quarta-feira, 29 de junho de 2016

Modernidade, informação e o tempo célere

Aluno 90
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Tema: a natureza sociohistórica do tempo.

Problema: a modificação da percepção do tempo na sociedade humana recente, quando comparada à História prévia.

Hipótese: a modernidade, com seu ritmo acelerado e noção acurada de tempo, torna a percepção deste mais rápida.

Argumento:
O descompasso entre tempo cíclico, natural, e tempo linear, socialmente imposto, resulta na aceleração da percepção de tempo para que um possa atender às demandas do outro.

A complexidade da sistematização do tempo moderno gera uma carga cognitiva maior, e, portanto, requer mais atenção por parte da pessoa, o que, por sua vez, resulta na sensação de tempo acelerado.

Contra-argumento:
Tal aceleração do tempo não é nada novo: sempre houve, historicamente, um papel de distração cognitiva por parte de algum instrumento o recurso, o qual é ocupado, hoje, pela tecnologia.









            Em seu ensaio “Technology and Western perception of time”, Lloyd (2011) traça uma trajetória sociohistórica de nossa relação com o tempo de maneira resumida, mas efetiva. De acordo com o autor, nossa relação foi mudando conforme os métodos de medição. As medições das sociedades antigas eram baseadas em eventos naturais, como as estações, ciclos de cultivo, e, portanto, eram de natureza cíclica e levaram à percepção do tempo de forma dessa forma, em contraste com as medições tecnológicas, como a ampulheta e, eventualmente, o relógio, os quais, por sua natureza controlável e aplicável a situações sociais distintas, levaram à percepção do tempo como abstrata e, com a ascensão da cultura judaico-cristã, linear, baseada na noção de criação finita do universo por Deus, a partir da qual o tempo se moveria irreversivelmente. Tais noções, porém, de acordo com o autor (ibid., p. 6), coexistem paradoxalmente na modernidade: sentimos o dia passar de forma cíclica, com eventos recorrentes semanalmente, ao mesmo tempo que pensamos no tempo dessa forma linear.
            Entretanto, o autor explicita o caráter sobrepujante do tempo abstrato – linear – sobre sua contraparte “orgânica”, cíclica, ao citar a industrialização da sociedade nos séculos 18 e 19, quando o “tempo abstrato começou a decidir o tempo social e orgânico” (ibid., p. 3), relação também desenvolvida quando é citado o conflito da pessoa do século 20 entre o seu tempo natural e a imposição sincronizada da sociedade (ibid., p 4) e a liberdade-prisão do trabalhador de tecnologia da informação contemporâneo (ibid., p. 5), o qual pode trabalhar onde quiser, quando quiser, através de mensagens instantâneas, as quais também, por seu fácil acesso e frequência de uso no cotidiano, dissociam as barreiras entre a vida e o trabalho, prendendo uma ao outro. Essa grande relação-problematização receberá a atenção principal deste texto: ver-se-á de que formas será possível contribuir para com a sua exploração, no sentido de corroborá-la empiricamente.
            McLoughlin (2012, p. 5) provém um ponto inicial fundamental: como nossa percepção do tempo pode variar com o ambiente. O autor exemplifica isso ao citar uma pesquisa em que um cientista mediu a percepção de tempo de sua esposa conforme a sua presença ao seu lado, registrando que ela sentia que havia se passado muito mais tempo quando ele não estava presente. Embora não explicitamente declarado pelo autor, entender-se-á que isso implica algum efeito que o contato informacional (afinal, passamos informações aos outros quando na sua presença) teria sobre a percepção do tempo (a conclusão explícita que o autor cita, do cientista exemplificado, é que a percepção do tempo varia conforme alterações no ambiente circundante de uma pessoa). Fala-se em contato informacional porque, como será visto adiante, a exposição à informação – especialmente através da tecnologia – tem efeitos no processamento temporal.
            McLoughlin, por exemplo, (2012, p. 11) cita a análise de uma pesquisa conduzida em 2001, a qual mediu a relação de tempo entre usuários e não-usuários de tecnologia da informação, encontrando uma relação entre o uso desta e um ritmo de vida mais acelerado, somado a maior pressão temporal subjetiva. Mais tarde, McLoughlin (2012, p. 153-154) discute resultados de uma pesquisa própria, em que também estabelece essa relação entre a tecnologia da informação e uma percepção de tempo acelerada. Cita também pesquisas anteriores que fazem a mesma relação que Lloyd (2011, p. 5), quando este diz que as barreiras entre trabalho e ambiente doméstico acabam sendo confundidas, embora as pesquisas também estabeleçam uma relação positiva, no sentido de conferir sensações de liberdade e de experiências novas. Por fim, McLoughlin (2012, p. 154-155) conclui que, embora haja aspectos negativos dessa aceleração do tempo por conta da TI, isso não quer dizer que o sujeito moderno esteja diante de um cenário distópico, citando como exemplo um outro estudo que associa um ritmo de vida mais rápido com maior satisfação e felicidade com a vida. A partir destes dados, é definitivamente visível, embora sem adentrar detalhamentos cognitivos, como a maior informação trazida pela tecnologia nos afeta, mas como seria possível enunciar isso detalhando-o cognitivamente?
            McLoughlin (2012, p. 141) sugere que a TI é multimodal em natureza. Isto é, que apresenta informações de origens diversas: visuais, auditórias, por exemplo. Testando entre indivíduos sujeitos a estímulos mais complexos (multimodais) e indivíduos sujeitos a estímulos mais simples, encontrou diferenças estatísticas significantes entre os dois, no sentido de que quanto mais complexo o estímulo, mais rápido o tempo pareceu passar para a pessoa exposta. Mais adiante (ibid., p. 149), cita um estudo diferenciando a percepção de tempo entre pessoas que viram um filme e aquelas que não viram, no qual aquelas que o assistiram reportaram um tempo de duração maior subjetivo para o mesmo tempo objetivo. O autor explica esse efeito ao relacionar a quantidade de informação sendo processada cognitivamente à estimativa de tempo passado por conta da pessoa efetivadora, havendo uma relação proporcional à carga cognitiva e à percepção de tempo passado.
            Embora não muito elucidativo quanto à perspectiva proposta por Lloyd (2011), a tese de McLoughlin (2012) ajuda a entender esse contraste entre situações “naturais” (representadas pelas seções dos testes acima nas quais os indivíduos não foram sujeitos à tecnologia) e a aceleração da modernidade tecnológica, a qual traz uma demanda externa que tira o indivíduo de sua sincronia habitual, cíclica (por sua cotidianidade) e habitual (Lloyd, 2011, p. 6, fala, inclusive, de como o indivíduo “sente” o tempo natural, por questão de hábito – repetido, cíclico, inquestionado – mas “pensa” no tempo como sua versão abstrata e linear, indicando que a cognição é aplicada quando trabalhamos com essa perspectiva de tempo, o que é paralelizável à visão de McLoughlin, 2012, pois ambos relacionam o emprego da cognição à aceleração temporal subjetiva). Isto é, por mais que utilizem termos diferentes – a dualidade, para Lloyd, 2011, é o cíclico vs. o linear, e para McLoughlin, 2012, é a não-exposição à TI vs. a exposição –, ambos têm um modo de ver o mesmo problema – a aceleração do tempo – similar. Há a relação modernidade-percepção de tempo acelerada em ambos. Assim, há suficiente detalhamento, para o escopo deste texto, da questão levantada anteriormente: ela sobreviveu, pelo menos parcialmente, a sua passagem pelo empírico.
            Ainda resta, porém, definir por qual outro lado essa questão poderia ser levada – e se, por exemplo, não houvesse substancial aceleração por causa de análogos sociais universais à história, no sentido de a tecnologia da informação ocupar um nicho que, em outras épocas, foi preenchido por outros instrumentos ou recursos do ser humano? Essa, infelizmente, é uma indagação muito ampla, de difícil pesquisa: talvez possa se estabelecer uma relação desta hipótese com conceitos como a Recorrência Eterna, trabalhada por, entre muitos, mais famosamente, Nietzsche. Mas, na sua natureza filosófica e até mesmo mística, esse é um conceito que traria uma dificuldade imensa de ser trabalhado, especialmente porque ou é impossível de ser testado, ou é testável, mas sob alguma metodologia ou busca de correlações complexa e revolucionária e, assim, fora do alcance.







Referências

LLOYD, Andreas. Technology and Western perception of time2011. Disponível em <http://www.albacharia.ma/xmlui/handle/123456789/32058>. Acesso em: 20 jun. 2016.

MCLOUGHLIN, Aoife. The Time of Our Lives: An investigation into the effects of technological advances on temporal experience. Limerick: Mary Immaculate College, 2012. 242 f. Tese (PhD) – Doctor of Philosophy, Department of Psychology, Mary Immaculate College, Limerick, 2012. Disponível em: <https://dspace.mic.ul.ie/bitstream/handle/10395/1515/McLoughlin,%20A.(2012)The%20Time%20of%20Our%20Lives%3A%20%20An%20investigation%20into%20the%20effects%20of%20technological%20advances%20on%20temporal%20experience.(PhD%20Thesis)pdf.?sequence=2&isAllowed=y>. Acesso em: 20 jun. 2016.

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