histórias e que agora estuda a prática de leitura como teoria,
vejo como indispensável a adoção de tais metodologias integradoras, como
contação de histórias, leituras coletivas, saraus, para que os estudantes
possam construir sentidos com suas leituras e expandir suas visões de mundo.
Referências:
ROTTAVA, Lucia. A leitura em contexto acadêmico: o processo
de construção de sentidos de alunos do primeiro semestre do curso de Letras.
Santa Cruz do Sul, v.37 n.63, jul.-dez.,2012, p.160-179.
ROTTAVA, Lucia. A leitura e a escrita na pesquisa e no
ensino. Espaços da Escola, Ijuí, Editora UNIJUÍ, a.4, n.27, jan.-mar., 1998,
p.61-8.
ROTTAVA, Lucia. A importância da leitura na construção do
conhecimento. Espaços da Escola, Ijuí, Editora UNIJUÍ, a. 9, n.35, jan.-mar.,
2000, p.11-6.
VERISSIMO,
Luís Fernando. Livro. Folha de São Paulo, 29/07/2012. Disponível em <http://aliteraturanaescola-helena.blogspot.com.br/2012/07/luis-fernando-verissimo-livro.html>
Acesso em 09/06/16.
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