sábado, 3 de junho de 2017

A minha própria história.

Aluno 161
Reescrita



           Um pequeno quadro verde. Minhas mãos com resquícios de giz branco. A voz da minha mãe ao fundo. Ela indagava, pacientemente, pela terceira ou quarta vez: “C com A...?” “CA!” -- respondeu prontamente Milla, minha irmã mais velha, interrompendo-me antes que eu pudesse dizer alguma coisa. Tal como fizera minha irmã alguns anos antes, era finalmente a minha vez de ser alfabetizado. Estava ansioso, pois finalmente olharia para um conjunto de símbolos e diria “Ei! Está escrita a palavra CASA!”, como costumava ver a Milla fazendo, sempre que saíamos com nossos pais pelas ruas da cidade de São Paulo e contemplávamos placas ou quaisquer propagandas. Foi assim que começou.
          Todos a achavam esperta por ter aprendido a ler antes de ir à pré-escola, e eu, 4 anos mais novo e tomado por um ciúme mimado de caçula, quis para mim um pouco disso também. Minha mãe, tão paciente, ajudou-me. Lembro-me de quando orgulhosamente comuniquei ao meu avô, até então o único leitor voraz da família, que eu finalmente havia aprendido a escrever em “letra de mão”, como se isso fosse a coisa mais surpreendente que alguém pudesse contar. Com igual empolgação, vovô deu-me os parabéns, e querendo que eu herdasse seu hábito de leitura, presenteou-me com um livreto que continha histórias bíblicas infantis. Ainda que hoje eu saiba do que falava cada uma delas, não me recordo de jamais ter terminado de ler ao menos uma – isso porque, ainda na época, descobri que me apetecia muito mais observar as figuras e com isso criar as minhas próprias histórias.
          Era sempre assim. Criar simplesmente fazia parte. Fosse em casa, com minha irmã; ou na escola, com meus colegas: nossas brincadeiras não podiam ser desorganizadas. Eu precisava inventar uma história na minha cabeça para que fizesse sentido o ato de brincar. Fosse brincando de carrinho, casinha, pique-esconde ou mesmo jogando futebol na rua, eu arrumava um jeito de articular uma narrativa por trás, e de alguma forma imaginar um papel para cada personagem -- qualquer coisa que tornasse a brincadeira mais fantástica do que já era. Por vezes, chegava até mesmo a dar sequência às histórias no dia seguinte, quando era o caso da minha mãe interromper a brincadeira do dia, convocando-me para o jantar. Não que as outras histórias também não me interessassem; pelo contrário, a partir da sétima série, percebendo que haviam tantas histórias boas sendo contadas, devotei-me aos livros, não raro sentindo que eram meus melhores amigos. 
         Mas como todas as amizades, a interação não poderia partir de um só lado, e assim, lê-los não bastava: ressignificar as histórias, modificando-as na minha cabeça e criando minhas próprias versões das mesmas, era inevitável. Dar asas à imaginação tornou-se, para mim, muito mais satisfatório do que apenas dizer “Ei! Está escrita a palavra CASA! ”. E como poderia ser diferente? Basta um emaranhado de palavras organizado em uma folha de papel qualquer e uma ideia a ser explorada para que a imaginação se torne tão inflamável quanto combustível. A partir daí, contar uma história parece tornar-se tão necessário quanto respirar. Também a partir daí, só o que preciso é de um papel, uma caneta e um sentimento que eu julgue intenso para que eu transforme todas as vivências que residem em mim em palavras e conte esta história – a minha própria história.

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