Aluno 161
Reescrita
Um pequeno quadro
verde. Minhas mãos com resquícios de giz branco. A voz da minha mãe ao fundo.
Ela indagava, pacientemente, pela terceira ou quarta vez: “C com A...?” “CA!”
-- respondeu prontamente Milla, minha irmã mais velha, interrompendo-me antes
que eu pudesse dizer alguma coisa. Tal como fizera minha irmã alguns anos
antes, era finalmente a minha vez de ser alfabetizado. Estava ansioso, pois
finalmente olharia para um conjunto de símbolos e diria “Ei! Está escrita a
palavra CASA!”, como costumava ver a Milla fazendo, sempre que saíamos com
nossos pais pelas ruas da cidade de São Paulo e contemplávamos placas ou
quaisquer propagandas. Foi assim que começou.
Todos
a achavam esperta por ter aprendido a ler antes de ir à pré-escola, e eu, 4
anos mais novo e tomado por um ciúme mimado de caçula, quis para mim um pouco
disso também. Minha mãe, tão paciente, ajudou-me. Lembro-me de quando
orgulhosamente comuniquei ao meu avô, até então o único leitor voraz da
família, que eu finalmente havia aprendido a escrever em “letra de mão”, como
se isso fosse a coisa mais surpreendente que alguém pudesse contar. Com igual
empolgação, vovô deu-me os parabéns, e querendo que eu herdasse seu hábito de
leitura, presenteou-me com um livreto que continha histórias bíblicas infantis.
Ainda que hoje eu saiba do que falava cada uma delas, não me recordo de jamais
ter terminado de ler ao menos uma – isso porque, ainda na época, descobri que
me apetecia muito mais observar as figuras e com isso criar as minhas próprias
histórias.
Era sempre assim. Criar simplesmente
fazia parte. Fosse em casa, com minha irmã; ou na escola, com meus colegas:
nossas brincadeiras não podiam ser desorganizadas. Eu precisava inventar uma
história na minha cabeça para que fizesse sentido o ato de brincar. Fosse
brincando de carrinho, casinha, pique-esconde ou mesmo jogando futebol na rua,
eu arrumava um jeito de articular uma narrativa por trás, e de alguma forma
imaginar um papel para cada personagem -- qualquer coisa que tornasse a
brincadeira mais fantástica do que já era. Por vezes, chegava até mesmo a dar
sequência às histórias no dia seguinte, quando era o caso da minha mãe interromper
a brincadeira do dia, convocando-me para o jantar. Não que as outras histórias
também não me interessassem; pelo contrário, a partir da sétima série,
percebendo que haviam tantas histórias boas sendo contadas, devotei-me aos
livros, não raro sentindo que eram meus melhores amigos.
Mas
como todas as amizades, a interação não poderia partir de um só lado, e assim,
lê-los não bastava: ressignificar as histórias, modificando-as na minha cabeça
e criando minhas próprias versões das mesmas, era inevitável. Dar asas à
imaginação tornou-se, para mim, muito mais satisfatório do que apenas dizer
“Ei! Está escrita a palavra CASA! ”. E como poderia ser diferente? Basta um
emaranhado de palavras organizado em uma folha de papel qualquer e uma ideia a
ser explorada para que a imaginação se torne tão inflamável quanto combustível.
A partir daí, contar uma história parece tornar-se tão necessário quanto
respirar. Também a partir daí, só o que preciso é de um papel, uma caneta e um
sentimento que eu julgue intenso para que eu transforme todas as vivências que
residem em mim em palavras e conte esta história – a minha própria história.
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