Reescrita
Por Aluno 28
Márcia, prazer. Não
gosto de apresentações formais, é quase um trauma. Talvez tenha mais sorte numa
modalidade escrita.
Já
contei esta história algumas vezes aqui, deve haver colegas que não reconhecem
o meu rosto, mas reconhecem a historia; deve ter até, quem já não agüenta mais
ouvir esta história – tem sempre gente exagerada.
Quando
criança, queria ser professora como minha mãe, e minhas tias. -Deusolivre!! –
era só o que eu escutava; -Vai escolher outra coisa! Qualquer coisa, menos professora.
Quer morrer de fome?
- Eu não queria.
Meu
irmão queria ser músico, gostava de tomar cerveja. O Desolivre que chegava aos
ouvidos dele talvez fosse menos sonoro que o que chegava aos meus, mas teve
alguma influência; fez faculdade de música na UFRGS e Direito na PUC (mas
cursou só um ano). Minha irmã sempre desenhou maravilhosamente bem, se tivesse
nascido na Itália, durante o renascimento, seria um sucesso. Não deu a mínima
atenção para os Deusolivres que ouvia, aliás, não ouvia muito nada de ninguém,
engravidou aos 17 anos e fez faculdade de Belas Artes. Minha outra irmã, mais
moça que eu, adorava dançar; e deu aulas de dança durante todo o tempo em que
cursou Educação Física. Era a 4ª filha, para ela acho que nem diziam nada,
4ºfilho se cria sozinho...
Já eu,
sempre dei atenção aos conselhos, era obediente, comportada, acreditava
piamente em tudo que me diziam, então, professora, Deusolivre! Quem iria
socorrer meus irmãos artistas, pinguços, pobretões e, no máximo, professores? Papai e mamãe não
duram pra sempre. Então, eu, com meu imenso coração e nenhuma vontade de ser
pobre resolvi ser médica e, eventualmente, salvar a família.
Fiz a
faculdade na UFRGS, era bem interessante, porém pensei em desistir algumas
vezes, mas novamente segui os conselhos dos mais velhos; Me formei e fiz
residência médica em Pediatria na PUC. Findo este período, fui contratada para
trabalhar no setor de emergência Pediátrica daquele hospital. E lá fiquei,
tranquilamente, por 5 anos, até que resolvi engravidar. Decidi que iria
diminuir minhas horas de trabalho, para ficar o maior tempo possível junto ao
meu filho. Só que aí, depois que o guri nasceu, minha relação com os pequenos
pacientes ficou periclitante, era quase insustentável. Eu não podia ver uma
criança doente que me dava uma vontade louca de chorar; as enfermeiras,
puncionando as micro veias dos bebês, era uma cena de cortar o coração. Era
esta manteiga derretida a responsável pela emergência pediátrica! Um perigo! Um
absurdo! As mães das crianças, nesta época, me adoravam; eu tinha toda a
paciência do mundo ao escutá-las, aconselhava-as, confortava-as, desde que não
me mostrassem seus filhos doentes.
Afora
os riscos de cometer alguma imprudência e do ridículo do destempero, ainda
sobreveio um sentimento péssimo de auto-estima, um remorso de ter sido, nos
anos anteriores, alguém sem sentimentos... não entendia como eu conseguira
suportar as terríveis cenas que vivi, com frieza para fazer qualquer outra
coisa que não fosse me desesperar. Eu era uma pessoa meio ruim, eu achava. Aquela nova eu desprezava a antiga.
Foram
três anos vivendo estes conflitos. Tivemos sorte! Eu e as crianças da
redondeza.
Engravidei
novamente, desta vez uma menina; e aí resolvi largar totalmente a carreira de
médica. Fiquei mãe tempo integral e também tenista e leitora voraz. E adorei!
Queria ter tido condições de engravidar pelo menos mais umas 3 ou 4 vezes, mas não
deu.
A
verdade é que achava bom não trabalhar (alem é claro, do trabalho de casa e de
cuidar das crianças), em termos financeiros, a diferença não era tão grande, já
o alívio de não ter mais sobre meus ombros a responsabilidade de lidar com
vidas humanas, ah, isso não tinha preço. Quer dizer, até tinha, mas meus
empregadores não estavam dispostos a pagar, nem eu tampouco a fazer por merecer.
Alguns
anos se passaram, um tempo muito feliz. Minha filha desde os 13 anos
manifestava muita vontade de ser professora. Deus a livrou de ouvir qualquer
represália. E há alguns meses atrás, começou a me atormentar para que eu
fizesse vestibular junto com ela. Tanto foi, tanto me encheu, tanto eu quis
que, na semana seguinte eu havia me inscrito. Agora, 33 anos depois do meu primeiro
ingresso na universidade, I’m back!
Vou ser professora? Já estou meio velha, não acredito, mas...
sabe-se lá. Seja o que Deus quiser.
Quanto
ao trauma de apresentações que mencionei no início, conto talvez num outro
momento, mas é relevante, ao trauma, toda esta história inicial. Alguém curioso
quanto ao que aconteceu com meus irmãos? Também, talvez, numa outra hora. Todos
temos o direito de falar. Se me deixarem vou indo, indo...
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