segunda-feira, 20 de junho de 2016

Aluno 113
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É sempre um choque de realidade quando você sai daquela rotina que está acostumado e parte para algo diferente. Foi assim que aconteceu comigo lá pelos quinze anos quando saí da escola do meu bairro para cursar o ensino médio e ter meu primeiro emprego. Antes disso, nada era tão sério, levava em tom de brincadeira quando alguém dizia que a vida no futuro seria mais difícil, que a relação entre pessoas requereria paciência.
Por decisão dos meus pais, fui ter minha primeira experiência de trabalho. Não por uma necessidade, eles queriam mesmo é que eu não tivesse tempo livre, como eles diziam “cabeça vazia pensa besteiras”. No primeiro momento achei chato, sem graça, não tinha o tom de brincadeira que o menininho via antes. Ainda assim encarei. Minha função? Aprendiz do setor comercial de uma empresa de serviços de comunicação. Primeira mudança: eu, tímido, sem ter muito que falar, recém-saído da segurança de casa, teria que falar. E falar muito, quatro horas por dia, com todos os tipos de pessoa que precisassem de mim. Como era de se esperar, foi mesmo um choque de realidade.
Chegando à empresa, eu olhava para os lados e não via quase ninguém da mesma idade que eu. Um ou dois colegas também aprendizes, mas ainda assim me sentia sozinho, sem saber o que fazer, como agir, como me comportar, que palavras usar. Bastava que alguém mencionasse meu nome pra que eu pensasse logo em sair correndo gritando “eu quero a minha mãe!”, mas não havia essa opção. Meu trabalho concentrava-se sempre ao telefone, atendendo muitos clientes por dia, gente de vários lugares, várias idades, várias vidas.
Lidando essa multiplicidade, me deparava sempre com situações com as quais eu não estava acostumado a lidar. Pessoas mal-humoradas, com a voz carregada de raiva e braveza, que não queriam saber de nada, não queriam saber de nada e eu ali, “desculpe senhor, só estou fazendo o meu trabalho”. Encontrei também pessoas muito solícitas, com a voz leve, eu podia sentir que falavam sorrindo. Essa rotina de estar permanentemente em contato com muitas pessoas foi me modificando aos poucos e para melhor.
Houve uma inversão de papeis. Passei a me colocar no lugar dos atendentes de telemarketing que fazem milhares de ligações por dia sofrendo agressões com palavras todos os dias. Jamais deixei de ser solícito com algum que ligasse para minha casa depois disso. Comecei a prestar mais atenção nas pessoas ao meu redor, vi um mundo todo que não via antes. Descobri que não dói sorrir para quem te atende na loja, no mercado ou em qualquer estabelecimento e que é muito gratificante receber de volta. Desde então sou mais solícito, mais educado, mais humano.
Depois dessa experiência, vejo que meus pais tinham razão, lidar com outras pessoas requer muita paciência. Hoje eu lembro com muito carinho do período porque me serviu de grande aprendizado, aprendi a me relacionar com os mais diferentes tipos de pessoas e perdi o medo que tinha delas. Quando sorrio para alguém me sinto leve, não tem razão para guardar sorrisos, medir abraços, elevar a voz, nada disso. Melhor mesmo é uma boa conversa, em tom de brincadeira, sem pensar que a vida é mesmo um sacrilégio e que só estamos aqui para enfrentar problemas. Além de enfrentar problemas, estamos aqui para criar soluções. Boas ações podem sim atrair boas ações, é nisso que acredito. Já estou fazendo a minha parte.


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