quinta-feira, 24 de abril de 2014

Apresente-se

Reescrita
Por Aluno 28



            Márcia, prazer. Não gosto de apresentações formais, é quase um trauma. Talvez tenha mais sorte numa modalidade escrita.
         Já contei esta história algumas vezes aqui, deve haver colegas que não reconhecem o meu rosto, mas reconhecem a historia; deve ter até, quem já não agüenta mais ouvir esta história – tem sempre gente exagerada.
         Quando criança, queria ser professora como minha mãe, e minhas tias. -Deusolivre!! – era só o que eu escutava; -Vai escolher outra coisa! Qualquer coisa, menos professora. Quer morrer de fome? - Eu não queria.
         Meu irmão queria ser músico, gostava de tomar cerveja. O Desolivre que chegava aos ouvidos dele talvez fosse menos sonoro que o que chegava aos meus, mas teve alguma influência; fez faculdade de música na UFRGS e Direito na PUC (mas cursou só um ano). Minha irmã sempre desenhou maravilhosamente bem, se tivesse nascido na Itália, durante o renascimento, seria um sucesso. Não deu a mínima atenção para os Deusolivres que ouvia, aliás, não ouvia muito nada de ninguém, engravidou aos 17 anos e fez faculdade de Belas Artes. Minha outra irmã, mais moça que eu, adorava dançar; e deu aulas de dança durante todo o tempo em que cursou Educação Física. Era a 4ª filha, para ela acho que nem diziam nada, 4ºfilho se cria sozinho...
         Já eu, sempre dei atenção aos conselhos, era obediente, comportada, acreditava piamente em tudo que me diziam, então, professora, Deusolivre! Quem iria socorrer meus irmãos artistas, pinguços, pobretões e, no máximo, professores? Papai e mamãe não duram pra sempre. Então, eu, com meu imenso coração e nenhuma vontade de ser pobre resolvi ser médica e, eventualmente, salvar a família.
         Fiz a faculdade na UFRGS, era bem interessante, porém pensei em desistir algumas vezes, mas novamente segui os conselhos dos mais velhos; Me formei e fiz residência médica em Pediatria na PUC. Findo este período, fui contratada para trabalhar no setor de emergência Pediátrica daquele hospital. E lá fiquei, tranquilamente, por 5 anos, até que resolvi engravidar. Decidi que iria diminuir minhas horas de trabalho, para ficar o maior tempo possível junto ao meu filho. Só que aí, depois que o guri nasceu, minha relação com os pequenos pacientes ficou periclitante, era quase insustentável. Eu não podia ver uma criança doente que me dava uma vontade louca de chorar; as enfermeiras, puncionando as micro veias dos bebês, era uma cena de cortar o coração. Era esta manteiga derretida a responsável pela emergência pediátrica! Um perigo! Um absurdo! As mães das crianças, nesta época, me adoravam; eu tinha toda a paciência do mundo ao escutá-las, aconselhava-as, confortava-as, desde que não me mostrassem seus filhos doentes.
         Afora os riscos de cometer alguma imprudência e do ridículo do destempero, ainda sobreveio um sentimento péssimo de auto-estima, um remorso de ter sido, nos anos anteriores, alguém sem sentimentos... não entendia como eu conseguira suportar as terríveis cenas que vivi, com frieza para fazer qualquer outra coisa que não fosse me desesperar. Eu era uma pessoa meio ruim, eu achava.  Aquela nova eu desprezava a antiga.
         Foram três anos vivendo estes conflitos. Tivemos sorte! Eu e as crianças da redondeza.
         Engravidei novamente, desta vez uma menina; e aí resolvi largar totalmente a carreira de médica. Fiquei mãe tempo integral e também tenista e leitora voraz. E adorei! Queria ter tido condições de engravidar pelo menos mais umas 3 ou 4 vezes, mas não deu.
         A verdade é que achava bom não trabalhar (alem é claro, do trabalho de casa e de cuidar das crianças), em termos financeiros, a diferença não era tão grande, já o alívio de não ter mais sobre meus ombros a responsabilidade de lidar com vidas humanas, ah, isso não tinha preço. Quer dizer, até tinha, mas meus empregadores não estavam dispostos a pagar, nem eu tampouco a fazer por merecer.
         Alguns anos se passaram, um tempo muito feliz. Minha filha desde os 13 anos manifestava muita vontade de ser professora. Deus a livrou de ouvir qualquer represália. E há alguns meses atrás, começou a me atormentar para que eu fizesse vestibular junto com ela. Tanto foi, tanto me encheu, tanto eu quis que, na semana seguinte eu havia me inscrito. Agora, 33 anos depois do meu primeiro ingresso na universidade, I’m back!
Vou ser professora?  Já estou meio velha, não acredito, mas... sabe-se lá. Seja o que Deus quiser.
         Quanto ao trauma de apresentações que mencionei no início, conto talvez num outro momento, mas é relevante, ao trauma, toda esta história inicial. Alguém curioso quanto ao que aconteceu com meus irmãos? Também, talvez, numa outra hora. Todos temos o direito de falar. Se me deixarem vou indo, indo...

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