terça-feira, 28 de junho de 2016

Leitura: do verbo a tinta no papel; de processo a produto

Aluno 99
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Não lembro da minha vida antes do letramento. Esse, subjaz ao processo de alfabetização. Desde as minhas primeiras lembranças vejo-me como leitora de diferentes meios e objetos, tal ideia de leitura em diversos contextos poder-se-á encontrar em (BRITTO, 2012). No entanto, o remonte que aqui pretende-se fazer é da leitura da palavra.
Minha história com os livros e mundo textual começa com uma figura sentada na cadeira de balanço: minha avó que certa vez me disse que seu maior prazer na vida era alfabetizar uma criança e, por volta dos 4 anos eu dei-lhe esse prazer. Certo dia, em que lia para mim, já com muito sono, pulava palavras da história e eu a advertia dizendo que estava omitindo partes, até que ela se deu conta e disse: “essa guria está lendo” e me mandou ler uma frase e eu a li. Que eu era um tanto autodidata isso é certo, mas se não fosse as leituras que ela realizara para mim enquanto eu tratava de observar o texto, o léxico e ir assim atribuindo som aquelas palavras, talvez o processo de alfabetização, que viria atar-se ao de letramento, seria mais difícil e, em seguida retardaria o eu leitora da palavra. Minha mãe, nessa jornada, aparece como a pessoa que contava histórias, criava imagens pictóricas, construía significados e lia três, quatro e até cinco vezes o mesmo livro, sendo o primeiro que lembro dela ter ouvido a narração e o primeiro de muitos que leria intitula-se A menina bonita do laço de fita.
O papel do seio familiar é proposto por ROTTAVA (2000) em que a autora trabalha: “a família não deve deixar somente para a escola o papel de despertar, incentivar e motivar a leitura. Grande parte dessa responsabilidade é também dos mais, que devem proporcionar aos seus filhos o acesso às publicações e incentivá-los à leitura”. Mesmo sendo letrada e alfabetizada em casa, não cresci em uma casa com muitos livros, tampouco, ganhava-os. Durante muito tempo a única personagem em minha vida fora a minha menina bonita do laço de fita; embora trate-se de uma casa de educadoras o hábito de ler não era comum, mas era reconhecido sua importância, por isso, mesmo que indiretamente era eu influenciada a ler. Por tal razão, muito cedo descobri um lugar que de certa forma tornou-se um avião que me levava para qualquer lugar do mundo: a biblioteca.
            Muitas viagens foram feitas naquele espaço com cheiro de papel velho, a porta de embarque era o amontoado de folhas que por vezes apoiava nos joelhos de tão pesados que eram para mim. No entanto, sempre convivi com muitos adultos, o que fez com que dentro de breve minha realidade não fosse a de um infanto-juvenil. Logo, essas leituras perderam o brilho para mim pois o sentido de ler é a busca incessante por conhecimento e então, passei a ler livros de História, pesquisas cientificas e, posteriormente, literatura de “gente grande”. Nesse sentido, (BRITTO, 2012) reafirma o que digo: “Em termos claros, só faz sentido aprender a leitura do texto se for para ampliar as formas de ser e perceber o mundo”.
A leitura, nesse período subdividiu-se: meu hábito por prazer e minha leitura na escola. As leituras na escola eram extremamente penosas; isso porque eu lia e interagia com o texto, enquanto minhas professoras queriam que eu apenas decodificasse o que ali estava. Dessa forma, minhas interpretações de texto, sempre salientando que, como nos mostra (BRITTO, 2012): “interpretar não é ler (ainda que faça parte da leitura)”, eram sempre bem elaboradas, o que causava advertência sob alegação de que não havia entendido o texto – porque não havia transcrito o trecho e sim colocado de acordo com a minha construção de sentidos, interlocução em cima do escrito. Fui elucidada para o que acontecia, quando por pura vontade já na Universidade peguei o artigo de ROTTAVA (1998), que servir-me-á como aporte teórico, e deparei-me com os conceitos de letramento e leitura enquanto botton-up e top-down; vi que me aplicava ao segundo, enquanto minhas professoras aplicavam-se ao primeiro. Todavia, não julgo isso um problema no meu caminho de leitora e sim uma outra perspectiva de olhar a leitura, no caso, por elas, como produto.
            Enquanto isso, minhas leituras por prazer tomavam um novo rumo. Eu sabia e ouvia nas rodas de conversa que Verissimo era um “autor de gente adulta” e que, por alguma razão, era importante; foi com ele que obtive meu primeiro grande desafio enquanto leitora. A professora Sabrina, ciente da minha vontade de lê-lo, especialmente, a obra Um Certo Capitão Rodrigo entregou-me nas férias de verão, do ano que não recordo ao certo, entre 2011-2009, o exemplar com um trato feito: eu teria dois meses para ler e na volta faria uma análise literária para ela. Li aquele texto com tamanha facilidade, o que causou espanto na professora; a história me abraçava, pois, de certa forma, lembrava os costumes e os cenários de onde moro; tal argumento, é elucidado por (ROTTAVA, 2000) em que defende que: “a leitura como construção do conhecimento, portanto, deve ser autêntica, ou seja, vincular-se à realidade do leitor”. Depois disso, nunca mais parei nem tive medo de ler “gente grande”, sabia, enfim, da minha capacidade de leitora: de Érico Verissimo à Lispector, de Lispector a Saint-Exupéry, de Saint-Exupéry à Gabriel Garcia Márquez.
            A primeira e única grande intempérie de leitura apareceu em contexto acadêmico, já no curso de Letras. Os gêneros que apareceram não eram para mim novos, visto que era habituada a leitura de referenciais teóricos. No entanto, o estranhamento aconteceu quando me fora solicitado a leitura de Ilíada. A estrutura sintática, o léxico, combinadas com a história clássica – trata-se de uma epopeia – fez com que eu não entendesse absolutamente nada do assunto e do que aquilo que estava em minhas mãos queria dizer. Ou seja, eu não possuíra o conhecimento prévio, constituído de várias subdivisões, para aquela leitura.
A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto [...] Pode-se dizer com segurança que sem o engajamento do conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão. (KLEIMAN, 1995, pág. 13)
            O acontecimento fez-me pensar que todas as leituras que aconteceriam na academia seriam desse padrão e que o ato de ler, que sempre me foi tão amigável, não mais seria, o que não logicamente, não ocorreu. No mesmo período dessa leitura, tomei em mãos os mesmos artigos que cito em meados desse escrito, (ROTTAVA, 1998) e (ROTTAVA 2000), e através deles pude entender por qual motivo aquele texto foi por mim incompreendido, ver que eram esses eram textos acadêmicos que não obtive dificuldade em lê-los e ainda pude situar minha vida enquanto leitora e alfabetizada, remontando os sentidos de todas a negativas e positivas que recebi no meu percurso e afirmar com a mesma autora o que sintetiza a construção do eu-leitora:
Acima de tudo, o conhecimento não está pronto e finalizado, mas em continua transformação. A leitura, portanto, é o caminho para a construção de parte de todo e qualquer conhecimento. (ROTTAVA, 2012, pág. 177)

Referências

ROTTAVA, Lucia. A Leitura e Escrita na Pesquisa e no Ensino. In: Espaço da Escola; n. 26; p. 61-68; 1998
ROTTAVA, Lucia. A Importância da Leitura na Construção de Conhecimento. In: Espaço da Escola; n. 35; p. 11-16; 2000
ROTTAVA, Lucia. A leitura em contexto acadêmico: o processo de construção de sentidos de alunos do primeiro semestre do curso de Letras. In: Signo; v. 37 n.63, p. 160-179, 2012.
KLEIMAN, Angela. Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos de Leitura. São Paulo: Pontes, 1997.
BRITTO, Luiz P. LLeitura: acepções, sentido e valor. In: Nuances: estudos sobre Educação; v. 21. n. 22; p. 18-22; 2012.

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