quinta-feira, 24 de abril de 2014

Das Letras e dos Números

Reescrita
Por Aluno 3

“Como poderia alguém, em sã consciência, sentir verdadeiro prazer no estudo de tanto ciências humanas quanto de ciências exatas, sendo essas duas categorias do conhecimento humano opostas em suas naturezas? Afinal de contas, quando já se viu qualquer intertextualidade entre, por exemplo, Matemática e Sociologia? Jamais, certamente! Então, por que diabos esse desgraçado menino teimosamente insiste em tentar convencer a si mesmo de que tem igual amor pelas Letras e pelo aprendizado da Matemática e da Física? Não me convenço de que seja verdadeira a coexistência de tão dissemelhantes interesses em uma mesma pessoa, de jeito nenhum!” Através deste breve compêndio de questionamentos posso resumir a totalidade dos temas que fundamentavam as principais dúvidas a mim direcionadas por conhecidos de menor intimidade após minha saída do curso de Física da UFRGS, do qual completei apenas o primeiro semestre de estudos, sob o pretexto de poder iniciar o curso de Letras da Universidade. Não somente me irritavam essas desnecessárias perguntas como muito me entristeciam, por através delas a mim tornar-se ainda mais claro o quanto se vê com estranheza o gosto pelo aprendizado e o amor pelo conhecimento por uma perturbadora maioria de indivíduos deste país.
Se por um acaso tu, leitor, se vê agora como mais um dos acima citados por mim tão irritantes questionadores, não te sintas constrangido por minhas anteriores palavras. Serei, por achar-te digno da exceção, contigo paciente e, através de uma breve exposição da sucessão de eventos desta minha vida que me levaram àquela tão incompreensivelmente incompreendida troca de currículos acadêmicos, tentarei a ti explicar como se apresenta e como foi desenvolvido pelas minhas experiências meu talvez mais marcante traço de personalidade: o igual respeito a todas as grandes áreas do conhecimento da humanidade. Espero que compreendas esta mensagem que pretendo a ti esclarecer, de modo que não venhas a eventualmente me abordar em um lugar qualquer com a intenção de me perguntar tudo o que já foi a mim perguntado tantas e tantas vezes sobre aquela minha “súbita mudança de planos”.
Comecemos pelo princípio, se fores de acordo.
Desde os meus seis anos de idade até a conclusão do meu Ensino Fundamental, era eu já visto por muitos como um leitor essencialmente voraz. Tinha o costume de ler, em média, cinco livros por semana: não duravam uma única tarde em minhas mãos as obras com menos de 300 páginas. Sempre tive facilidade com a resolução das tarefas que eventualmente vinham a ser propostas pelo colégio nestes primeiros oito anos da minha trajetória acadêmica, o que me permitia passar grande parte do meu tempo fora das salas de aula desfrutando dos livros que tinha em minha posse, os quais eram frequentemente presenteados a mim pelos meus pais, que assim faziam por terem consciência do bom investimento que faziam em seu filho, tão sedento que este era por novas histórias e curiosidades.
Para praticar essa rotina antiga minha, deitava de bruços em minha pequena (ainda que suficientemente espaçosa na época) cama com os cotovelos apoiados sobre o colchão de forma que não ficasse eu de todo deitado e, com o livro a ser usufruído no dia em questão apoiado sobre um travesseiro de não muito acentuada espessura, começava a devorar todas as palavras apresentadas na obra, sempre atento aos mais ínfimos detalhes das narrativas formadas por elas e sem nunca demonstrar cansaço de qualquer espécie em relação à sua leitura. Muito me interessava, nesses tempos, por mitologia grega, sagas de aventura e histórias de terror, em relação às quais mais sentia fascínio do que medo: li “O Gato Preto”, de Poe, com oito ou nove anos de idade e sem maiores problemas para dormir à noite daquele dia em que o fiz.
Infelizmente, a partir de 2010, ano em que iniciei meus estudos relativos ao meu Ensino Médio, meu tão querido hábito de leitura fervorosa foi gradativamente perdendo sua intensidade e, com muito pesar o admito, foi substituída por uma danosamente estática rotina de completo ócio intelectual a partir dos últimos meses de 2011. No entanto, não foi a mim de todo prejudicial esse período de recesso das minhas relações com a literatura: não fosse pelo espaço que foi desocupado por aquela minha apreciação ferrenha aos meus momentos de leitura, jamais poderia ter encontrado o seu cantinho nesta minha cabeça o grande amor que hoje tenho pelas ciências exatas.
Foi na segunda metade de 2012, meu último ano do Ensino Médio. Em um evento escolar organizado por Diego Sabka, Leandro Camacho e Juliano de Lazari (meus, naquele tempo, professores de Física, Química e Filosofia, respectivamente), foi apresentado a todas as turmas presentes no colégio durante o turno da manhã um vídeo que tratava sobre algumas conjeturas sobre mistérios de Universo ainda a serem resolvidos pela Ciência. Quem discorria sobre aquelas tão fascinantes concepções apresentadas na filmagem era o astrofísico americano Neil deGrasse Tyson, hoje meu maior (e único) ídolo, e desde aquele momento meu mais amado professor: Dr. Neil demonstra, em todos os seus discursos, uma incomparável capacidade de carregar suas palavras com inspiração, e muito se esforça no exercício de sua profissão, a qual não apenas se define como pesquisador mas também como divulgador da Ciência, para que seja desperto nos corações de todos aqueles dispostos a escutá-lo a mesma sede por conhecimento que rege sua vida cotidiana.
Sentia eu, pela primeira vez em três longuíssimos anos, um significante esforço de minha mente em compreender todos aqueles misteriosos conceitos a mim apresentados naquela fantástica manhã e, ao mesmo tempo, todo o gigantesco prazer proveniente daquela minha intensa atividade cerebral: havia eu, naquele específico dia, me apaixonado desvairadamente pelo estudo da Ciência. Por essa inesperada reativação da minha a tanto tempo deixada de lado natural curiosidade, ficarei eu para sempre em dívida com aquele nobre homem.
Naquela frenética euforia da descoberta de um novo mundo de objetos de estudo e admiração sem limites, resolvi contrariar todas as expectativas que recaíam sobre mim (baseadas no conhecimento prévio de meus antigos hábitos de infância relativos à leitura) em relação ao meu curso de escolha no vestibular da UFRGS de janeiro de 2013 e, ao invés de optar pelo curso de licenciatura em Letras, me inscrevi, de última hora, para a disputa pelo ingresso no curso de Física, e não me arrependi nem considerei talvez ter errado em minha decisão por um único momento: estava convencido de que era pelo incansável estudo do Universo e dos incontáveis mistérios escondidos em sua fábrica e pela obtenção do conhecimento disponibilizado à humanidade pela Ciência que alcançaria eu em minha vida a por todos tão almejada felicidade. Fui aprovado na prova e, em março daquele mesmo ano, entrei pela primeira vez no tão famoso Campus Vale para que pudesse iniciar minha nova trajetória de aprendizado.
A menos que não tenhas prestado a devida atenção ao parágrafos introdutórios deste texto aqui exposto, creio que tanto eu quanto tu, leitor, sabemos que não seria assim que prosseguiria a história do meu futuro próximo (em relação, evidentemente, àquele momento). Mas, talvez estejas a te perguntar, por que viria eu, que estava naqueles tempos tão convencido de minhas decisões e tão apaixonado por aquilo que me propunha a estudar, a desistir de continuar no curso em que ingressara? Prossigamos.
Esperava eu, apesar do meu grande interesse pelos conceitos abordados pela Física e pela Química em suas pesquisas, ter muitas dificuldades no aprendizado da Matemática do Ensino Superior, pois chegava eu no curso com muito pouco domínio deste sistema de formação de padrões lógicos. Fui surpreendido pela cadeira de Cálculo I, a qual criou em mim o gosto pela Matemática e pelos infinitos modos como esta pode ser utilizada como fundamental ferramenta na busca pelo entendimento das leis da natureza. O primeiro semestre do meu primeiro curso na Universidade foi excedente a todas as minhas já positivas expectativas. Só houve um porém, o qual tratou de eventualmente fazer com que eu abandonasse o curso que tanto amava: senti, por meados de junho, se bem me recordo, um inconsolável desejo de deitar-me sobre minha cama em uma silenciosa tarde de inverno e, com os cotovelos apoiados sobre o colchão de forma que não ficasse eu de todo deitado, com um livro a ser usufruído apoiado sobre um travesseiro de não muito acentuada espessura, começar a devorar todas as palavras apresentadas na obra, sempre atento aos mais ínfimos detalhes das narrativas formadas por elas e sem nunca demonstrar cansaço de qualquer espécie em relação à sua leitura, exatamente como fazia por costume quando era criança. Sentia saudades da literatura.
Não pude, então, por mais que estivesse aproveitando meus estudos nas cadeiras de que no momento participava, me conter em trocar a Física por aquele curso que me devolveria aquele antigo e tão querido hábito infantil meu: para voltar a ler, utilizando o costume da leitura das grandes obras no exercício da busca pelo entendimento do conhecimento humano, entrei, por fim, em fevereiro de 2014, no curso de licenciatura em Letras da UFRGS.
Assim é justificada a minha incomum mudança de curso, leitor. Espero que agora tenhas noção de que por mais que tenha me afastado dos estudos formais (leia-se “através da universidade) das ciências exatas ainda muito as admiro como fonte de conhecimento e que sou a elas até hoje imensamente grato por terem sido as maiores responsáveis pela renovação da minha busca pelo aprendizado. Espero ter conseguido elucidar, através deste texto, como se deu o processo que teve como resultado a união dessas antagônicas áreas de estudo em uma única visão de mundo, fazendo ser compreendida por ti os motivos que tenho para ficar, de certa forma, desconcertado quando me deparo com aqueles que não parecem ter a capacidade de aceitar essa coexistências de vertentes do conhecimento como realidade, ignorando, de tal forma, que o nosso entendimento atual sobre tudo o que nos cerca é tão baseado nas infinitas articulações da linguagem dos homens (as Letras), quanto na nossa ainda precária tradução da linguagem do Universo (os Números).


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