Aluno 99
1 Versão
Não lembro da minha vida antes do
letramento. Esse, subjaz ao processo de alfabetização. Desde as minhas
primeiras lembranças vejo-me como leitora de diferentes meios e objetos, tal
ideia de leitura em diversos contextos poder-se-á encontrar em (BRITTO, 2012).
No entanto, o remonte que aqui pretende-se fazer é da leitura da palavra.
Minha história com os livros e
mundo textual começa com uma figura sentada na cadeira de balanço: minha avó
que certa vez me disse que seu maior prazer na vida era alfabetizar uma criança
e, por volta dos 4 anos eu dei-lhe esse prazer. Certo dia, em que lia para mim,
já com muito sono, pulava palavras da história e eu a advertia dizendo que
estava omitindo partes, até que ela se deu conta e disse: “essa guria está
lendo” e me mandou ler uma frase e eu a li. Que eu era um tanto autodidata isso
é certo, mas se não fosse as leituras que ela realizara para mim enquanto eu
tratava de observar o texto, o léxico e ir assim atribuindo som aquelas
palavras, talvez o processo de alfabetização, que viria atar-se ao de
letramento, seria mais difícil e, em seguida retardaria o eu leitora da
palavra. Minha mãe, nessa jornada, aparece como a pessoa que contava histórias,
criava imagens pictóricas, construía significados e lia três, quatro e até
cinco vezes o mesmo livro, sendo o primeiro que lembro dela ter ouvido a narração
e o primeiro de muitos que leria intitula-se A menina bonita do laço de fita.
O papel do seio familiar é
proposto por ROTTAVA (2000) em que a autora trabalha: “a família não deve
deixar somente para a escola o papel de despertar, incentivar e motivar a leitura.
Grande parte dessa responsabilidade é também dos mais, que devem proporcionar
aos seus filhos o acesso às publicações e incentivá-los à leitura”. Mesmo sendo
letrada e alfabetizada em casa, não cresci em uma casa com muitos livros,
tampouco, ganhava-os. Durante muito tempo a única personagem em minha vida fora
a minha menina bonita do laço de fita; embora trate-se de uma casa de
educadoras o hábito de ler não era comum, mas era reconhecido sua importância,
por isso, mesmo que indiretamente era eu influenciada a ler. Por tal razão,
muito cedo descobri um lugar que de certa forma tornou-se um avião que me
levava para qualquer lugar do mundo: a biblioteca.
Muitas viagens foram feitas naquele
espaço com cheiro de papel velho, a porta de embarque era o amontoado de folhas
que por vezes apoiava nos joelhos de tão pesados que eram para mim. No entanto,
sempre convivi com muitos adultos, o que fez com que dentro de breve minha
realidade não fosse a de um infanto-juvenil. Logo, essas leituras perderam o brilho
para mim pois o sentido de ler é a busca incessante por conhecimento e então,
passei a ler livros de História, pesquisas cientificas e, posteriormente,
literatura de “gente grande”. Nesse sentido, (BRITTO, 2012) reafirma o que
digo: “Em termos claros, só faz sentido aprender a leitura do texto se for para
ampliar as formas de ser e perceber o mundo”.
A
leitura, nesse período subdividiu-se: meu hábito por prazer e minha leitura na
escola. As leituras na escola eram extremamente penosas; isso porque eu lia e
interagia com o texto, enquanto minhas professoras queriam que eu apenas
decodificasse o que ali estava. Dessa forma, minhas interpretações de texto,
sempre salientando que, como nos mostra (BRITTO, 2012): “interpretar não é ler
(ainda que faça parte da leitura)”,
eram sempre bem elaboradas, o que causava advertência sob alegação de que não
havia entendido o texto – porque não havia transcrito o trecho e sim colocado
de acordo com a minha construção de sentidos, interlocução em cima do escrito.
Fui elucidada para o que acontecia, quando por pura vontade já na Universidade
peguei o artigo de ROTTAVA (1998), que servir-me-á como aporte teórico, e
deparei-me com os conceitos de letramento e leitura enquanto botton-up e top-down; vi que me aplicava ao segundo, enquanto minhas
professoras aplicavam-se ao primeiro. Todavia, não julgo isso um problema no
meu caminho de leitora e sim uma outra perspectiva de olhar a leitura, no caso,
por elas, como produto.
Enquanto isso, minhas leituras por
prazer tomavam um novo rumo. Eu sabia e ouvia nas rodas de conversa que
Verissimo era um “autor de gente adulta”
e que, por alguma razão, era importante; foi com ele que obtive meu primeiro
grande desafio enquanto leitora. A professora Sabrina, ciente da minha vontade
de lê-lo, especialmente, a obra Um Certo
Capitão Rodrigo entregou-me nas férias de verão, do ano que não recordo ao
certo, entre 2011-2009, o exemplar com um trato feito: eu teria dois meses para
ler e na volta faria uma análise literária para ela. Li aquele texto com
tamanha facilidade, o que causou espanto na professora; a história me abraçava,
pois, de certa forma, lembrava os costumes e os cenários de onde moro; tal
argumento, é elucidado por (ROTTAVA, 2000) em que defende que: “a leitura como
construção do conhecimento, portanto, deve ser autêntica, ou seja, vincular-se
à realidade do leitor”. Depois disso, nunca mais parei nem tive medo de ler
“gente grande”, sabia, enfim, da minha capacidade de leitora: de Érico
Verissimo à Lispector, de Lispector a Saint-Exupéry, de Saint-Exupéry à Gabriel
Garcia Márquez.
A primeira e única grande intempérie
de leitura apareceu em contexto acadêmico, já no curso de Letras. Os gêneros
que apareceram não eram para mim novos, visto que era habituada a leitura de
referenciais teóricos. No entanto, o estranhamento aconteceu quando me fora
solicitado a leitura de Ilíada. A estrutura sintática, o léxico, combinadas com
a história clássica – trata-se de uma epopeia – fez com que eu não entendesse
absolutamente nada do assunto e do que aquilo que estava em minhas mãos queria
dizer. Ou seja, eu não possuíra o conhecimento prévio, constituído de várias
subdivisões, para aquela leitura.
A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela
utilização de conhecimento prévio: o
leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo
de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como
conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor
consegue construir o sentido do texto [...] Pode-se dizer com segurança que sem
o engajamento do conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão.
(KLEIMAN, 1995, pág. 13)
O acontecimento fez-me pensar que
todas as leituras que aconteceriam na academia seriam desse padrão e que o ato
de ler, que sempre me foi tão amigável, não mais seria, o que não logicamente,
não ocorreu. No mesmo período dessa leitura, tomei em mãos os mesmos artigos
que cito em meados desse escrito, (ROTTAVA, 1998) e (ROTTAVA 2000), e através
deles pude entender por qual motivo aquele texto foi por mim incompreendido,
ver que eram esses eram textos acadêmicos que não obtive dificuldade em lê-los
e ainda pude situar minha vida enquanto leitora e alfabetizada, remontando os
sentidos de todas a negativas e positivas que recebi no meu percurso e afirmar
com a mesma autora o que sintetiza a construção do eu-leitora:
Acima de tudo, o conhecimento não está pronto e finalizado, mas em
continua transformação. A leitura, portanto, é o caminho para a construção de
parte de todo e qualquer conhecimento. (ROTTAVA, 2012, pág. 177)
Referências
ROTTAVA, Lucia. A Leitura e Escrita na Pesquisa
e no Ensino. In: Espaço da Escola;
n. 26; p. 61-68; 1998
ROTTAVA, Lucia. A Importância da Leitura na
Construção de Conhecimento. In: Espaço
da Escola; n. 35; p. 11-16; 2000
ROTTAVA, Lucia. A leitura em contexto acadêmico:
o processo de construção de sentidos de alunos do primeiro semestre do curso de
Letras. In: Signo; v. 37 n.63,
p. 160-179, 2012.
KLEIMAN, Angela. Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos de Leitura. São Paulo: Pontes,
1997.
BRITTO, Luiz P. L. Leitura: acepções, sentido e valor. In: Nuances: estudos sobre Educação; v. 21.
n. 22; p. 18-22; 2012.
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